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5.1 O SERVIÇO DE INTELIGÊNCIA ARGENTINO

5.1.2 O Serviço de Informação durante a Ditadura Militar Argentina

Entre os anos de 1976 a 1983, a Argentina passou pelo seu Regime Militar, considerado por Pereira (2010) como uma das ditaduras mais brutais da América Latina. Logo ao assumir o poder, a Junta Governamental Militar formada pelo oficiais superior Jorge Rafael Videla, Emilio Eduardo Massera e Orlando Ramón Agosti, teve como seus primeiros atos, de acordo com Oliveira (2010, p.69), “destituir as autoridades constitucionais, mudar as regras de funcionamento do governo, dissolver o Congresso nacional, as legislaturas provinciais e os Conselhos Deliberantes”, além de ampliar o Poder do Executivo, dando a ele a capacidade legislativa, além disso, a junta alterou a composição do Poder Judiciário argentino, alterando a composição da Suprema Corte e dos Tribunais Superiores Provinciais (ANTUNES, 2005. p. 74).

A Ley de Seguridade Nacional – LSD foi, para Brandão (2010), o marco legal de incorporação da Doutrina de Segurança Nacional – DSN, pois esse dispositivo legal, reforçou a atuação e as responsabilidades dos militares para à comoção e insurgência interna, com isso a Inteligência Militar passou a ser o principal órgão de inteligência do país, tendo destacamentos e unidades militares em todos as unidades administrativas do Estado e passou a ter uma forte influência nacional. Esse período marcou a perda de poder pela SIDE e os aumentos sem precedentes do aparelho militar de inteligência, que entendia estar numa guerra, e para tal, deveria dar uma resposta de guerra contra os considerados inimigos da pátria.

A brutalidade do regime pode ser sentindo por suas práticas voltadas ao “saneamento ideológico”, assim, de acordo com Pereira (2010), práticas como o sequestro e crianças e mulheres grávidas e a eliminação física dos adeptos ao comunismo ou simpatizantes passou a ser prática comum, dando início a uma política conjunta das ditaduras latinas do Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai com a Operação Condor, cujo principal objetivo era a localização dos foraguidos dos regimes autoritários dos países que compunham o pacto, possibilitando assim localizar, prender e eliminar qualquer insurgente que fugisse da repressão de seu país de origem.

As ações de repressão eram tão bem orquestradas com base numa inteligência altamente profissional e disseminada no país que já em 1977, um ano após a implantação da ditadura militar, “a maioria dos movimentos de esquerda já

havia sido esmagado, mas a violência governamental prosseguiu em vários níveis” (BRANDÃO, 2010. p. 64). Os impactos dessa guerra psicológica32 promovido pelo aparelho repressor e ideológico do Estado Argentino criava na população, segundo Pereira (2010), um medo constante dos sequestros e desaparecimentos de familiares. Para Boimvaser (2000):

... Dentro da SIDE, havia uma política de sequestrar suspeitos e negar aos parentes qualquer informação relacionada ao paradeiro ou às circunstâncias de sua detenção, com o interesse de produzir efeitos aterrorizantes que paralisassem o desempenho de líderes políticos, sindicais e estudantis, entre outros. (BOIMVASER, 2000, p. 154. Tradução nossa)

Brandão (2010) lembra que embora exista uma diferença entre os serviços de inteligência militar e civil, relacionada basicamente a sua natureza de atuação (os militares estão voltados aos assuntos de defesa e a política externa e os civis a sua natureza de assessoramento político das questões internas), durante os anos militares, a “SIDE foi ocupada por militares, tornando-se apenas uma das extensões do poder castrense, a exemplo da CIA americana, constituindo-se muito mais como um serviço de segurança” (Idem, 2010, p. 64). Assim podemos observar que “os serviços de inteligência argentinos, civis e militares, não se desenvolveram nem empírica e nem doutrinariamente as funções típicas dos chamados intelligence

services.” (Idem, 2010, p. 64), devido sua natureza muito mais voltada a segurança

interna do que a produção de conhecimento sensível de Estado.

