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CONSIDERAÇÕES FINAIS: lampejos de cor em meio ao cinza

“Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever.”

Clarice Linspector

Diante de tudo que foi exposto, é possível enxergar com maior amplitude o fenômeno da arte urbana, no contexto da cidade de Natal, inclusive pensando que, semelhantes formas, ainda que, com diferentes conteúdos, podem ser encontradas em outros contextos urbanos. Sabemos que manifestações como o graffiti e o pixo, são formas de expressão recorrentes nos cenários das grandes cidades, e ainda que sejam coibidas, são expressões que não cessarão de surgir.

Embora haja polêmica em torno da ilegalidade da prática, vimos que por um lado a estética do graffiti tem sido melhor aceita pela sociedade, enquanto a estética do pixo tem sido notada como vandalismo, ainda que ambas se situem em uma fronteira turva, na qual às vezes é obvio a distinção, mas outras vezes é dúbia a diferença, por questões circunstanciais, ou seja, cada caso é um caso. O fato é que, para além do bem e do mal, essas práticas estão presentes nos grandes centros urbanos, e elas comunicam uma forma de existir, ainda que não seja completamente inteligível para grande parte da sociedade, logo se expressam de forma estética e política. E nessa acepção, para além da obviedade, o confronto ao muro limpo, essas práticas também têm a capacidade de afetar o modo como vivenciamos a cidade, elas indagam, suscitam e questionam novos enunciados possíveis, tanto por um viés físico como intelectual, elas modificam o espaço urbano.

Penso que esses escritores se aventuram na cidade, atravessando lugares esquecidos e despercebidos, mas também zonas de grande fluxo e visibilidade. Através dessas experiências revelam nuances de uma alternativa forma de experimentar a cidade, a escrita citadina compõe um modo singular de conhecer, através não apenas da imagem e da palavra, mas para as narrativas que se escondem para além do que os olhos são capazes de enxergar. Recapitulando os três aspectos principais da literatura menor (DELEUZE, GUATTARI, 1977) temos: em primeiro lugar, a desterritorialização, como uma característica da escrita citadina capaz de transpor o território físico; em segundo lugar, a ramificação do individual ao político imediato, ou seja os escritores, ainda motivados por pulsões individuais, realizam na escrita o encontro com um ato de consequências políticas imediatas, que se reverbera na superfície da cidade, e é capaz de se desdobrar em uma infinidade de possibilidades; e em terceiro lugar, o agenciamento coletivo de enunciação,

que corrobora para que ainda que inúmeras individuais expressões, em um campo mais abrangente ganham significado coletivo, mesmo que não coeso, cada peça escrita contribui para composição de um quadro maior, que o chamamos de a cidade como um livro aberto, o qual pode ser lido a partir de distintos pontos de vista.

Ainda sobre os principais referenciais teóricos o conceito da partilha do sensível (RANCIÈRE, 2005) evidencia as relações estéticas e políticas que se repartem na cidade, de modo que cada escritor é que contribui na formação desse arranjo maior. Já o conceito de heterotopia (FOUCAULT, 2013), orienta pensar a capacidade que esses escritos têm de ressignificar os espaços, e fazer deles espaços de exercício da diferença, desafiando a arquitetura de forma nítida, transformando a superfície citadina em suporte para produção de novos enunciados.

Vale ainda mencionar que essa escrita se difunde pelas cidades do mundo, sob este escopo, a arte urbana, em um sentido mais generalizado é considerada uma prática global, mas que se reinventa nas práticas locais. Ainda que tangida por diferentes estéticas, a produção artística utilizando a cidade como suporte de expressão é geral, e cada vez mais é produzido conhecimento acerca desse conteúdo afim de melhor compreendê-lo. Para além das pesquisas acadêmicas e científicas, é listado aqui algumas importantes publicações que ampliam o horizonte do pensamento sobre a arte urbana, abrindo o convite ao leitor de buscar as referências.

No livro de Nicholas Ganz, o Graffiti World: Street Art from Five Continents49, traz um apanhado de como a arte das ruas se apresenta pelo mundo atravessando a América, Ásia, África, Europa e Oceania. Em outra obra, Graffiti Woman50, também de Nicholas Ganz, o autor produz uma coletânea enciclopédica de artistas internacionais focada na produção artística das mulheres no graffiti, dando ênfase a presença da mulher artista, em um universo onde uma ampla maioria é composta de artistas homens.

