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2. ASPECTOS GERAIS DO COMPADRIO NA FREGUESIA DE PALMEIRA Há um aspecto de Palmeira, característico de muitos povoados, que ainda não fo

2.2 TRABALHANDO OS DADOS:

2.2.1 Os batizados de crianças escravas:

Se nos concentrarmos um pouco nos batismos de crianças escravas, ou seja, aqueles em que mães escravas escolhem os padrinhos de seus filhos, poderemos ver até onde se estendem essas relações, quais são as preferências dessas mães para compadres e que fatores podem demarcar essa escolha.

Padrinhos de crianças escravas em relação ao senhor do afilhado:

Em relação

ao afilhado Mesmo Senhor Outra escravaria Forros Parentes do senhor Outros livres Senhor do afilhado

Padrinho 17 94 2 36 239 1

Madrinha 15 83 11 28 231 1

Segundo

padrinho 2 7 -- 2 5 -

Total: 391 assentos Fonte: Assentos de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira. Livros 2 e 3.

Separando os padrinhos dessas crianças em grupos, de acordo com suas vinculações parentais (para os livres) e limites de propriedade (para os escravos), temos um quadro mais claro dessas relações. A maioria dos padrinhos e madrinhas de crianças cativas é livre como já vimos. Entre eles, 86,5% não fazem parte da família do senhor de seu afilhado, ao menos esse parentesco não foi identificado nas fontes. Para as madrinhas esse percentual aparenta ser um pouco maior, porém o resultado pode ser um pouco diferente pela dificuldade em identificá-las - pela presença de homônimos e a mudança constante da grafia de seus nomes completos. Percebe-se que uma pequena parcela teve padrinhos e madrinhas que eram parentes de seu senhor, e isso parece acontecer com mais freqüência nas famílias de proprietários com maiores contingentes de escravos. Apenas em dois casos o próprio senhor apadrinhou seus escravos.

71 MATTOSO, Kátia Q. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988; MACHADO, Cacilda. "Casamento & Compadrio: estudo sobre relações sociais entre livres, libertos e escravos na passagem

do século XVIII para o XIX (São José dos Pinhais - PR)". In: XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Caxambu: ABEP, 2004.

Entre os padrinhos e madrinhas escravos dessas crianças, aproximadamente 15% pertenciam ao mesmo senhor. Quanto os outros, alguns deles tinham senhores aparentados dos proprietários de seus afilhados, e alguns poderiam estar vinculados ao mesmo domicílio, mas para manter a precisão da análise foram contados apenas os que pertenciam ao mesmo senhor, independente de dividirem o mesmo domicílio. Como a maioria das escravarias era pequena, um fator pode ter levado esses pais a escolherem compadres de outros domicílios: alguns não tinham muitas opções dentro da própria escravaria e a solução foi criar laços fora dela. Essa possibilidade para regiões onde os escravos estão em pequenos números dentro de cada propriedade já foi apontada por Schwartz, para Curitiba no início do século XIX.72 Mas também é provável que essas relações fossem utilizadas também para fortalecer laços entre os senhores dos padrinhos e dos afilhados, como teoriza João Fragoso para os casos que estudou no Recôncavo da Guanabara dos séculos XVII e XVIII. Além disso, seria essa uma forma de expandir o círculo social das famílias escravas.73

As escravarias de Palmeira poderiam ter esse efeito, levando em conta que muitos dos domicílios tinham poucos cativos, normalmente menos de seis.74 Grande parte dos cativos era de crianças ou jovens, o que diminui as chances de serem escolhidos como padrinhos. Isso completa também a impressão de que em escravarias maiores o compadrio entre escravos do mesmo senhor foi mais fácil, já que nessas escravarias havia, pela quantidade de pessoas, chances maiores de escolha dos compadres. Também é possível visualizar as “trocas” de padrinhos escravos entre proprietários: alguns escravos dos maiores proprietários se batizaram entre si com freqüência. Não significa que eram sempre os mesmos escravos, apesar de alguns se sobressaírem no papel, nem que eles estavam batizando filhos de seus próprios compadres, mas que entre alguns escravos de determinados proprietários se formou uma teia de relações de compadrio. Portanto, há uma forte ligação entre essas escravarias, assim como esses núcleos familiares da elite escravista do local que muitas vezes faziam parte de um mesmo tronco familiar que se mantém parcialmente fechado em seus laços. Essa questão será aprofundada no capítulo seguinte.

72 SCHWARTZ, Stuart. B. “Abrindo a roda da família: Compadrio e escravidão em Curitiba e na Bahia”. In: Escravos, roceiros e rebeldes.

73 FRAGOSO, João. "Fidalgos e parentes de pretos: notas sobre a nobreza principal da terra do Rio de Janeiro (1600-1750)". In: FRAGOSO, João, SAMPAIO, Antônio C. J. de & ANASTASIA, Carla M. J.

Conquistadores e Negociantes: história de elites no Antigo Regime nos trópicos. América lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

Olhando apenas para os padrinhos escravos, independente de que tipo de afilhado eles estavam apadrinhando, vemos que eles batizaram ao lado de madrinhas livres apenas 29 vezes. A maioria de seus afilhados nesses casos eram escravos (17 ao todo), mas há muitas crianças livres (12), inclusive uma indígena. Em nenhum desses casos o padrinho era escravo da madrinha. Gudeman e Schwartz percebem em suas investigações que nos poucos casos em que os padrinhos tinham condições desiguais, a madrinha tendeu a ser socialmente inferior ao padrinho. Entre os padrinhos também existe certa noção de igualdade, ao menos quanto à relação espiritual com os compadres e o afilhado. Seria contraditório à ordem social que um escravo e sua senhora, ou o contrário, fossem padrinho e madrinha lado a lado, igualando seu valor. Já os padrinhos escravos que batizaram sem a presença de madrinhas são 20 ao todo, mas apenas em seis assentos a madrinha faltante não foi substituída por outro padrinho.75

Quando tanto afilhado quanto padrinhos eram escravos, notamos que, entre 77, apenas quatro casos reuniram cativos de mesmo senhor. No entanto, em 38 casos, o padrinho e a madrinha são do mesmo senhor, enquanto a criança pertence a outro. São também 29 assentos em que a madrinha escrava batizou junto a um padrinho livre. Em 22 desses casos o afilhado era cativo, mas apenas um africano. Apesar de claramente haver uma relação de parentesco entre alguns dos senhores de escravos batizados e os padrinhos dessas crianças, não há relação identificável entre eles e os senhores das madrinhas. Chama a atenção, nesse último exame, a exclusão dos africanos dessa conjuntura. Se entre as crianças escravas a chance de ter um casal de padrinhos em condições jurídicas desiguais era pequena, para os africanos ela era quase nula.