• Nenhum resultado encontrado

A imposição da guarda compartilhada na fragmentação das famílias em litígio

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A imposição da guarda compartilhada na fragmentação das famílias em litígio"

Copied!
106
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ALEXSANDRA TURNES CLASEN

A IMPOSIÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA NA FRAGMENTAÇÃO DAS FAMÍLIAS EM LITÍGIO: UMA ANÁLISE DA POSSIBILIDADE JURÍDICA À LUZ

DO CÓDIGO CIVIL.

Palhoça 2009

(2)

A IMPOSIÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA NA FRAGMENTAÇÃO DAS FAMÍLIAS EM LITÍGIO: UMA ANÁLISE DA POSSIBILIDADE JURÍDICA À LUZ

DO CÓDIGO CIVIL.

Monografia apresentada ao Curso de graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel.

Orientadora: Prof.ª Anna Lúcia Martins Mattoso Camargo, Msc.

Palhoça 2009

(3)

A IMPOSIÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA NA FRAGMENTAÇÃO DAS FAMÍLIAS EM LITÍGIO: UMA ANÁLISE DA POSSIBILIDADE JURÍDICA À LUZ

DO CÓDIGO CIVIL.

Esta Monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovada em sua forma final pelo Curso de Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Palhoça, 08 de junho de 2009.

____________________________________________________ Prof.ª e orientadora Anna Lúcia Martins Mattoso Camargo, Msc.

Universidade do Sul de Santa Catarina

____________________________________________________ Prof.

Universidade do Sul de Santa Catarina

____________________________________________________ Prof.

(4)

A IMPOSIÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA NA FRAGMENTAÇÃO DAS FAMÍLIAS EM LITÍGIO: UMA ANÁLISE DA POSSIBILIDADE JURÍDICA À LUZ

DO CÓDIGO CIVIL.

Declaro, para todos os fins de direitos e que se fizerem necessários, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca desta monografia.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Palhoça, 08 de junho de 2009.

_________________________________ ALEXSANDRA TURNES CLASEN

(5)

Dedico o presente estudo ao meu amado esposo, Alessandro Clasen, por todos esses anos de paixão, cumplicidade, compreensão, paciência e dedicação. Na esperança de que possamos sempre compartilhar a guarda de nosso amor.

(6)

Aos meus pais, Vilmar e Inês, e irmãos, Alexandre e Roberta, pelo grande apoio, incentivo e sentido de minha existência.

Aos demais familiares que também assistiram de perto esta nova caminhada. À professora Anna Lúcia, pela dedicação na orientação e elaboração deste trabalho.

Aos professores e colegas do Curso de Direito que contribuíram imensamente na produção de conhecimento nestes anos de convivência.

À Giglione Zanela pela paciência e zelo na observação desta monografia.

Aos meus queridos diretores, Marilda A. das Chagas Martins, a Roseli M. da Silva Pereira, Aquiles C. Mendes Pereira e ao Júlio C. Steffen Muniz, que me ajudaram nos momentos bons e, principalmente, nos momentos difíceis.

As “Iluminadas”, Deyze A. Turnes Shui e Isabel T. Bragagnolo, eternas amigas, que não puderam compartilhar comigo esta universidade de conhecimentos.

(7)