A obra Graffiti Argentina51, de Maximilino Ruiz, por exemplo, o autor traz um apanhado sobre a história política da prática no país, mapeando produções desde os anos

49Graffiti World: Street Art from Five Continents (2010) - na versão em português Mundo Grafite: Arte Urbana

nos cinco continentes-, organizado por Nicholas Ganz, a obra oferece uma visão sobre a arte urbana e a explosão criativa que a caracterizou por pelo menos os últimos 35 anos. O livro conduz o leitor numa aventura por cinco continentes do globo. Apresentando mais de 2.000 imagens de obras e de mais de 180 artistas internacionais, o autor combina suas experiências diretas com os depoimentos dos próprios artistas.

50 'Graffiti Woman (2006), organizado por Nicholas Ganz, celebra a ascensão de grafiteiros e artistas de rua,

mostrando o trabalho de mais de 125 mulheres, desde as que estão no topo do jogo, como a Lady Pink de Nova York e o Mickey de Amsterdã, até uma galáxia de estrelas em ascensão. Acompanhado de citações dos próprios artistas e apresentado pelo artista americano Swoon e a autora Nancy Macdonald.

51 Graffiti Argentina (2008), é uma colaboração do cineasta argentino Maximiliano Ruiz, e dos designers

1990, inclusive relatando articulações com artistas brasileiros, pinturas políticas, e parte de um universo para além das paredes do graffiti no país.

O livro Graffiti Brasil52, por exemplo, é um material produzido em colaboração estrangeiros e brasileiros, fascinados pela criatividade das expressões urbanas brasileiras, a obra documenta diversos estilos de graffiti e pixo e faz um apanhado de artistas urbanos, focado na cidade de São Paulo.

O livro A Arte Urbana do Nordeste do Brasil53, por sua vez, é uma síntese em forma de catálogo de diversos artistas nos nove estados da região nordeste, surgido de uma necessidade de documentar, registrar e divulgar a produção de arte urbana nessa localidade do país tradicionalmente menos privilegiada que as regiões centro-sudeste.

O livro Por Trás dos Muros: horizontes sociais do graffiti54, é uma publicação voltada para a dimensão de inserção social dos jovens que praticam o graffiti, trazendo uma perspectiva dessa prática como uma ferramenta de transformação de vida. A obra é de responsabilidade do projeto Quixote55, constrói uma narrativa onde múltiplas vozes se

revezam, no intuito de incentivar o olhar sobre o graffiti e seus autores, convidando o leitor a ampliar a percepção do ambiente urbano.

Além de tais produções bibliográficas fora do âmbito acadêmico, a arte urbana, também é produzida com diferentes finalidades no mundo todo, como ao exemplo temos a

compilaram é complementada por entrevistas com artistas sobre a primeira eflorescência do graffiti na década de 1990; sobre o movimento nos últimos anos; no uso subterrâneo de tags, grafite de trem e imagens políticas; e nos esboços e desenhos que vieram da rua para influenciar a cultura visual do país. Mais de 500 fotografias coloridas.

52 Graffiti Brasil (2010), é uma colaboração de; Tristan Manco, escritor, designer e diretor de arte da Inglaterra;

o coletivo Lost Art, é formado pelos fotógrafos brasileiros Ignácio Aronovich e Louise Chin; e Caleb Neelon, que é artista e escritor de graffiti em Boston, Estados Unidos. O livro é um apanhado de mais de 300 fotografias, que atravessam desde artistas amplamente reconhecidos como ‘Os Gemeos’ até o impacto visual das agressivas manifestações do pixo, com o foco na cidade de São Paulo, mas passando por grandes capitais como Rio de Janeiro, Recife, Olinda, Belo Horizonte e Porto Alegre.

53 A Arte Urbana no Nordeste do Brasil (2013), é uma coletânea organizada pelo produtor e artista visual

Narcélio Grud. A publicação foi realizada com apoio do BNDES, Banco do Nordeste e Governo Federal, e serve como obra documental e portifólio de mais de 90 artistas do Nordeste do Brasil. O lançamento do livro culminou com a realização do 1º Festival Concreto, evento internacional de arte urbana, sediado na cidade de Fortaleza, Ceará em 2013.

