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Um importante elemento de análise no cenário brasileiro sobre a instituições que lidam com a atividade de inteligência voltadas a defesa e ao assessoramento do processo decisório, está na discussão de contornos jurídicos e políticos a respeito da temática “proteção e acesso à informação”, como elemento fundamental ao coerente desenvolvimento do processo democrático no Estado Brasileiro e de seus instrumentos jurídicos normatizados, no caso, a lei 12.527/2011.

Assim, Calderon (2015) aponta que o “conhecimento” a respeito de questões políticas, financeiras, jurídicas, sociais, enfim, de todos os elementos necessários à ampla compreensão dos processos decisórios a respeito das políticas públicas adotadas a nível nacional, regional ou local, é questão de relevância à formação da opinião dos cidadãos e instituições representativas, justamente, para que estes possam conhecer os contornos das discussões e se coloquem de forma orientada nas instâncias estabelecidas em cada arena de debate. Assim, deter “informação” é questão crucial ao próprio exercício da cidadania e dos poderes democráticos, pelo que, por sua vez, compreende-se facilmente a existência de um “direito fundamental à informação”.

Ser cidadão em um Estado Democrático de Direito, além das prerrogativas constitucionais e legais, também, é ter informações e utilizá-las de maneira a conduzir coerentemente o processo democrático estatal, bem como, a defesa individual ou coletiva de direitos e interesses dos indivíduos.

Contudo, é importante que se compreenda, também, a clara existência de limites a este “direito de acesso à informação”, afinal, existem questões relativas aos indivíduos que, naturalmente, são preservadas em relação aos demais cidadãos, porém, facilmente acessadas pelo Estado. Igualmente, existem questões de relevante importância à preservação da ordem pública, segurança dos indivíduos e grupos sociais, das instalações particulares e órgãos públicos que, em semelhante medida, são acessíveis (ou geradas) pelo Estado, com privilégio de conhecimento.

Com base nesse entendimento, Calderon (2015) entende que por sua natureza, a disseminação livre de tais dados importaria em prejuízos substanciais, que variariam de uma esfera individual à coletiva, sendo passíveis de atingir o estado financeiramente (através de indenizações compensatórias).

Impõe-se, portanto, a limitação de acesso à informação, debate que surge paralelamente como “fator de equilíbrio” que se impõe ao direito de “acesso à informação”, justamente, para que o exercício do direito por um ou uns indivíduos não represente prejuízo a vários outros ou até mesmo à ideia de soberania estatal.

Desta maneira, surge o questionamento: como se dá o tratamento do “direito de acesso” e “proteção” das informações no Estado Brasileiro? Por óbvio, a discussão perpassa por uma necessária discussão “legal” a respeito dos instrumentos históricos de tratamento das informações pelo Estado Brasileiro, nos

diversos períodos de sua história, e, consequentemente, impõe uma análise da atual legislação pertinente, a Lei de Acesso à Informação – (Lei 12.527/11).

Nesse sentindo, nos valeremos de um estudo teórico e documental, que se iniciará com uma análise histórica do tratamento legislativo da matéria no país, seguido de discussões em torno da atual normativa vigente.

CAPÍTULO V

5. O CONTROLE DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NA AMÉRICA LATINA: ARGENTINA E CHILE

“Uma das razões do Estado é o conhecimento sobre o outro” Cardeal Richelieu - primeiro-ministro francês de Luís XIII de 1628 a 1642

A atividade de inteligência na América Latina pós-redemocratização é vista com certa desconfiança por seus dirigentes, principalmente após os acontecimentos envolvendo sua utilização durante os anos dos regimes autoritários/ditatoriais no continente nas décadas de 60,70 e 80 do século passado (Brandão, 2011). Essa desconfiança se deu principalmente pela utilização desses órgãos como instrumento de espionagem, obtenção de informações ostensivas, muitas vezes se utilizado de tortura e eliminação física dos torturados, indução a perda de direitos políticos e sociais entre outros, como Cunha (2009) apresentou em sua análise sobre a Operação Condor28, que levou a uma união dos serviços de informações29 da Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai para a repressão dos movimentos de esquerda no continente.

