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Transição – Interfase Defesa/Ataque (II)

Capítulo 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O jogo de Futebol pressupõe o confronto de duas entidades, com objectivos antagónicos que são concretizados através do entrelaçamento das acções desenvolvidas pelos jogadores/equipas. É assim, por natureza, um jogo de contexto imprevisível, tendo em consideração que a solução encontrada por um jogador, para resolver uma situação de jogo, comporta quase sempre uma margem considerável de subjectividade. Trata-se de uma decisão individual que depende da forma como é interpretado o contexto interaccional e espacial em cada momento que, segundo Garganta (2001), decorre da maneira como os jogadores apreendem as linhas de força do jogo e do nível de conhecimento táctico e repertório técnico que possuem.

Entende-se por equipa um “grupo de soldados, devidamente comandados e empregados na execução de uma mesma tarefa” (in Grande Dicionário da

Língua Portuguesa). No Futebol este conceito permite inferir que, a cada

instante do jogo, apesar de ser exigido a um só jogador que decida e execute, é o grupo que terá de o fazer através da tomada de decisão colectiva, ou melhor, uma opção que o grupo reconheça, sendo capaz de também a prever. Defendemos, assim, que uma equipa não é a soma da qualidade individual dos jogadores que a constituem, só podendo assumir tal designação quando lhe é conferida personalidade básica de grupo, que é entendido como o resultado da interacção cognitiva e afectiva dos seus elementos (Chappuis & Thomas, 1988). Desta forma, será possível a cada um dos jogadores prever os comportamentos dos seus colegas, colocando ordem e dando fundamento à aparente desordem proveniente das suas acções.

No presente estudo optou-se por analisar numa equipa de sucesso – Selecção Nacional de Espanha -, vencedora do EURO 2008, pressupondo que nela poder-se-ia identificar padrões comportamentais que identificassem traços definidores da sua personalidade básica de grupo, consubstanciados nos métodos e estilos de jogo adoptados. Com o recurso à Metodologia

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acções que ocorrem com regularidade no jogo da Espanha, assumindo-se como fazendo parte da sua modelação táctica na competição em questão.

No fluxo acontecimental do jogo da Espanha é evidente que subsistem, com maior ou menor frequência, características ou traços que consubstanciam métodos e estilos de jogo. Apesar de estes dois termos serem considerados em separado, de acordo com Barreira (2006) não devem ser entendidos desta forma aquando da análise do jogo de Futebol, pois encontram-se em permanente relação, interacção e complementaridade.

Os resultados encontrados assemelham-se aos de Barreira et al. (2009), que comprovam que o ataque posicional, caracterizado pela realização de um ataque com mais de 7 passes e de duração superior a 18 segundos, é o método de jogo ofensivo mais utilizado pela Espanha no EURO 2008.

A utilização do ataque posicional apresenta vantagens substantivas, sobretudo quando a equipa possui jogadores de elevada capacidade cognitiva, que são capazes de tomar decisões correctas de forma rápida e eficaz. Parece ser o caso da Espanha, cujos jogadores que habitualmente jogam no sector intermédio possuem grande mobilidade e qualidade táctico-técnica ofensiva e defensiva, permitindo-se a criação de constantes equilíbrios e impedindo situações de confronto desfavoráveis no Centro do Jogo.

Este dado é comprovado pela verificação da utilização preferencial do corredor central na recuperação da posse de bola, frequentemente através da conduta acção defensiva de imediato seguida de passe (IEp), e na construção da fase ofensiva, denotando-se supremacia deste corredor relativamente aos laterais, que se esbate progressivamente à medida que a equipa progride para zonas de maior ofensividade. Por conseguinte, a CEI entre as equipas que se regista com maior frequência durante o jogo é a do tipo MM, enquanto as situações de superioridade relativa e de igualdade não pressionada são as mais frequentes. Em suma, as fases de construção e de criação são realizadas pela Espanha

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pelo corredor central, sendo no sector ofensivo criadas situações de vantagem numérica nos corredores laterais.

