• Nenhum resultado encontrado

O final do século XX foi palco para o surgimento de um novo estilo de igreja. Profundamente adaptados aos ideais modernos, estes empreendimentos contam com algumas características comuns. Suas promessas estão baseadas em ofertas sobrenaturais, justificadas biblicamente por versículos de impacto, como Lucas 1,37116. Basta somente ter fé e contribuir com a obra de Deus.

Contribuição é um tópico importante para estas novas igrejas. Uma receita constante é imprescindível para manter uma complexa e diversificada estrutura, que engloba desde emissoras de televisão até fabricantes de banco de igrejas. Além disso, seu crescimento está baseado na utilização de ferramentas empresariais, como o marketing, que necessitam de volumosos recursos.

Volumosos também devem ser os contribuintes. Acostumadas com as multidões, estas igrejas não conseguem manter um rol de membros ou mesmo atender pessoalmente seus fiéis, a não ser durante os rápidos minutos de contato durante os cultos. Esta relação impessoal transforma os fiéis em clientes de serviços espirituais.

Atuar de maneira profissional é uma qualidade e uma meta para estas denominações. Mesmo sem demonstrar o mesmo nível de profissionalismo, estas igrejas contratam assessores e consultores para trabalhar suas ações e seus posicionamentos. Uma administração centralizada, mas com diversos colaboradores experientes em pontos estratégicos, mantém estes impérios eclesiásticos coesos.

Estas novas igrejas são agrupadas nesta dissertação sob a terminologia igrejas empresariais, empreendimentos que combinam o lucro e o milagre, a receita e a benção. Alguns exemplos podem ser listados, como a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Internacional da Graça de Deus e a Igreja Apostólica Renascer em Cristo.

Além de características comuns, as igrejas empresariais enfrentam desafios semelhantes. A credibilidade destas instituições é constantemente ameaçada por investigações do Ministério Público e matérias na mídia secular,

que acusam seus dirigentes de curandeirismo, enriquecimento ilícito e formação de quadrilha. O estilo de vida nababesco de certas lideranças contribui para a desconfiança de diversos setores da sociedade.

Outro desafio está relacionado à fidelidade. Sem uma relação pessoal com seus fiéis e com ofertas similares, estas igrejas sofrem com o intenso trânsito religioso. Os colaboradores também fazem seu trânsito de empregadores à procura de oportunidades mais vantajosas. Os mais talentosos fundam seus próprios empreendimentos, inspirados nos líderes de mercado.

Apesar das dificuldades, um novo competidor entrou neste seleto nicho eclesiástico a pouco mais de uma década. Potencializando o talento carismático da liderança com estratégias de marketing, a Igreja Mundial do Poder de Deus combinou inovações e inspirações de outras igrejas em uma fórmula que tem encantado brasileiros e estrangeiros.

Valdemiro Santiago, fundador e apóstolo da Mundial, soube utilizar sua experiência anterior na Universal, selecionando as táticas de sucesso deste e de outros concorrentes. A temática por dia da semana, o culto-espetáculo de alta emotividade, os líderes carismáticos e o investimento em mídia são típicos do pentecostalismo brasileiro a partir dos anos 1980. Valdemiro também resgatou a ênfase na cura divina dos anos 1950 e 1960, preterida ultimamente pela teologia da prosperidade.

Contudo, a Mundial não é apenas uma cópia insipiente de sua igreja- mãe ou mesmo uma bricolagem de outras denominações. A Mundial tem uma personalidade própria. Ao contrário de Edir Macedo, que se apresenta como um empresário da fé, Valdemiro faz questão de trabalhar sua identidade em sintonia com os seus fiéis. Como eles, o apóstolo se coloca como um homem simples e sem muito estudo, que em seu passado era um trabalhador rural até se tornar pastor de almas. Essa simplicidade se reflete na marca da Mundial, que mistura acessibilidade, simpatia e improviso.

Valdemiro já foi gravado brigando com membros de sua equipe técnica, pastores, obreiros e fiéis. Mesmo assim, o bom humor é o seu principal estado de espírito. O apóstolo ri durante as ministrações, faz piadas de si mesmo e gosta de abraçar os que sobem ao altar. A emotividade está sempre à flor da pele: durante as orações nos cultos e nos apelos por dinheiro na televisão,

Valdemiro chora abundantemente, demonstra cansaço contra a perseguição religiosa e coragem contra os inimigos.

Além da inteligência, outro trunfo da Mundial é sua ousadia. Sem medo, a denominação afirma que a mão de Deus está aqui, excluindo suas concorrentes da preferência divina. Também estimula os fiéis a verem em seu líder um catalisador do poder de Deus, capaz de curar com o suor do seu rosto, pela imposição de mãos ou mesmo à distância, pela televisão.

A Mundial ainda conseguiu relacionar um objeto, considerado milagroso, com sua marca. A toalhinha Sê Tu Uma Benção é mais uma estratégia de sucesso: não por acaso, a Terça-feira do Milagre Urgente, dia em que a toalhinha é distribuída gratuitamente, lota os 43.000 metros quadrados do Grande Templo dos Milagres, sede da denominação no bairro paulista do Brás. Os relatos são variados, desde de fiéis que colocaram o objeto em cima dos pontos de enfermidade até aqueles que chegaram a comer fragmentos da toalhinha e se declaram curados.

