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Capítulo 2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1.2. Multi-análises do fluxo de jogo de Futebol

A ciência evolui com a observação (Anguera, 1989). O crescimento da performance no desporto nos últimos 50 anos, tanto nos desportos individuais como nos Jogos Desportivos Colectivos (JDC) é disso indicativo (Kuhn, 2005). A análise de jogo, entendida como o estudo do jogo a partir da observação da actividade dos jogadores e das equipas (Garganta, 1997), é considerada uma das ferramentas que mais e melhor proporciona o acesso à informação

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importante acerca do confronto desportivo (Garganta, 2001a). Por conseguinte, o Futebol parece ter beneficiado com o seu crescimento, instrumento progressivamente mais objectivo, capaz de extrair dados relevantes do jogo e de transformá-los em informação clara que retorne ao seu habitat natural: o terreno de jogo.

Existem na literatura diversas denominações para o estudo do jogo, destacando-se a observação do jogo (game observation), a análise do jogo (match analysis) e a análise notacional (notational analysis) (idem, 2001a). No entanto, segundo o mesmo autor (1997), a expressão mais utilizada na literatura é análise do jogo, considerando-se que engloba diferentes fases do processo, nomeadamente a observação dos acontecimentos, a notação dos dados e a sua interpretação (Hughes, 1996).

De acordo com vários autores, trata-se de uma ferramenta capaz de fornecer informações importantes sobre o jogo (conforme o Quadro 2.1.), permitindo,

lato senso: (1) aumentar o conhecimento acerca do jogo de Futebol; (2)

entender as relações e características de factores ofensivos e defensivos, mostrando índices relacionados com a eficácia desportiva; (3) auxiliar na elaboração de planos de treino (Janeira, 1998; Garganta, 2001a). Garganta (2001a) acrescenta que a análise de jogo é um ramo importante no Quadro da investigação científica aplicada aos jogos desportivos, que para além de ser utilizada para avaliar padrões de jogo e performances das equipas e dos jogadores, tem-se constituído, cada vez mais, como uma forma de aproximação entre a ciência e o Futebol.

Quadro 2.1. – Resumo das vantagens da Análise de Jogo (adapt. Silva, 2006)

Moutinho (1991)

(1) Identificar e compreender os princípios estruturais do jogo, os critérios de eficácia de rendimento individual e colectivo, e a adequação dos modelos de preparação;

Oliveira (1993) (1) Rentabilizar o processo de treino e as competições; (2) Aprofundar o conhecimento do jogo;

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McGarry & Franks (1994)

(1)Analisar e inferir tendências ou padrões de jogo;

(2)Realizar uma avaliação imparcial da performance desportiva e focar a atenção do treinador nos indicadores chave do comportamento desportivo;

Bacconi & Marella (1995)

(1) Treinador – descobrir os erros técnico-tácticos condicionantes da prestação da sua própria equipa para tentar corrigi-los; determinar o nível técnico-táctico do adversário e as suas debilidades;

(2) Jogador – observar objectivamente a própria prestação sob as directrizes orientadoras do treinador;

O’Donoghue & Ingram (1998)

(1) Monitorizar a evolução dos jogadores;

(2) Direccionar a atenção do treinador para os aspectos chave;

Hughes & Churchill (2005) (1) Identificar os pontos fortes e as fraquezas da sua própria equipa e do adversário;

McGarry & Franks (1995b) (1) Obter informações sobre o processo de treino e a partir daí tomar decisões;

Sampaio (1999)

(1) Aceder ao conhecimento da organização do jogo e aos factores que concorrem para o sucesso desportivo;

(2) Planificar e organizar o treino, tornando os seus conteúdos mais objectivos e específicos;

(3) Regular a aprendizagem, o treino e a competição;

Garganta (2001)

(1) Configurar modelos de actividade dos jogadores e das equipas;

(2) Identificar os traços da actividade cuja presença ou ausência se correlaciona com a eficácia de processos e a obtenção de resultados positivos;

(3) Promover o desenvolvimento de métodos de treino que garantam uma maior especificidade;

(4) Indiciar tendências evolutivas das diferentes modalidades desportivas;

Caixinha (2004) (1) Avaliação e conhecimentos das variáveis estruturais e funcionais do rendimento em Futebol;

Pacheco (2005) (1) Aprofundar conhecimentos acerca do desenvolvimento do jogo;

Sousa (2005)

(1) Meio de evolução do processo de treino e das competições e de aprofundamento do conhecimento relativo ao jogo.

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Actualmente surgem diversas perspectivas conceptuais que procuram coligir e confrontar dados relativos aos comportamentos expressos no jogo. Pretende- se, em última análise, a tipificação das acções que se associam à eficácia dos jogadores e das equipas que, como refere Garganta (2001a), apontam três vias preferenciais de estudo: (1) uma que consiste em reunir e caracterizar blocos quantitativos de dados; (2) outra mais centrada na dimensão qualitativa dos comportamentos, e na qual o aspecto quantitativo funciona como suporte à caracterização das acções, de acordo com a efectividade destas no jogo; (3) uma terceira, voltada para a modelação do jogo, a partir da observação de variáveis técnicas e tácticas e da análise da sua co-variação.

Neste sentido, é comummente aceite que a investigação tem recorrido quer a métodos quantitativos de análise quer a procedimentos qualitativos (Hughes et al., 2001; Yiannakos & Armatas, 2006). A este respeito, Leitão (2001) identifica e caracteriza os primeiros procedimentos como uma análise de forma descontextualizada, verificando apenas a questão dos números quantificados e relacionando-os com as acções técnicas realizadas, a partir de ferramentas estatísticas visando demonstrar os níveis de eficiência dos jogadores; e os segundos como uma análise qualitativa, que a partir dos mesmos dados quantitativos analisados estatisticamente, permitem uma descrição mais detalhada das acções do jogo, levando em consideração as acções adversárias e a evolução dessas acções ao longo do jogo, sendo possível a obtenção, por parte daquele que usufrui de tais descrições, de uma visão mais clara do jogo e da participação mais ou menos relevante dos jogadores. Compreende-se, deste modo, que alguns estudos apresentam uma orientação descritiva cujos resultados se fundamentam na análise de frequências e/ou de percentagens dos acontecimentos registados, como são o caso de resultados relacionados com a frequência de posse de bola e zona onde se inicia, passes realizados na fase ofensiva que termina em golo, contactos com a bola que o jogador que remata realiza previamente a essa acção, com que uma equipa chega à área adversária, remates realizados à baliza adversária, com que são utilizados certos tipos de ataques rápidos e indirectos, entre outros (Castellano

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Paulis & Hernández Mendo, 2002a). Depreende-se que as conclusões decorrentes dos resultados provenientes de estudos quantitativos, centrados nas acções técnicas individuais, são incipientes, levando os analistas a questionar a pouca relevância contextual dos dados recolhidos e a duvidar da sua pertinência e utilidade (Garganta, 2001a). Verifica-se também a existência de trabalhos direccionados para a utilização de metodologias baseadas em instrumentos ou testes estandardizados e em questionários ou entrevistas, métodos que parecem ser pouco efectivos no acrescento de conhecimento objectivo à dimensão conductural e interactiva do jogo. Estes tendem a revelar no seu conteúdo o que os estudados pensam e/ou fazem na sua actividade, retirando-se ilações qualitativas de carácter pouco objectivo, não incidindo nas condutas que o jogo em competição pode evidenciar (Barreira, 2006).

2.1.3. Análise do jogo a partir da respectiva organização