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Ao analisarmos as matrizes do surgimento dos serviços de inteligência civil dos governos da Argentina e do Chile, podemos compreender que existe um paralelo entre eles e, consequentemente, entre o Brasil igualmente. Com o desenvolver da Guerra Fria o mundo cada vez mais foi fragmentado entre as duas ideologias dominantes, o capitalismo e o socialismo e, após os desdobramentos da Revolução Cubana, a influência dos EUA sobre a América Latina cresceu (KISSINGER, 2012). Essa fase mais tensa nas relações entre a URSS e os EUA, é compreendida por Hobsbawm (1995) como o momento que quase levou o mundo a um novo confronto armado entre as duas superpotências e acendeu um sinal alerta em Washington D.C.

A geopolítica norte-americana para o continente americano passou, segundo Bandeira (2017), a acompanhar os movimentos políticos dos partidos de esquerda e as correntes nacionalistas no continente sul-americano e da América Central, incentivando os partidos políticos de direita e os militares a assumirem o poder frente ao crescimento da ameaça vermelha. Seguindo esse viés, temos os golpes militares nos anos de 1954, no Paraguai, 1964 no Brasil, 1966 na Argentina, 1968 no Peru, 1971 na Bolívia, 1972 no Equador e 1973 no Chile.

Para critérios de Estudos, foram selecionados para análise os sistemas de inteligência da Argentina e do Chile como representantes das transformações que estavam acontecendo no Continente nos anos 60, 70 e 80 do século passado, desde o processo de endurecimento dos regimes autoritários no enfretamento dos

insurgentes ao longo e doloroso processo de redemocratização e a criação de sistemas de controle da atividade de inteligência.

Com esse objetivo, foi observado que tal qual o desenvolvimento político e econômico que acontecia no Brasil, a Argentina e o Chile passaram por transformações semelhantes, mas que encontraram seus caminhos próprios ao lidar com essa dinâmica (PEREIRA, 2010). Após uma repressão brutal aos opositores dos regimes, com várias mortes e uma constante de desrespeito aos Direitos Humanos, a atuação dos órgãos de informação/inteligência foi bastante questionada devido seu papel na identificação e neutralização das ameaças ao regime. Para Ugarte (2003) e (Brandão (2010) essa atuação ostensiva e presente no dia a dia da repressão acabou por rotular esses serviços como uma força de repressão do Estado sem controle legal, assim, seus atos não passavam por controle e nem fiscalização, atuando na ilegalidade em nome da defesa nacional.

Assim como o SNI, a DINA e a SIDE tiveram sua capacidade de atuação ampliada a nível nacional, mas sua capacidade de atuação a nível externo sempre foi limitada, como Cunha (2009) atesta, uma das maiores interações entre as diferentes agências de informação foi a Operação Condor realizada por uma aliança político-militar entre os vários regimes militares do Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai com forte apoio dos EUA através da CIA e se estendendo pelas décadas de 1970 e 1980, cujo principal objetivo foi o de coordenar a repressão a opositores desses regimes e atuar contra os avanços da Organização Latino- Americana de Solidariedade - OLAS, criada por Fidel Castro e incentivada pela URSS.

Internamente, Ugarte (2003), Brandão (2010) e Figueiredo (2015) apontam para o forte poder de repressão e a ausência de mecanismos de controle, além do desenvolvimento de uma vasta rede de informantes e colaboradores do regime e a criação de várias bases clandestinas para atuarem como apoio aos civis e militares encarregados dessa missão. A repressão no Brasil, Argentina e Chile conseguiu atingir seus objetivos, mas as transformações no cenário internacional impactaram mais uma vez no modelo político idealizado pelos militares no poder.

Para Napolitano (2017) e Gaspari (2014) ao mesmo tempo em que a eficiente máquina de repressão liderada pelas suas agências de informação atuavam provendo o sistema de todas as informações necessárias, os militares promoviam a recuperação econômica de seus países, movimento esse que sofreu um forte revés

no final dos anos 70 e 80, com o agravamento das crises econômicas e políticas, muitas delas relacionadas a atuação violenta e sem limites dos órgãos de informação.

A recessão econômica abalou as bases das ditaduras e contribuiu para enfraquecer os regimes militares na década de 1980 (FIGUEIREDO, 2005). Levando a um processo lento e controlado pelos militares do Brasil (1985) e do Chile (1990), e sem o controle dos militares argentinos (1983), o que culminou na redemocratização de seus países e a reestruturação de suas agências de inteligência sobre as normas de um Estado Democrático de Direito, onde suas ações deveria ser legalizadas e fiscalizadas pelo estado através de sistemas de controle interno e externo, buscando o desenvolvimento de uma cultura de legalidade, onde o segredo seria a exceção e não mais regra.

Assim surgiram a ABIN no Brasil, A AFI na Argentina e a ANI no Chile com o intuito de se adequarem a essa nova realidade política das nações, em que cada nação possui seus próprios desafios institucionais que, de certa maneira, muito tem a ver com suas origens muito mais voltadas a uma ação de polícia secreta do que órgãos de assessoramento ao Executivo e de planejamento estratégico com uma visão impessoal dos cenários internos e externos do país (CEPIK, 2005). Para Farias (2017) a legalidade das ações dos órgãos de inteligência, no atual cenário político, deve ser a sua maior motivação, mas que ainda se encontra fortemente sobre a influência dos líderes do Executivo desses países, que a entendem muito mais como um instrumento de poder do que uma política de Estado.

CAPITULO VI

6 O SERVIÇO DE INTELIGÊNCIA NO BRASIL

Entramos agora no lodaçal da busca clandestina [de informações]. Apostila Espionagem nas informações de 1970, da Escola Superior de Guerra

Os serviços de inteligência são organizações que desempenham atividades ostensivas e defensivas na área de coleta e análise das informações, em contextos adversários em que um ator tenta compelir o outro à sua vontade Cepik (2001). Nesse sentido, pode-se dizer que essas organizações de inteligência formam, juntamente com as Forças Armadas e as polícias, o núcleo coercitivo das instituições de segurança e defesa do Estado, sendo que são as mesmas responsáveis por passar informações de alto valor estratégico para ações ostensiva e/ou agressivas fora das fronteiras do seu Estado de origem.

Antes de tudo, devemos entender as várias consequências desse tipo de serviço para as instituições do Estado Democrático de Direito. A atuação desses serviços pode atingir diretamente as instituições e o próprio processo político de muitas formas e porque essas organizações têm seus próprios interesses e opiniões acerca de seus interesses distintos. Embora o tema da intervenção dos serviços de inteligência e de segurança na vida política mais geral seja de grande interesse.

No Brasil, essa atividade tem duas origens bem distintas, a Inteligência Militar praticada há muito pelas Forças Armadas Nacionais e a Inteligência Interna, com a missão de dar informações sobre as transformações socioeconômicas do Estado Brasileiro, mas nem sempre foi assim. Durante muito tempo esse serviço ficou quase que exclusivamente nas mãos dos militares do Exército e da Marinha, sendo que somente no início do século passado que deu a formação do primeiro serviço de coleta de informações civil ligado diretamente à presidência da República.

No cenário brasileiro do início do século XX, a Atividade de Inteligência passa a chamar cada vez mais atenção do Estado. O mundo e o Brasil nunca tiveram experimentando tantas mudanças em um período tão curto de tempo, o fim da escravidão, o início do processo de industrialização dos grandes centros urbanos, as primeiras greves gerais, os movimentos de lutas sociais e política que começou a

eclodir pelo Brasil todo. Foi uma época de mudanças intensas ao qual o Estado precisa estar preparado para isso.