Os diversos crimes contra os Direitos Humanos realizados em nome da defesa nacional contra os chamados “subversivos” podem ser visitados nas análises da obra “Brasil Nunca Mais” (1985) que se tornou símbolo, pois expõe algumas dessas atrocidades da ditadura no Brasil que também podem ser observadas nas obras de Antunes (2002), Carvalho (2005), Ventura (2006), Figueiredo (2005, 2015),

28 Para Cunha (2009) a Operação Condor foi uma aliança político-militar envolvendo os governos do

Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai, com envolvimento e apoio do governo dos Estados Unidos através da CIA, que se desenvolveu entre as décadas de 1970 e 1980 do século passado com a finalidade de combater os grupos de esquerda e a influência vermelha no continente, seus objetivos eram a coordenação da repressão aos opositores desses regimes, eliminando suas lideranças e atuando contra a iniciativa da Organização Latino-Americana de Solidariedade – OLAS, idealizada pelo presidente cubano Fidel Castro

29 Para promover um melhor entendimento dos termos Serviço de Informação e Atividade de

Inteligência, adotaremos a compreensão de Brandão (2011, p 55) onde temos o “termo informação para tratar dos serviços secretos no período pré-década de 90 e quando ainda estiverem relacionados ao período ditatorial. Usaremos o termo Inteligência para quando estivermos nos referindo à atividade após das reformas desse sistema”. Essa compreensão poder ser analisada ainda por Nascimento et al, (2016, p 92) ao compreender que o termo “informação” está associada a uma atividade passada e o termo “inteligência” a algo futuro, nesse caso, os serviços de informações estão mais associados a órgãos de investigação e a atividade de inteligência ao assessoramento do processo decisório do Poder Executivo.

Pereira (2010), Amorim (2011), Guerra (2012), Gaspari (2014, 2014b), Gomes (2014) e Godoy (2014), além do relatório final da Comissão da Verdade30 produzidos pelo Governo Federal. Essas obras demonstram que muitos desses crimes estavam associados a um poder desmensurado e sem limites dos agentes envolvidos na repressão, pois esses entendiam que estava em uma “situação de guerra” o que leva a “respostas imediatas ao inimigo” sendo que no momento que um aparelho31 fosse identificado pelos órgãos repressores, os agentes compreendiam que o inimigo se mobilizaria de forma rápida para esconder seus rastros (FIGUEIREDO, 2005), sendo necessário “meios próprios” para a obtenção das informações de forma rápida – a tortura (GODOY, 2014).

Segundo Pereira (2010), esse poderatribuído aos sistemas de informação dos países latinos americanos, em especial os casos brasileiros (1964-1985), argentino (1976-1983) e chileno (1973-1990), se deu devido a um processo em que, mesmo após a implantação dos regimes autoritários/ditatoriais, os sistemas judiciários e políticos passaram por um momento de adaptação para sobreviverem as mudanças políticas, com a substituição de um regime democrático de direitos para um de suspensão de direitos.

Essas transformações podem ser analisadas ao verificarmos as instituições políticas desses países, pois para Antunes (2002), Figueiredo (2005,2015) e Brandão (2011) tivemos um processo de transformação de seus sistemas jurídicos através da dissolução de suas Constituições e a promulgação de novas Cartas Magnas com o objetivo de legitimar suas ações, além de vários decretos e medidas que tinham como objetivo a limitação ou suspensão dos direitos políticos do cidadão e a ampliação dos poderes dos órgãos repressores de Estado.

Essa nova estruturação de poder nos três países analisados por Pereira (2010) e Brandão (2011) apresenta o que Hay (2006) e Lima (2011) observaram: o processo de construção de estruturas de limitação e restrição das condutas dos diferentes atores envolvidos nas áreas decisórias. Para Taylor (2003), essas são variáveis que afetam a distribuição do poder dentro das instituições e no Estado.

30 A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de

2012. A CNV tem por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988.

31 Para Amorim (2011) e Godoy (2014) os aparelhos são locais físicos (apartamento, casa, sítios)

usado como refúgio por uma "célula" política clandestina, que poderia servir como local de reuniões, guarda de material de propaganda, dinheiro, armas, transito de pessoal, e etc. Cada célula era hierarquicamente organizada, dotada de comando próprio (mais ou menos autônomo) e integrada à hierarquia do partido ou organização clandestina do qual fazia parte

Essas transformações do sistema de valores e os interesses de grupos específicos levam a uma nova configuração do cenário político institucional e a introdução de novos agentes nas áreas decisórias, o que por sua vez redefine as orientações dos órgãos de defesa do Estado para um “inimigo interno do sistema”.

Além dessa reestruturação da distribuição de poder e a criação de diversos aparelhos de estado voltados a ampliação e manutenção dessa nova dinâmica política e social, alterando as “regras do jogo” em favor de um jogador, conforme apresentado por Carra (2011) ao analisar a teoria dos jogos como a busca de um equilíbrio de poder que pode ser influenciada na medida que as regras favorecem ou desfavorece um dos jogadores, essas mudanças nas instituições contribuíram decisivamente para a implantação, manutenção e ampliação dos serviços de inteligência nesses países (BRANDÃO, 2011) e para um estado que favoreceu diversas atrocidades em relação aos Direitos Humanos que impactaram na opinião política e social sobre a necessidade de existência desses órgãos nesses países pós redemocratização.