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2. ASPECTOS GERAIS DO COMPADRIO NA FREGUESIA DE PALMEIRA Há um aspecto de Palmeira, característico de muitos povoados, que ainda não fo

2.2 TRABALHANDO OS DADOS:

2.2.4 Segundo padrinho:

A presença de um segundo padrinho é considerada excepcional no estudo do compadrio em várias localidades. Como lembram Gudeman e Schwartz, o Concílio de Trento, que instituiu normas para o compadrio, estabelece que um homem e uma mulher devem apadrinhar a criança (ou adulto), mas as formações desse núcleo podem variar de acordo

89 FRAGOSO, João. "Fidalgos e parentes de pretos: notas sobre a nobreza principal da terra do Rio de Janeiro (1600-1750)".

90 KOSTER, Henry. Travels in Brazil. 2v. Philadelphia: 1817, 2, p. 198-99. Citado por Schwartz, Stuart. Escravos, Roceiros e Rebeldes. P. 270.

com região ou período, sendo comum em muitas culturas a deturpação dessa regra geral.91 Gudeman analisa alguns desses fenômenos, chegando a casos em que foi comum santas serem escolhidas e registradas como madrinhas, onde havia mais de um casal como padrinhos, etc. Em um desses panoramas, numa localidade rural no Panamá do século XX, ele se depara com a configuração de duas madrinhas e um padrinho no núcleo batismal, porém, o padrinho tinha mais destaque que as madrinhas.92 Seria um fenômeno próximo em significado da expansiva utilização de dois padrinhos em Palmeira, que foi amplamente aceita mesmo indo contra o recomendável pela Igreja. Levantando os assentos onde homens substituem as madrinhas, foram encontrados 132 casos distribuídos por todos os grupos de batizandos anteriormente analisados. O quadro a seguir mostra qual foi a formação desses núcleos e que tipo de afilhados tiveram.

Condição jurídica do padrinho e segundo padrinho, conforme tipo de afilhado:

Afilhados Padrinhos

escravos 1º livre 2º cativo 1º cativo 2º livre Padrinhos livres 1º forro 2º escravo

Escravos 6 3 - 8 - Livres 5 3 1 93 - africanos 2 - - 4 2* Expostos e índios - - - 5 - 13 6 1 110

Fonte: Assentos de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira. Livros 2 e 3.

*esses dois africanos foram batizados no mesmo dia pelos mesmos padrinhos, e tem também o mesmo senhor. O que acontece nos assentos batismais de Palmeira é absolutamente incomum, muito mais freqüente que em outros estudos nos quais se encontram essas formas de compadrio. Schwartz apontou que ocasionalmente, em Curitiba, constavam nos registros dois homens como padrinhos, mas ele não indicou que fosse uma quantia significativa e nem que a ausência de madrinhas fosse relacionada com freqüência a essa formação. Em Palmeira, mesmo que os batismos que tenham um padrinho a mais em substituição à figura feminina sejam menos de 7% do total de 1940, essa estimativa é alta, dada a anormalidade da situação; mais alta, por exemplo, que o percentual de falta de madrinhas para Curitiba segundo Schwartz.93

91 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII”; GUDEMAN, Stephen. Spiritual Relationship and Selecting Godparent. In: Man, New Series vol. 10. (2). Jun. 1975. Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, 1975. p. 221-237.

92 GUDEMAN, Stephen. The Compadrazgo as a Reflection of the Natural and Spiritual Person.

93 SCHWARTZ, Stuart. B. “Abrindo a roda da família: Compadrio e escravidão em Curitiba e na Bahia”. In: Escravos, roceiros e rebeldes.

A presença do segundo padrinho foi maior nos assentos referentes à população livre, e esses padrinhos também foram em maioria livres. Em harmonia com o que ocorria entre padrinho e madrinha, foi muito mais comum que os dois padrinhos compartilhassem a mesma condição jurídica; quando não, o primeiro padrinho tendeu a ser de condição superior à do segundo. Também foi identificado o parentesco entre muitos dos padrinhos, sendo normalmente pais e filhos, mas a maior parte deles não tinha nenhum parentesco próximo identificável.

Foi representativa a presença de escravos como substitutos das madrinhas em assentos batismais de cativos. Apesar de a maioria dos padrinhos ainda ser de condição livre, houve escolha de um batizante livre e outro escravo, ou de dois escravos em nove casos, que são mais da metade dos que apresentam dois padrinhos. Isso frisa a presença escrava, mesmo que de maneira secundária. Assim, essas relações poderiam ser diversificadas, com o padrinho preferencial livre, que poderia trazer todas aquelas vantagens já discutidas para os afilhados e famílias escravas, e, aliado a isso, um padrinho escravo que poderia amparar o afilhado em questões não alcançadas cotidianamente pelo padrinho livre.

Percebe-se também que os afilhados livres que tiveram dois padrinhos escravos (cinco ao todo), não eram crianças legítimas. Essa questão pode não ter sido decisiva na escolha dos padrinhos de modo geral, mas certamente diminuía o status da família ou da criança, além de se referir à população livre mais pobre, que em parte era não branca e poderia ter vínculos parentais com esses padrinhos. Os assentos de batismos de africanos, que também tiveram casos de dois padrinhos, foram os únicos a ter um forro como padrinho principal. Esses dois escravos novos foram batizados no mesmo dia, e tiveram os mesmos padrinhos, apontando para uma possível intervenção do senhor na escolha dos batizantes.

A impressão geral que fica desse levantamento é que o papel de segundo padrinho foi mesmo em substituição à madrinha e, assim como a madrinha, esteve quase sempre em posição inferior ao padrinho de fato quanto à condição jurídica. Entre os padrinhos de condição igual, a posição dentro da hierarquia familiar, por exemplo, não foi expressa na formação do altar, os pais e filhos não necessariamente seguiam a ordem de primeiro e segundo padrinho. Esse quadro reforça o papel masculino nos batismos, que também é característico da hierarquia social, assim como a ausência de madrinhas, muito mais freqüente que de padrinhos. No entanto, o papel da mulher no constante aos batismos,

não foi de maneira alguma menor ao dos homens, sobretudo se observarmos alguns casos individualmente.

O compadrio teve uma importância bem demarcada nessa sociedade. Sinônimo de sociabilidade e de estratégias variadas de mobilidade social, mostra e aumento do prestígio, procura de proteção ou de fortalecimento de relações entre famílias. Foi uma instituição muito importante para os escravos, que souberam utiliza-la dentro de suas próprias estratégias de sobrevivência e proteção da família, compreendendo bem seu significado e seu poder no âmbito social.

O papel do padrinho nunca deixou de ter base espiritual, mas a sua importância social é visível. As relações de compadrio se estendem a famílias inteiras e demarcam o alcance da influência ou do prestígio de padrinhos, que acumulam afilhados na medida em que seu status é maior em determinado grupo. Os padrinhos livres foram os mais valorizados mesmo entre escravos. A população livre realmente era predominante, mas isso não impediria os escravos de terem compadres de mesma condição jurídica. Transparece então, justamente a procura de padrinhos de maneira estratégica, e talvez de maneira que não se limitava à família escrava, mas servia também de reforço nos vínculos parentais ou políticos de seus senhores.

3. PADRINHOS E MADRINHAS: HIERARQUIAS DEFININDO