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Considerações históricas do poder familiar

3.1 PODER FAMILIAR E A SUA EVOLUÇÃO NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

3.1.1 Considerações históricas do poder familiar

Diante da evolução histórica e social do conceito de família outros institutos correlacionados também sofreram modificações, desenvolvendo a partir disto, um entendimento mais democrático e apropriado com a atual conjuntura jurídica global e nacional. Dentre estes, o poder familiar foi um dos institutos que se modificou tendo como sentido original a denominação pátrio poder.

A origem do pátrio poder não se tem ao certo, mas tem-se como uma relação de uma época bem remota, que ultrapassa os alcances culturais e sociais, tendo como aceitação entre os historiadores, a partir do momento em que a humanidade passou a conviver em pequenos grupos e clãs e, com a necessidade de existência de alguém que os guiasse frente às intempéries. No contexto que viveram, os homens alcançaram, pela força física, este poder, que mais tarde nomeou-se pátrio poder. O intuito inicial era alcançar a pacificação social, mas possuíam sua essência na religiosidade. Conforme Silva103:

103

A origem do Pátrio Poder entre os romanos, bem como entre os povos antigos em geral, tem fundamento na religião. O ‘pater’ seria o chefe de um culto religioso aos antepassados baseado no medo, no qual as honras fúnebres a eles tributadas tinham o intuito de apaziguar-lhes os espíritos.

De modo geral, os juristas têm como ponto de partida, o estudo do pátrio poder na Civilização Romana, que elaborou seu sentido a este instituto a partir dos cultos religiosos, do conceito que tinham sobre capacidade da pessoa física e de cunho econômico. Referente ao chefe de religião, Akel104 explica que:

A figura paterna, nas civilizações antigas, exprimia o chefe supremo da religião doméstica. Seu poder, severo e incontestável, caracterizava uma supremacia sacerdotal e, como sacerdote do lar, ele era o responsável pela perpetuidade do culto e, por conseqüência, da própria família. Além de conduzir a religião perante todo o grupo familiar, estabelecendo a disciplina e a ordem que deveria sempre ser obedecida, ao pater era permitido, inclusive, punir, vender e matar os membros de seu clã, embora a história não noticie que chegasse a este extremo.

Sobre a capacidade física do patria potestas, Silva105 relata que:

Quanto à capacidade da pessoa física no direito romano, em se tratando de família, era definida como sui júris (capaz) e alienae júris (incapaz). Aqueles compreendidos no rol dos sui júris eram senhores de sua pessoa, possuindo personalidade jurídica e patrimônio próprio, podendo desse se servir como melhor lhes aprouvesse. Já as chamadas alienae júris estavam sob o jugo do pater famílias e não possuíam patrimônio nem personalidade jurídica, dependendo sempre de outrem.

Quintas106, também ajuda a compreender a condição do pater famílias e explica:

Cada família tinha seu patriarca, chefe absoluto que exercia funções de caráter doméstico, religioso e econômico. Submetiam-se a seu poder todos os membros da família dentre os quais os filhos, a mulher, os escravos e os agregados. O chamado patria potestas era desempenhado em seu próprio interesse, tanto quanto aos filhos legítimos como aos que ingressassem na família por adoção ou outro motivo qualquer. O pater famílias poderia dipor da vida dos filhos, vendê-los, abandoná-los e puni-los. Quanto à esposa, o pater famílias exerciao manus, ou potestas maritalis, que era análogo ao pátria potestas, não permitindo à mulher nenhum poder sobre seus filho, vez que, estaria sobre a tutela de seus filhos homens quando da morte de seu marido.

Assim, também em consonância com os autores anteriores, Grisard Filho107 elucida que, no Direito Romano, pátrio poder era o poder de propriedade exercido pelo

104 AKEL, 2008, p. 04. 105 SILVA, 2008, p. 15. 106 QUINTAS, 2009, p. 09-10. 107 GRISARD FILHO, 2005, p. 90-150.

homem/pai sobre a mulher/esposa, filhos e escravos, dispondo destes como melhor lhe conviesse, inclusive sobre o direito de vida e morte.