54 Por Trás dos Muros: horizontes sociais do graffiti (2008), é organizado por Graziela Bedoian e Kátia

Menezes, e “revela as inspirações de jovens que encontraram no spray e no látex instrumentos para ir além: algumas possibilidades concretas para a re-interpretação de realidades sociais e oportunidades singulares para o florescimento de talentos. Rostos dispersos na multidão de São Paulo resgatam, no espaço entre-páginas, a diversidade do espaço público – um legado adormecido pelo vai-e-vem frenético das grandes cidades. Um sono que, às vezes, é interrompido, por pouco tempo, por poucos metros, pelas explosões de ccores e formas, por novos alfabetos que nos clamam a prestar mais atenção em quem somos” (texto de Kátia Menezes, 2008).

55 O projeto Quixote é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), sem fins lucrativos,

ligada ao Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). O projeto Quixote aposta na arte, na educação e na saúde como formas de aproximação e vínculo com jovens, promovendo oficinas artísticas e adotando estratégias clínicas e sociais, onde criatividade, afeto e expressão caminhão junto. Fonte: http://www.projetoquixote.org.br

comunidade de Palmitas, no distrito de Pachuca, onde foi pintado o maior macromural56 já visto no mundo, em uma parceiria entre o governo do México e o coletivo de artistas Germen Crew, as fachadas de mais de inúmeras casas se transformaram em um só painel que ganhou destaque por seu impacto social. Ou ainda, a cidade de Valparaíso, no Chile, que transformou a arte urbana em um atrativo para seus visitantes, que fomenta o mercado turístico na região.

Mais intrigante ainda é pensar, que a arte urbana, existe até em países devastados pela guerra, como é o caso do Afeganistão57, uma região marcada pelo fundamentalismo islâmico, tem parte de sua opressão rebatida pela voz de artistas como Marina Suliman e Shamsia Hassani, mulheres e grafiteiras, espalham cor e protesto pelas ruas destruídas por bombas. O exemplo, serve para salientar, que a arte urbana abarca amplos universos.

É importante também frisar que como essa prática vem ganhando grande destaque por todo mundo, sua difusão chega a afetar amplas dimensões da sociedade, modificando seu modo de ser feito conforme a situação. Uma vez que, em seu primórdio a prática preze pela liberdade, criatividade e o exercício da diferença, a mesma também está sujeita a apropriações mercadológicas, atualmente, existe uma ampla indústria que se adequa as exigências do mercado de consumo e produz, todo tipo de produto com o rótulo da arte urbana. Para além disso, uma nova categoria da arte urbana, de modo refinado conhecido como Graffiti Fine Art58, se utiliza da linguagem oriunda das ruas para habitar as galerias, por exemplo. Enfim, nesse momento, a discussão não se trata de legitimar ou deslegitimar determinada forma de expressão, seja nas ruas, nos comércios, ou galerias, trata-se pois, de instigar a percepção visual da cidade, alertando que existem diferentes acepções dessa manifestação, trazendo à tona exemplos e contradições que põe em atrito predefinições sobre a prática da arte urbana, e essa é uma das grandes motivações da pesquisa.

56 “Os artistas tiveram a missão de pintar 209 casas, sendo vinte mil metros quadrados de fachadas, para criar

um imenso arco-íris. A ação não teve somente um impacto visual pelas cores e formas, mas as 452 famílias que ali moram, cerca de 1808 pessoas já estão começando a sentir a diferença no dia a dia, inclusive pelo índice de violência entre jovens que diminuiu drasticamente.” http://misturaurbana.com/2015/08/artistas-urbanos- pintam-uma-comunidade-inteira-mexico/ Acesso em: 22 abr. 2018

57“Muros e imóveis destruídos por bombas ganham cores, desenhos e frases. A opressão contra a mulher é

rebatida no deslizar do rolo de tinta e no encontro do spray com a parede. No Afeganistão, país marcado por conflitos, intervenção, guerra e extremismo religioso, duas mulheres utilizam o graffiti e a arte como ferramenta de luta e liberdade.” https://catracalivre.com.br/geral/criatividade/indicacao/no-afeganistao- grafiteiras-apagam-sinais-da-guerra-e-violencia-com-tinta-e-spray/ Acesso em: 22 abr. 2018