Trata-se de uma pesquisa exploratória, bibliográfica, com abordagem dedutiva, que busca questionar a pertinência da guarda compartilhada às famílias em processo de litígio, analisando as possibilidades jurídicas à luz do Código Civil/2002. Pretende-se compreender como ex – cônjuges, ex – companheiros desempenharão o poder familiar compartilhado, na possibilidade de sua imposição, quando estavam litigando sobre a guarda exclusiva de seus filhos. Tentar-se-á apontar atitudes que valorizem e possam colaborar para o pleno exercício da guarda compartilhada. No primeiro capítulo encontra-se a introdução à temática do Direito de Família – a guarda compartilhada. No segundo capítulo faz-se uma análise sobre os aspectos históricos e jurídicos sobre a família, trazem-se as conceituações e definições sobre a natureza jurídica da família e apresentam-se os princípios constitucionais que fundamentam a família e o Direito de Família. No terceiro capítulo têm-se os fundamentos históricos, conceituais, jurídicos e principais características do poder familiar. Destaca-se a sua evolução no sistema brasileiro, apresentam-se os direitos e deveres dos pais que possuem o poder sobre os filhos menores e as implicações à respeito da extinção, suspensão e perda do poder familiar. No quarto capítulo faz-se a abordagem sobre a imposição da guarda compartilhada nos processos de fragmentação de famílias em litígio, delineando os conceitos e tipos de guarda na doutrina e na legislação brasileira, as alterações trazidas pela lei n. 11.698 de 13 de junho de 2008 aos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil que disciplinou e forneceu especificações sobre a guarda compartilhada no ordenamento jurídico brasileiro, os limites e as possibilidades na imposição da guarda compartilhada às famílias em processo de litígio como um meio para atender ao melhor interesse da criança. E, no quinto capítulo da conclusão, produziram-se considerações finais sobre família, poder familiar e, principalmente sobre os fundamentos da guarda compartilhada e a sua imposição às famílias fragmentadas em processo de litígio como uma possibilidade jurídica que atende o melhor interesse da criança e do adolescente.

Palavras-chave: Família. Poder familiar. Guarda compartilhada. Melhor interesse da criança e do adolescente.

(8)

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 FAMÍLIA E OS PRINCÍPIOS DE DIREITO DE FAMÍLIA ... 13

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS E JURÍDICOS SOBRE FAMÍLIA ... 13

2.2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA FAMÍLIA ... 21

2.3 PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA ... 26

2.3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana ... 27

2.3.2 Princípio da solidariedade familiar ... 29

2.3.3 Princípio da igualdade entre homens e mulheres ... 30

2.3.4 Princípio da continuidade da convivência das relações familiares ... 33

2.3.5 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente ... 34

2.3.6 Princípio da afetividade familiar ... 36

2.3.7 Princípio da pluralidade das formas de família ... 37

3 PODER FAMILIAR ... 39

3.1 PODER FAMILIAR E A SUA EVOLUÇÃO NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO ... 39

3.1.1 Considerações históricas do poder familiar ... 39

3.1.2 O poder familiar no direito brasileiro ... 42

3.1.3 Conceito e natureza jurídica de poder familiar ... 45

3.1.4 Características do poder familiar ... 50

3.2 DIREITOS E DEVERES DOS PAIS QUE POSSUEM O PODER FAMILIAR SOBRE OS FILHOS MENORES ... 51

3.3 EXTINÇÃO, SUSPENSÃO E PERDA DO PODER FAMILIAR ... 54

3.3.1 Extinção do poder familiar ... 55

3.3.2 Suspensão do poder familiar ... 57

3.3.3 Perda do poder familiar ... 59

4 A IMPOSIÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA NOS PROCESSOS DE FRAGAMENTAÇÃO DE FAMÍLIAS EM LITÍGIO ... 63

4.1 CONCEITOS E TIPOS DE GUARDA NA DOUTRINA E NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ... 63

4.1.1 Conceitos de guarda de filhos ... 63

(9)

4.1.2.2 Guarda unilateral ... 68

4.1.2.3 Guarda alternada ... 69

4.1.2.4 Guarda por aninhamento ou nidição ... 70

4.1.2.5 Guarda compartilhada ... 70

4.1.3 O instituto da guarda de filhos na atual legislação brasileira ... 71

4.2 AS ALTERAÇÕES PELA LEI Nº 11.698, QUE ENTROU EM VIGOR EM 13/06/2008, DANDO NOVA REDAÇÃO PARA OS ARTIGOS 1.583 E 1.584 DO CÓDIGO CIVIL .... 76

4.3 LIMITES E POSSIBILIDADES NA IMPOSIÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA ÀS FAMÍLIAS FRAGMENTADAS EM PROCESSO DE LITÍGIO ... 83

4.4 A GUARDA COMPARTILHADA COMO UM MEIO JURÍDICO PARA ATENDER AO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA ... 89

5 CONCLUSÃO ... 94

REFERÊNCIAS ... 98

ANEXO ... 103

(10)

1 INTRODUÇÃO

A sociedade Ocidental vem historicamente se modificando em todos os seus aspectos sociais, econômicos, culturais, éticos e jurídicos há tempos e profundamente neste século. Por sua vez, houve um reflexo imediato destas mudanças no Direito de família, abalando e transformando o tradicional modelo patriarcal, abrindo-se para novas possibilidades de convivência, de modelos de família e de formas de criação dos (as) filhos (as).