Para Rodrigues108, no Direito Romano, o pátrio poder era:

Representado por um conjunto de prerrogativas conferidas ao pater (pai), na qualidade de chefe da organização familial, e sobre a pessoa de seus filhos. Trata-se de um direito absoluto, praticamente ilimitado, cujo escopo é efetivamente reforçar a autoridade paterna, a fim de consolidar a família romana, célula-base da sociedade, que nela encontra o seu principal alicerce.

Silva, também pesquisou sobre o instituto do pátrio poder e ao tratar dele descreveu a sua evolução, também a partir do Direito Romano. Para esta autora109:

No Direito Romano, a característica fundamental da família é o fato de a mesma fundar-se sobre relações de poder, relações essas que tinham como base a profunda desigualdade entre os indivíduos do corpo familiar. Em Roma, quando o instituto da família começou a evoluir, consubstanciando-se numa estrutura jurídica, econômica e religiosa, a partir da figura do pater, a mulher foi colocada em uma posição inferior, sendo considerada incapaz de reger sua própria vida, igualando-se aos filhos. E assim sendo, o Pátrio Poder era exercido somente pelo pai (como bem diz o nome) e significava um poder idêntico ao de propriedade, que incluía a esposa, os filhos, os escravos e os assemelhados.

Assim, pode-se dizer que o pátrio poder era uma espécie de poder despótico em relação aos filhos, incluindo-se dentre eles o direito de matar, vender ou expor.

De fato, por influência do Direito Romano, herdou-se este entendimento na conjuntura brasileira, e delineou-se na Constituição e no antigo Código Civil, de 1916, este mesmo sentido, pois, “a idéia romana, ainda que mitigada, chega até a Idade Moderna. O Brasil, por exemplo, apresentava resquícios do patriarcalismo presente no direito português, visualizando-se através dos senhores de engenho [...], que deixaram marcas indeléveis”.110

Para Quintas111

O poder familiar, na nossa legislação, teve sua origem no patria potestas do Direito Romano, não obstante a distância em relação à família agnatícia de Roma. O Direito Civil brasileiro já se deparou com as diversas modificações e influências que sofreu o Direito Romano, mas manteve seu espírito patriarcal fundado no pater famílias, em que a autoridade familiar era exclusividade do sexo masculino, de onde se originou a denominação pátrio poder, que só veio a ser modificada em nosso ordenamento com o advento do novo Código Civil de 2002.

108 RODRIGUES, 2002, p. 395. 109 SILVA, 2008, p. 14. 110 VENOSA, 2007, p. 287. 111 QUINTAS, 2009, p. 9

Desta forma, é importante destacar que o pátrio poder utilizado na legislação civil de 1916,

Evidenciava de forma clara a importância conferida à figura paterna, que predominava na época da sua elaboração e início da sua vigência (1916/1917). Nesse período, o marido, ou pai, era considerado o chefe da sociedade conjugal, em decorrência do que representava legalmente à família, ou seja, tinha o poder de determinar o domicílio conjugal e de administrar os bens particulares da mulher, dentre outras regalias. A mulher, na época, surgia na sociedade como mera projeção da figura do marido, necessitando, inclusive, de autorização deste para compras a crédito, ainda que destinadas a adquirir coisas necessárias e básicas para a economia doméstica.112

Atualmente este instituto tem outra conotação e outra nomenclatura, chamando-se poder familiar, decorrentes das transformações sociais, culturais e jurídicas ocorridas no mundo e no Brasil.

O desaparecimento da situação de superioridade de que gozava o homem na sociedade fez com que os cônjuges fossem colocados em situação de igualdade no casamento, sendo eliminada a pessoa do chefe de família, que ainda se encontrava no Código Civil de 1916, ainda que devesse ser lembrado dos direitos que convencionalmente lhe eram conferidos: estabilizar o domicílio da consorte e da família, dar a autorização para os filhos menores se casarem, ter prioridade no exercício do pátrio poder, agora denominado poder familiar.113

Para Grisard Filho114, “o evolver social determinou o declínio e a morte do pátrio poder de feição romana, de denominação, discricionário, prevalente, absoluto, traduzido pela palavra poder, para alcançar o sentido de proteção, como hoje se reconhece”.