58 “Em um mundo onde a semântica importa, os grafiteiros ao redor do mundo se perguntam o que exatamente

é o ‘Graffiti Fine Art‘. Afinal, uma vez que o graffiti deixa as ruas e vai para dentro das galerias e museu, pode ser considerado graffiti?” http://misturaurbana.com/2013/06/graffiti-fine-art-o-documentario/ Acesso em: 22 abr. 2018.

Em função do foco dessa pesquisa, volto a salientar a investigação sobre a manifestação dessa prática na cidade de Natal, Rio Grande do Norte. O que é certo, acerca dos nossos objetivos, é que a narrativa mostra que a caligrafia urbana, a pintura e escrita citadina, desafia a arquitetura em função que ela transpõe, não apenas o muro, mas o azulejo, o tijolo, a placa de metal, aliás a cidade como um todo é um possível suporte para inusitadas e inventivas formas de se apropriar, e a escrita é o conteúdo que se carrega e se dissemina na pelas ruas. Vimos durante a pesquisa excêntricas ocupações visuais de espaços urbanos, que vão desde telhados de prédios abandonados, placas de ‘outdoors’, pilastras de tijolo, pneus, carros velhos, tapumes de ferro, entre outros. Essas escritas citadinas se manifestam de diferentes modos inventivos, criativos e inusitados.

Procedendo a ideia de que a literatura menor é aquilo que uma minoria faz em uma língua maior, podemos conceber a língua maior como o espetáculo das grandes luzes da cidade, e a comunicação em massa, publicidade e outdoors, na medida em que a caligrafia urbana seria, em oposição, equivalente às luzes dos vaga-lumes, que são aquelas que só podem ser vistas na escuridão, na ausência de luz, nas margens.

Proponho pensar essa sugestão como um último recurso metafórico, a luz de Didi Huberman (2011), na obra “a sobrevivência dos vaga-lumes”, o autor traz a imagem dos vaga-lumes, em comparação da experiência de Pier Pasolini em 1975, em uma crítica a situação política de seu tempo59, mesmo com a derrocada do fascismo em 1940, e Mussolini executado, um terror ainda mais profundo se instaurava na Itália.

Pasolini evoca a imagem poética dos vaga-lumes para falar sobre esse processo histórico de seu país, na qual uma ditadura consumista tomava conta dos valores do povo italiano, o cineasta defendia o poder específico do povo e das culturas populares, para reconhecer nelas uma capacidade de resistência histórica e política, a sobrevivência dos vaga-lumes. Cogita-se pensar que os vaga-lumes teriam desaparecido, mas na procura de seus sinais intermitentes, Didi-Huberman levanta a questão.

Mas como os vaga-lumes desapareceram ou “redesapareceram”? É somente aos olhos que eles “desaparecem pura e simplesmente”. Seria bem mais justo dizer que eles “se vão”, pura e simplesmente. Que eles “desaparecem” apenas na medida em que o espectador renuncia a segui-los. Eles desaparecem de sua vista porque o

59 “Em 1º de fevereiro de 1975 – ou seja, trinta e quatro anos, contados dia a dia, ou melhor, noite por noite, após sua bela

carta sobre a aparição dos vaga-lumes, e nove meses exatamente antes de ser selvagemente assassinado, na madrugada, numa praia em Ostia –, Pasolini publicava o Corriere della Sera, um artigo sobre a situação política de seu tempo. O texto se intitulava “O vazio do poder na Itália”, mas será retomado nos Escritos Corsários com o título que se tornou famoso de “O artigo dos vaga-lumes”. Ora, trata-se sobretudo, se posso dizer, do artigo da morte dos vaga-lumes, na Itália, os vaga- lumes desapareceram, esses sinais humanos da inocência aniquilados pela noite – ou pela luz “feroz” dos projetores – do fascismo triunfante.” (DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 25).

espectador fica no seu lugar que não é mais o melhor lugar para vê-los. (DIDI- HUBERMAN, 2011, p. 47).