Atrelado a tudo isto, ocorreram também, transformações nas intimidades, nos gêneros, nas relações estabelecidas no âmbito familiar. Com a possibilidade do divórcio, a família também sofreu alterações na sua conjuntura estrutural e, como as dissoluções das sociedades conjugais não são mais fatos raros, trazem à tona a discussão da guarda dos filhos da família.

O conhecido pátrio poder, antes exercido exclusivamente pelo pai, deixou de ser um poder/dever para ser um direito que visa à melhor condição para se preservar os interesses da criança como prevê a Constituição de 1988, podendo sê-lo ao pai e a mãe, agora sob a denominação de poder familiar.

Sabe-se, contudo, que a definição da guarda unilateral a um dos pais acaba representando um transtorno para as crianças, especialmente, quando ocorre uma dissolução litigiosa conjugal estabelecendo a fragmentação da família.

A guarda compartilhada, de modo geral, implica a possibilidade de tomada de decisões coletivas, pelos pais, sobre os diferentes assuntos que sejam importantes e estejam diretamente ligados à vida dos filhos, além, é claro, da flexibilização do sistema de visitação (acesso) e moradia.

Certamente será muito fácil elencar os benefícios da guarda compartilhada para as famílias que continuarem com um convívio harmônico após a sua dissolução conjugal, cientes do papel enquanto genitores da(s) criança(s) em questão, e não mais como um casal.

Com a aprovação do Projeto de Lei nº 6.350/2002 – Lei 11.698 - , em 13 de junho de 2008, que prevê, em síntese, a alteração dos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil e institui a figura jurídica da guarda compartilhada pelos pais sobre os filhos, nos casos de fragmentação do núcleo familiar, instaurou-se uma nova discussão sobre esta temática, pois ocorrerá, a partir desta alteração, a possibilidade da imposição judicial às famílias deste novo modelo de guarda de filhos.

(11)

No Brasil há poucos estudos em relação à guarda compartilhada como um dos modelos possíveis de guarda familiar. Também não há muita doutrina e jurisprudência a respeito deste modelo de guarda.

Com a aprovação de lei específica sobre a guarda compartilhada gerou uma demanda imprescindível para a compreensão deste instituto e das suas possíveis conseqüências, quando se tratar de uma separação ou dissolução litigiosa, pois são muitos os problemas advindos desta ruptura, despertando-se o interesse pela pesquisa.

Diante disto, quer se estudar a imposição da guarda compartilhada às famílias em processo de fragmentação conjugal litigiosa. Para tanto, será esboçado a história social e jurídica da família, apresentando os principais conceitos existentes e princípios constitucionais que embasam o Direito de Família.

Em seguida, quer se compreender a evolução do instituto do poder familiar e da guarda no Brasil, conceituando e caracterizando os modelos existentes e delineando as principais diferenças entre eles.

E, por fim, apresentar as conceituações e embasamentos jurídicos da guarda compartilhada no sistema jurídico brasileiro, traçando as alterações advindas a partir da lei aprovada, os limites e as possibilidades na imposição da guarda compartilhada às famílias em separação ou dissolução litigiosa, bem como fundamentar a guarda compartilhada como um meio jurídico para atender ao princípio do melhor interesse da criança.

A relevância, desta pesquisa, encontra-se justamente nos esclarecimentos das causas e conseqüências da guarda compartilhada, para viabilizar o entendimento e proporcionar a escolha da mesma como forma de guarda dos filhos. Pois, a falta de trabalhos relativos ao modelo compartilhado de guarda necessita, com urgência, compreender e divulgar estudos que possam dar subsídios à sociedade, especificamente às famílias em processo de ruptura e aos operadores do direito.

Questiona-se: será pertinente a imposição da guarda compartilhada quando os diálogos já demonstram serem inexitosos antes e durante a dissolução conjugal, tornando-a litigiosa, apresentando-se, claramente, diversos conflitos de interesses entre os pais?