Para Queiros (1986), Ugarte (2000) e Brandão (2010) a Guerra das Malvinas33 significou a incapacidade do sistema de inteligência argentino de atuar num cenário internacional geopolítico, em uma relação baseada no realismo político, o Exército Argentino não teria condições técnicas e logísticas de enfrentar o Exército da Inglaterra, que contava com ajuda direta do EUA e do Chile, isolando os

32BRANT (1978) e Mota (2013) a expressão guerra psicológica, operações psicológicas, guerra

política, guerra de nervos, e conquista de corações e mentes se referem a um conjunto de técnicas usadas para influenciar os valores, crenças, emoções, motivações, raciocínio ou comportamento de um determinado grupo social, criando novos valores e induzindo a novos pontos de vista que favoreçam o seu mentor. Tais técnicas costumam ser usadas para induzir confissões ou reforçar atitudes e comportamentos.

33 Segundo Queiroz (1986) A Guerra do Atlântico Sul, Guerra das Malvinas ou Guerra Falklands foi

um conflito armado entre a Argentina e o Reino Unido ocorrido nas Ilhas Malvinas (em inglês Falklands), ocorrida entre os dias 2 de abril e 14 de junho de 1982 pela soberania desses arquipélagos. A guerra demostrou-se ser extremamente desastrosa para o regime militar, pois demostrou suas fraquezas em relação a estruturação de um exército forte na região que fosse capaz de levar a ideia de uma Argentina soberana na região e ao mesmo tempo a incapacidade do serviço secreto em analisar as consequências do conflito.

argentinos na região, além da notável desvantagem bélica e numérica, as Forças Armadas Argentinas – FAA não possuíam uma estratégia, o que evidencia que a própria estrutura da DSN falhara em conceber uma estratégia nacional para o conflito. Nesse cenário.

Sobre a atuação do Serviço de Inteligência Argentino – SAI, Brandão (2010) destaca quatro condições antecedentes que contribuíram para o seu fracasso durante a guerra, a saber: a) a ênfase dada pelos órgãos de inteligência a segurança interna devido o contexto da Guerra Fria e aos altíssimos níveis de violência utilizada contra a sociedade pelos serviços de inteligência civis e militares; b) Um elevado número de agências dotadas de meios próprios para a obtenção das informações, um auto grau de autonomia e pouca delimitação de suas competências; c) ausência de qualquer mecanismo de controle parlamentar ou judicial e d) a limitada eficácia do sistema para servir às necessidades da Defesa Nacional, pois não estava preparada para uma atuação em um cenário de escala internacional.

Como Queiros (1986, p.96) argumenta, “a Guerra das Malvinos demonstrou o quantos os exércitos latinos americanos não estava preparados para um conflito militar em larga escala”, em especial com as grandes potências militares da sua época, EUA, Inglaterra, URSS, e o quanto seus serviços de inteligência estavam voltados para o enfretamento do “inimigo interno” em especial o comunismo devido ao medo dos eventos relacionados a Revolução Cubana34 de 1959, que implantou na América Central um protetorado soviético e poucos quilômetros dos EUA.

Além das consequências políticas na região, Brandão (2010) chama a atenção para o fato de que essa ausência de controle externo pelo Poder Legislativo e o Judiciário não eram uma exclusividades do modelo argentino ou latino americano, mas sim uma conjuntura mundial da Guerra Fria, onde as agências de inteligência basicamente atuavam de forma clandestina e sem controle de nenhum órgão regulador de suas ações.

34Para Hobsbawm (2002) a Revolução Cubana pode ser caracterizada como um movimento armado

de orientação guerrilheira e nacionalistaque em sua primeira fase culminou com a deposição do ditador Fulgêncio Batista de Cuba no dia 01 de janeiro de 1959, e liderado pelo líder revolucionário Fidel Castro. Após não conseguir o reconhecimento de sua causa juntamente ao governo dos EUA, deu início a uma fase de aproximação ao governo soviético. Depois do movimento armado, enfatizou seu caráter anticapitalista e também antiamericano para posteriormente alinhar o país com o chamado bloco socialista. Todavia, essas características ficaram claras apenas depois da revolução, não sendo o seu foco inicial.

5.1.3 A Redemocratização e os debates sobre o controle da atividade de