A Espanha privilegia o recurso ao passe curto e à recepção/controle, afigurando-se como meios a privilegiar para dar corpo a um jogo curto e apoiado. Assim, o passe é frequentemente precedido de uma recepção/controle, evitando-se as acções táctico-técnicas ao “primeiro toque”, constatando-se que cada jogador realiza poucos contactos com a bola. Mesmo com jogadores de elevada qualidade e com proficiente repertório técnico, a maioria das acções afiguram-se “simples”, sobretudo na fase de construção do ataque, mostrando uma eficaz coordenação entre os elementos da equipa.

Depreendemos que em zonas defensivas deve predominar a segurança e nos espaços ofensivos o risco deve ser prioritariamente assumido. No nosso estudo o insucesso do passe curto só se manifesta nas zonas mais ofensivas onde normalmente o contexto com que, tanto o portador de bola (maior pressão) como os seus colegas (constrangimentos de espaço), se deparam é desfavorável. Por outro lado as acções teoricamente mais perigosas, que envolvem um maior risco de perda de posse de bola, como o drible e a condução de bola, acontecem sobretudo em duas situações: (1) quando o

centro do jogo é favorável, permitindo deslocá-lo para zonas de maior

ofensividade; (2) para criar situações de finalização e para a finalização, em zonas ofensivas.

Apesar de existirem vantagens pela utilização do ataque posicional, obrigando o adversário a um desgaste físico e mental maior; à habituação da organização defensiva adversária um ritmo de jogo lento, “adormecendo-o”; e ao ganho de um maior número de esquemas tácticos a favor, não foram encontradas relações directas entre a eficácia ofensiva da Espanha, no que concerne à obtenção de golos, e a adopção de um estilo de jogo indirecto.

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Outra das condutas que envolve elevado risco de perda da posse de bola é o passe longo, característica do desenvolvimento do ataque através do Estado de Transição. Contudo, apesar do risco, em TEDA, é com elevada probabilidade uma acção de jogo indutora de eficácia ofensiva, consubstanciada na obtenção quer de golo, quer de acções facilitadoras da obtenção do mesmo (situações de pré-finalização), como cruzamentos e remates. Antes da ocorrência do passe longo, o fluxo de jogo desenvolve-se, normalmente por zonas recuadas do terreno de jogo.

Desta forma, ao nível da concretização do objectivo do jogo, o golo, a TEDA assume na equipa da Espanha grande preponderância, pois quando os processos ofensivos resultam numa Fase Ofensiva em Transição, e é realizada com sucesso, permite-se a criação de contextos interaccionais favoráveis em zonas ofensivas do terreno de jogo e, deste modo, maior probabilidade de se obter eficácia da fase ofensiva.

Concordamos assim com Barreira (2006), quando sustenta a importância de se desenvolver o jogo ofensivo de acordo com o modelo de jogo preconizado, nomeadamente no que respeita à organização da defesa e do ataque. Admitimos também que a adopção de uma orientação ofensiva coincidente com as capacidades e com as características dos jogadores que a operacionalizam, são constrangimentos a ter em conta no âmbito da modelação da organização táctica.

Postulamos, através da recolha e análise dos dados realizada ao actual Campeão Europeu, que a eficácia da fase ofensiva não se limita ao método ou estilo de jogo escolhidos pelas equipas, mas sim à forma como conseguem alterná-los durante um jogo e de acordo com os contextos que se vão deparando, corroborando o estudo de Barreira et al. (2009). Castelo (1996: 139) apresenta a mesma ideia quando refere que “cada equipa utiliza ao longo do jogo um método ofensivo predominante, que deverá corresponder à preparação táctico-técnica, física e psicológica dos jogadores. No entanto, isto

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não significa que, consoante as circunstâncias do momento, não se procure tirar o máximo de vantagens e eficácia, através da aplicação de outros métodos ofensivos”.

É então possível afirmar que a selecção da Espanha possui um “método misto” de organização do seu jogo ofensivo. Este é um conceito que Barreira (2006) utilizou no seu estudo para retratar o transporte do centro do jogo que as equipas portuguesas tendiam a realizar, para zonas de sectores mais ofensivos, dando-se nesses espaços situações de organização através de ataque posicional e estilo indirecto. Aqui, o conceito é também aplicável, embora de forma invertida já que a Espanha constrói atrás (SD e SMD) e apenas procura jogar directo quando tem em vista a finalização imediata, com contextos interaccionais muito favoráveis.