A principal questão é entender como ex – cônjuges, ex – companheiros exercerão o poder familiar em conjunto quando sequer conseguem dialogar. Este é um dos problemas levantados, os quais serão abordados, juridicamente, no decorrer deste estudo.

Esta pesquisa pretende contribuir ao desvelar posturas e valores que realmente são significativos para ocorrer a guarda compartilhada pelo casal e tentando apontar que atitudes seriam necessárias para que juntos, mesmo após a dissolução da família, possam dividir

(12)

responsabilidades e afetos pelos seus filhos, considerando o melhor interesse da criança e do adolescente.

Assim, ante o que foi explanado, tem-se a hipótese de que a imposição da guarda compartilhada pode ocorrer de forma inadequada quando tratar-se de uma guarda judicial em litígio e que, talvez, fosse mais adequado a aplicação da guarda unilateral, ou um procedimento que busque uma conformação das relações conjugais para que a sua imposição não interfira negativamente na sua efetivação, considerando o melhor interesse da e para a criança. Caberá, para tanto, uma pesquisa mais aprofundada para compreender melhor a sua imposição às famílias fragmentadas e em processo de litígio.

Os critérios para a classificação dos tipos de pesquisa variam de acordo com o enfoque dado pelo autor. Assim, de acordo com a classificação proposta por Gil1, com base em seus objetivos, a presente pesquisa pode ser classificada como exploratória uma vez que, através de levantamento bibliográfico visa proporcionar uma maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito.

Considerando o critério de classificação de pesquisas apresentado pelo mesmo autor, no que diz respeito aos procedimentos técnicos utilizados para coleta de dados, esta pesquisa pode ser classificada como bibliográfica, pois será desenvolvida através de uma pesquisa bibliográfica, tendo como base materiais publicados na área pretendida e toda a legislação pertinente ao caso.2

A técnica de pesquisa é a bibliográfica, com pesquisa em livros, artigos, códigos, leis, obras literárias, obras de divulgação, enciclopédias, anuários, e impressos diversos.

Nesta proposta, o método de abordagem será o método dedutivo, que é um método lógico onde se pressupõe que existam verdades gerais, ou premissas, já afirmadas, que servem de base para se chegar através delas à novos conhecimentos, conforme os objetivos propostos.

Os métodos de procedimentos são as etapas em que a pesquisa se realizará. São ações dirigidas no sentido de explicar os fenômenos mais concretos. Neste sentido, optou-se pelo método monográfico. Para Lakatos e Marconi3 este estudo é “[...] um estudo sobre um tema específico ou particular de suficiente valor representativo e que obedece a rigorosa metodologia. Investiga determinado assunto não só em profundidade, mas em todos os seus ângulos e aspectos, dependendo dos fins a que se destina”.

1

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. SP: Atlas, 2002. 2

GIL, loc. cit. 3

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do trabalho científico. SP: Atlas, 1995.

(13)

De modo didático a monografia foi dividida em capítulos. No primeiro capítulo encontra-se a introdução à temática do Direito de Família – a guarda compartilhada. No segundo capítulo faz-se uma análise sobre a família e os princípios constitucionais que embasam as normas que disciplinam as relações familiares. No terceiro capítulo têm-se os fundamentos do poder familiar. No quarto capítulo faz-se a abordagem sobre a imposição da guarda compartilhada nos processos de fragmentação de famílias em litígio. E, no quinto capítulo, da conclusão, produziram-se considerações finais sobre todos os aspectos fundamentados sobre família, poder familiar e, principalmente sobre os fundamentos da guarda compartilhada e a sua imposição às famílias fragmentadas em processo de litígio como uma possibilidade jurídica que atende ao melhor interesse da criança e do adolescente, tratados nesta pesquisa monográfica.

(14)

2 FAMÍLIA E OS PRINCÍPIOS DE DIREITO DE FAMÍLIA

Os fundamentos da família, sob a ótica de sua importância social, têm arraigado em seu processo de constituição uma abrangência temporal que se transformou paralelamente com o progresso da humanidade.