Os pedidos de contribuição ao ministério, em sua maioria para financiar o horário na televisão, são igualmente ousados: em dezembro de 2009 Valdemiro chegou a pedir 30% da renda dos fiéis. Diversos objetos, envernizados com versículos bíblicos, servem para novos apelos financeiros. A Mundial já pediu ofertas em troca de redes de pesca, cajado de plástico, martelo de madeira, caneta e meia. A fim de garantir um volume maior na contribuição, o valor da oferta é fixado pelo apóstolo. Seu valor preferido é o de R$ 153, utilizado nas campanhas da rede de pesca e do par de meias.

Estes apelos são realizados nos mais de 2.000 templos em todo o Brasil e no exterior. Aliás, o contínuo crescimento no número de templos da denominação é digno de nota. De 70 templos em 2007, a igreja passou a ocupar 2114 unidades no primeiro semestre de 2011. Com este ritmo, a Mundial já conseguiu ultrapassar a Igreja Internacional da Graça de Deus e a Igreja Apostólica Renascer em Cristo. Em 2011, foi inaugurado o templo de Santo Amaro, na Av. João Dias. Foi uma vitória pessoal de Valdemiro contra Edir Macedo, cuja Catedral da Fé está distante apenas 300 metros. Na inauguração, Valdemiro afirmou que “têm aqueles que se sentem donos desta avenida e deste lugar”. Lançada no mesmo ano, a Cidade Mundial é um projeto de 10 alqueires em Guarulhos e um sonho de Valdemiro.

Apesar da evolução no número de templos, a Mundial se destaca pelo uso da televisão. Detentora de 22 horas diárias no Canal 21, a igreja atinge milhares - senão milhões - de espectadores que acompanham os cultos e as Concentrações de Fé, a unção da água e as mensagens do apóstolo e dos bispos no programa O Poder Sobrenatural da Fé. O apóstolo demonstra um apetite voraz por horas na mídia, chegando a custar antigas alianças. Em agosto de 2011, Valdemiro adquiriu a madrugada da Band (das 2h às 6h45), antigamente ocupada pelo pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Em resposta, a assessoria de imprensa de Malafaia afirmou que o líder da Mundial era um “traíra” (sic) e que ele possuía o “espírito de escorpião”.

Atritos com outras lideranças religiosas é uma constante na vida de Valdemiro. Seu principal opositor é Edir Macedo, simplesmente denominado o “bispo” ou o “sacerdote”. As práticas e os rituais da Universal, como a utilização do sal grosso e o nó na camisa, são taxados de “macumba” pelo apóstolo. Outro rival é R. R. Soares, apelidado de “tio”, com quem Valdemiro disputa acirradamente o espaço midiático nas emissoras de televisão.

A presença nas páginas policiais é mais um problema enfrentado pela denominação. Em março de 2010, a prisão de três pastores da Mundial com armamento pesado em uma rodovia do Mato Grosso do Sul foi notícia em grandes emissoras, como a Globo e a Record. O próprio Valdemiro já foi preso por porte de armas e munição, na cidade paulista de Sorocaba em 2003.

Como se não bastasse, o apóstolo ainda tem que lidar com a saída de bispos e pastores. O terceiro homem da igreja, o bispo Roberto Damásio, abriu a primeira dissidência da Mundial em 2010, a Igreja Mundial Renovada. Posteriormente, o bispo Sebastian de Almeida fundou o seu Templo Mundial do Resgate da Fé. Ambos contam com suas sedes no bairro paulistano do Brás, próximas ao Grande Templo dos Milagres. A predileção dos dissidentes por levar a marca Mundial adiante já está rendendo uma certa confusão na cabeça dos fiéis: em cultos transmitidos no Canal 21, a igreja já foi chamada de Igreja Mundial da Fé e Igreja Mundial de Deus por duas mulheres, que diziam estar curadas de seus males.

Para vencer estas adversidades, Valdemiro utiliza o discurso da perseguição religiosa e da batalha espiritual. Contra os fechamentos de sua

sede, realizados pela Prefeitura de São Paulo por causa da manutenção do templo e da superlotação, o apóstolo e seu séquito acusaram o poder público de empreender “uma tribulação sinistra e ameaçadora”, nas palavras do segundo homem da denominação, o bispo Josivaldo Batista. Para se diferenciar dos líderes de outras igrejas empresariais, Valdemiro deixou claro em um vídeo transmitido no Canal 21 que “em toda a perseguição que este ministério sofre, você não ouve falar o meu nome”, afirmando que outros pregadores sofrem perseguição pela sua própria má conduta na obra de Deus.

A marca Mundial, alicerçada na personalidade peculiar de Valdemiro Santiago e no uso do marketing, tem funcionado plenamente. Muito deste sucesso pode ser explicado pela teoria da escolha racional, proposta pelo sociólogo Rodney Stark. A partir de seus axiomas e pressupostos, é possível visualizar alguns aspectos da Mundial, como a busca dos fiéis por recompensas a baixos custos, a contribuição da experiência anterior de Valdemiro (na Universal) em sua nova igreja, a inovação contínua de práticas nos cultos, a falta de corporativismo entre os empresários da fé e a centralização de poder que gera dissidências.

A Igreja Mundial do Poder de Deus é fruto do seu tempo. Tempo em que os fiéis, agora consumidores, têm liberdade de escolha e montam o seu próprio repertório de crenças e práticas. Tempo em que as igrejas mudaram o seu posicionamento para empresas sobrenaturais, solucionando os problemas dos clientes de forma ágil e eficaz. Tempo em que o marketing está ao lado da fé.