A respeito dos vaga-lumes, é possível dizer que “eles estão, na ordem do dia, talvez mesmo no centro de nossos modernos questionamentos científicos” (DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 51), ainda mesmo tentando, disseca-los não nos ajude a compreendê-los, como reitera mais adiante.

Seria criminoso e estúpido colocar os vaga-lumes sob um projetor acreditando assim melhor observá-los. Assim como não serve de nada estudá-los, previamente mortos, alfinetados sobre uma mesa de entomologista ou observados como coisas muito antigas presas no âmbar há milhões de anos. Para conhecer os vaga-lumes, é preciso observá-los no presente de sua sobrevivência: é preciso vê-los dançar vivos no meio da noite, ainda que essa noite seja varrida por alguns ferozes projetores. Ainda que por pouco tempo. Ainda que por pouca coisa a ser vista: é preciso cerca de cinco mil vaga-lumes para produzir uma luz equivalente à de uma única vela. Assim como existe uma literatura menor – como bem o mostraram Gilles Deleuze e Félix Guattari a respeito de Kafka -, haveria uma luz menor possuindo os mesmos aspectos filosóficos: “um forte coeficiente de desterritorialização”; “tudo ali é político”; “tudo adquire um valor coletivo”, de modo que tudo ali fala do povo e das “condições revolucionárias” imanentes à sua própria marginalização. (DIDI- HUBERMAN, 2011, p. 52).

A figura metafórica dos vaga-lumes simboliza a experiência poético visual da intermitência de luz, ou seja, de um intervalo de tempo irregular, entre cessar e recomeçar. Ora, se os vaga-lumes podem ser compreendidos como luzes menores: desterritorializadas, políticas e coletivas, possuem os mesmos aspectos filosóficos de uma literatura menor, poderíamos trazer a analogia dos vaga-lumes aos escritores urbanos. Os escritores urbanos, equivalem a lampejos de cor intermitentes, como pirilampos de tinta desenhando suas formas de vida e resistência no mobiliário urbano, reitero, é nesse movimento as práticas escritas urbanas desafiam a arquitetura citadina.

Não estamos aqui a propor um critério de julgamento de valor, para tais práticas, dizendo as positivas ou negativas para a sociedade. Ora, uma vez que elas existem, o que nos interessa é investigar de que modo se compõe, o que as impulsiona a continuar existindo, intermitentemente, embora uma parcela da sociedade as condene, e incentive a coibição, elas não cessam de se proliferar, seja em um graffiti elaborado, ou em um pixo violento, enquanto houverem superfícies passíveis de serem riscadas, elas serão telas, não importa de qual cor, para os escritores. A essa razão temos a analogia ao modo de se propagar dos vaga- lumes, a dança das luzes que é vista na penumbra.

[…] o fato de que a dança dos vaga-lumes se efetua justamente no meio das trevas. E que nada mais é do que uma dança do desejo formando uma comunidade. [...] nos vaga-lumes trata-se, antes de tudo, de uma exibição sexual. Os vaga-lumes não se iluminam para iluminar um mundo que gostariam de “ver melhor”, não. (DIDI- HUBERMAN, 2011, p. 55).

Fazendo uma alusão a exibição sexual dos vaga-lumes, em comparação ao caso da caligrafia urbana, assim como os pirilampos não se iluminam para iluminar um mundo que gostariam de “ver melhor”, não se trata de enxergar essa prática escrita de modo fanático como uma forma de revolucionar o mundo através da pintura. Na verdade, a pesquisa discorre no fato de perceber no processo, os inúmeros desejos que motivam essa prática, seja de modo poético no intuito de contribuir com a cidade, ou seja o desejo egoísta de perpetuar seu nome e vandalizar a cidade, ambos coexistem. Nos vaga-lumes, a exibição sexual é o que viabiliza parte de sua reprodução, assim como na escrita citadina o desejo pelo risco, pelo ato de fazer e a motivação que a impulsiona, é o que forja uma comunidade, ainda que não seja a intenção inicial.

Seria assim possível, pensar à luz da experiência dos vaga-lumes, os escritores urbanos como esses lampejos de cor e resistência, de um modo de vida não usual, que está relacionado a uma reinvenção do fazer político.