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As relações de compadrio em Palmeira, um local de população pequena e que ainda criava seus laços definidores das posições sociais e da organização política, foram parte importante na interação social daquela população. Se tratando da elite, os laços de compadrio, assim como parentescos sociais fundados pelo casamento, poderiam ser (e de fato eram) usados para agregar apoiadores, clientes.

Foi evidente também a importância dos dependentes nessas teias formadas pelo compadrio. Para os grandes proprietários, ter dependentes era poder sobre um grupo maior de pessoas que sua família. Assim como percebeu Cacilda Machado quanto aos casais mistos, muitas vezes o senhor conquistava agregados quando seus escravos casavam com pessoas de outra condição. Quanto maior o número de dependentes, mais prestígio teria a família e mais cresceria seu circulo de reciprocidade.118

Como observou Horácio Gutiérrez quanto aos proprietários de terra no Paraná, “para os padrões locais de propriedade e riqueza, e frente aos que nada tinham, esses modestos fazendeiros encarnavam modelos de opulência e fartura, eram os senhores do mundo e, claro, os donos dos meios de produção e de subsistência.”119 Para a população mais pobre, para os libertos e os pequenos proprietários, o vínculo com essas pessoas era símbolo sobretudo de proteção e ter compadres tão respeitados gerava um impacto em seu status social. Já para os fazendeiros, essas relações também eram essenciais, legitimando seu poder e aumentando seu prestígio.

A grande questão que se coloca ao se deparar com todas essas relações de compadrio, é a da reciprocidade. É o que garante a manutenção e renovação desses laços e o que define as escolhas. Entre escravos a reciprocidade também é um fator crucial na escolha dos padrinhos, pois é uma das formas de se ligar a pessoas livres, conseguir proteção e benefícios no cativeiro. Como observaram Gudeman e Schwartz, mesmo que houvesse a esperança de que um padrinho comprasse a alforria do afilhado, isso dificilmente acontecia.120 Mas se diretamente os padrinhos não influenciassem na libertação dos afilhados, eles poderiam ajudar a família a ganhar um status diferenciado por sua

118 MACHADO, Cacilda. "Casamento & Compadrio: estudo sobre relações sociais entre livres, libertos

e escravos na passagem do século XVIII para o XIX (São José dos Pinhais - PR)". In: XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Caxambu: ABEP, 2004.

119 GUTIÉRREZ, Horacio. Fazendas de gado no Paraná escravista. Topoi: Revista de História, Rio de Janeiro, n. 9, 2004. P. 110.

120 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII". In: REIS, João José. Escravidão e Invenção da Liberdade. Estudos

ligação com pessoas livres e em algum momento, membros dessa família poderiam ter acesso à alforria.

As crianças que foram filhas de pessoas livres com escravos tiveram padrinhos que demonstram bem essa situação. Algumas nasceram livres, outras escravas e estar no cativeiro exigiu estratégias diferentes de sociabilização, que aproximassem a família, e principalmente o batizando do mundo dos livres. Já quando essas crianças tinham a condição jurídica de livre, era mais importante manter os laços de solidariedade com aqueles que estavam mais próximos, na convivência diária.

Os “pardos livres” tinham essa preocupação, batizando escravos e dando seus filhos para eles batizarem. A aproximação muito maior dessa parcela da população com a comunidade cativa era sintoma de que a ascensão social era muito difícil além desse ponto. Kátia Mattoso ao estudar a população livre de cor, identificou essa dificuldade na Província de São Paulo. A ascensão social dessa população era demarcada pela cor, que não era definida pela herança étnica ou racial e sim pela posição social e ascendência escrava. Então, para ascender socialmente era necessário “embranquecer”. Para isso o casamento, o compadrio e todo tipo de relação com pessoas brancas era de grande ajuda.121

A freqüente burla das regras estabelecidas pelo Arcebispado da Bahia para guiar os batismos também foi uma característica bem acentuada nessa sociedade. Três padres serviram como padrinhos mais de cinco vezes, um deles foi o mesmo que ministrou o batismo. Foi comum também o casal de padrinhos convencional, homem e mulher, fosse substituído por uma dupla de padrinhos, o que não era permitido segundo as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Além disso, uns poucos batizados em que o senhor apadrinhava seu próprio escravo foram encontrados. Essas características também evidenciaram o papel masculino nessa sociedade, que eram chefes de famílias, proprietários de terras, força política e os definidores da ordem hierárquica, o que é bem exemplificado pela constante associação dos padrinhos principais de Palmeira a suas patentes militares.

Em geral, os resultados corroboram os padrões encontrados por Gudeman e Schwartz, também por Cacilda Machado, para outras regiões.122 Mas o que realmente se destacou

121 MATTOSO, Kátia Q. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988.

122 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII". In: REIS, João José. Escravidão e Invenção da Liberdade. Estudos

Sobre o Negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988; MACHADO, Cacilda. "Casamento &

nesse estudo foi a importância da formação familiar, não só aumentando as chances de as pessoas serem escolhidas para compadres, mas também na cooperação dos membros da família em estabelecer essas teias de sociabilização e comprometimento entre as casas, conforme teoriza Fragoso.123 Os escravos serviram a esses modelos, aqueles que se destacaram na função de padrinhos e madrinhas tinham senhores que também foram importantes nesse papel ou tiveram seu prestígio demonstrado de outras formas. Mas a participação escrava nas relações de compadrio não foi de maneira alguma submissa ou imposta. Os padrinhos e madrinhas cativos também utilizaram essa brecha na limitação de seu alcance social e espacial como parte importante de estratégias motivadas pela proteção de suas famílias, pela facilitação das constantes negociações que envolviam as condições de cativeiro e pela esperança de conseguir liberdade, mesmo que para seus descendentes. Era parte do processo de “pacificação” das senzalas segundo Góes e Florentino, tornando possível a convivência entre senhores e escravos e entre os próprios escravos, tão marcada pela violência do cativeiro. Mas também era um sinal dos empreendimentos de cada indivíduo escravo em favor da libertação de sua família.124

para o XIX (São José dos Pinhais - PR)". In: XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Caxambu: ABEP, 2004.

123 FRAGOSO, João. "Fidalgos e parentes de pretos: notas sobre a nobreza principal da terra do Rio de Janeiro (1600-1750)". In: FRAGOSO, João, SAMPAIO, Antônio C. J. de & ANASTASIA, Carla M. J.

Conquistadores e Negociantes: história de elites no Antigo Regime nos trópicos. América lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

124 FLORENTINO, Manolo, GÓES, José Roberto. A Paz das Senzalas: Famílias escravas e tráfico

FONTES

Assentos de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira. Livros 2 e 3.

Arquivo do Estado de São Paulo. Listas de habitantes da freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Palmeira, 1835.

Fonte Secundária:

COSTA, Iraci del Nero da; GUTIÉRREZ, Horacio. Paraná: mapas de habitantes, 1798-1830. São Paulo: IPE, 1985.