Afigura-se como provável que uma forma eficaz de contrariar o jogo ofensivo habitualmente utilizado pela Espanha, comporta uma povoação maior do sector intermédio, fazendo para isso recuar a linha avançada, criando-se assim contextos interaccionais favoráveis nas zonas de construção e de criação. Esta conclusão do nosso estudo vai ao encontro do que Peter Bradley, treinador da selecção nacional de Futebol dos Estados Unidas da América, que na Taça das Confederações 2009 venceu a Espanha, dizendo que “o segredo de ganhar à Espanha é o acerto da táctica”, e que fizeram “um excelente trabalho a fechar o meio-campo”. Acrescenta ainda que “quando se joga com a Espanha, tem de se trabalhar com o grupo forte a defender e quando se tem a bola, é preciso ser agressivo.” (Bradley, 2009: 40)

A noção de “método misto” parece ser transversal, não só a todos os jogadores – o guarda-redes parece ser o primeiro a ter responsabilidade na decisão de acelerar ou retardar a fase ofensiva – como a todos os momentos do jogo da Espanha, mesmo no que concerne às situações estáticas do jogo. Importa destacar que nos esquemas tácticos favoráveis à Espanha, para todas as condutas (com excepção da bola ao solo) há, pelo menos, duas opções para a

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sua conversão: (1) de forma longa, podendo envolver uma pequena circulação prévia (lançamentos de linha lateral ou início/reinício de jogo); (2) de forma curta onde há a opção por um estilo de jogo indirecto.

Para além da identificação de dois estilos/métodos de jogo diferentes é possível perceber que a diferença não está apenas no tipo de acções adoptadas, mas também na forma como o jogo é pensado e construído. Se por um lado o cruzamento é a única acção de Desenvolvimento da Posse de Bola que excita o golo, sugerindo que em situações de Posse de Bola a Espanha circula até arranjar espaço nos corredores laterais, em TEDA o jogo é preferencialmente conduzido pelo corredor central. De facto, parece-nos importante reforçar a ideia, inerente aos princípios do jogo de Futebol, que sempre que possível a bola deverá ser conduzida pelo corredor central, sobretudo em situações de contra-ataque e ataque rápido.

Por conseguinte, os resultados vão de encontro à divisão que Silva (2004) preconiza para a fase ofensiva: 1) fase de início da fase ofensiva; 2) fase de construção da fase ofensiva; 3) fase de criação/pré finalização da fase ofensiva; e por último, 4) fase de finalização da fase ofensiva. Estas etapas desenvolvem-se no jogo em espaços bem definidos e mediante configurações espaciais de interacção entre as equipas de características substancialmente diferentes, logo, determinam comportamentos e formas de actuar também diferentes. Para além disso, pensamos que estas sofrem uma diferenciação até em termos estruturais na equipa, uma vez que, cada uma delas é levada a cabo por zonas específicas da estrutura de uma equipa, e como tal, devem merecer uma intervenção especializada no processo de treino. A observação realizada à Espanha permite-nos acrescentar que a fase de construção pode ser inexistente consoante o estilo/método de jogo adoptado.

Por fim, não podemos terminar este trabalho sem deixar de considerar que o recurso à Metodologia observacional em geral e à técnica de Análise Sequencial em particular continuam a merecer crescente importância no campo

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de observação e análise do comportamento dos jogadores e equipas, por se revelar um meio cada vez mais profícuo e qualitativo. Desta forma, a recolha de informação relativamente às condutas que estão, não só na base da regularidade mas, principalmente, nas variações do êxito da fase ofensiva, como das condutas que induzem maior perturbação no balanço ataque/defesa, são apenas duas das muitas possibilidades de investigação que, mediante a elaboração e utilização de um sistema de observação ad hoc, poderão permitir que se continue a extrair informação relevante centrada, essencialmente, nos aspectos qualitativos do jogo de Futebol.

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