Faz-se necessário analisar uma gama de processos histórico-sociais que constituíram as bases para que vários conceitos se edificassem e fossem estruturando seus postulados e, viessem a influenciar diretamente nos conceitos de família, poder familiar e guarda de filhos.

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS E JURÍDICOS SOBRE FAMÍLIA

O homem é um ser histórico e social, produto das relações sociais estabelecidas com os outros homens na constante busca de compreensão e domínio da natureza, na intensa necessidade de sobrevivência. É produto da sua história e como tal cria, recria, transmite e reelabora novos significados para suas vivências afetivas, amorosas e sexuais. Compreender a realidade e transformá-la é a atividade constante do dia a dia. As relações de saber, na busca do conhecimento, são relações de poder.4

A sexualidade, neste ínterim, tem sido amplamente discutida nos últimos séculos, apesar de permanecer com um grande enigma para homens e mulheres que procuram desvelar a história de suas atitudes sexuais e seus arranjos sociais e culturais. O processo é profundo, visto que a maioria dos fatores é encarada como questão biológica e não sócio – econômico – cultural.5

Ao aceitar a sociedade somente sob os pontos de vista do biológico e do “natural”, estar-se-á obedecendo a determinadas falácias sobre a humanidade que durante os séculos tornaram-se imutáveis, principalmente sobre a sexualidade humana, pátrio poder e família.6

4

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 12. ed. org. e trad. de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1996. p. 145-276.

5

HIGHWATER, Jamake. Mito e sexualidade. trad. de João Alves dos Santos. 1. ed. SP: Saraiva, 1992. 6

(15)

A sexualidade enquanto atitude relacional entre homens, mulheres, jovens, crianças e idosos ainda é pouco compreendida e, isso talvez, devido à força equivocada que confunde sexualidade como ato sexual, sinônimo de sexo.

Nesta perspectiva é preciso, portanto, diferenciar o conceito de sexo, enquanto marca biológica, de sexualidade. Para Nunes7

Falar sobre sexualidade implica retomar alguns recursos metodológicos: a história, a antropologia, a moral e a evolução sexual. Não se fala da sexualidade de maneira fragmentada, dividida, estanque. As relações sexuais são relações sociais, construídas historicamente em determinadas estruturas, modelos e valores que dizem respeito a determinados interesses de épocas diferentes.

[...]

A sexualidade humana não está sujeita ao determinismo animal, restrita ao mundo natural. É uma esfera que passa além disso; ela contém a intencionalidade, no sentido de consciência e de experiência de sentido, no sujeito humano. É, portanto, dimensão existencial, original e criativa em sua expressão e vivência. E essa dimensão é dinâmica, dialética, processual.

Neste aspecto, deve-se considerar a sexualidade em todas as suas dimensões e que historicamente conduziram a uma construção social sobre família. Vários são os autores que buscaram compreender esta construção e suas influências no Direito de Família, pois se sabe que “na família, o desenvolvimento cultural também se manifesta, porque ela é uma entidade histórica, interligada com os rumos e desvios da história, mutável na exata medida em que mudam as estruturas da mesma através dos tempos.”8

Destaca-se deste perfil inicial que esta fonte jurídica está arraigada, principalmente, no Direito Romano, e por causa disto, é essencial tratar da organização familiar que remota à Antigüidade. Engels9 em seus estudos também trouxe estas informações e uma das primeiras conceituações sobre família que são daquela época. Segundo ele:

Em sua origem, a palavra família não significa o ideal – mistura de sentimentalismo e dissenções domésticas – do filisteu de nossa época; - a princípio, entre os romanos, não se aplicava sequer ao par de cônjuges e aos filhos, mas somente aos escravos. Famulus quer dizer escravo doméstico e família é o conjunto dos escravos pertencentes a um mesmo homem. Nos tempos de Gaio, a família “id est patrimonium” (isto é, herança) era transmitida por testamento. A expressão foi inventada pelos romanos para designar um novo organismo social, cujo chefe mantinha sob seu poder a mulher, os filhos e certo número de escravos, com o pátrio poder romano e o direito de vida e morte sobre todos eles [sem grifo no original].

7

NUNES, César A. Desvendando a sexualidade. 2.ed. rev.e ampl. São Paulo: Papirus, 1997. p. 15-17. 8

SILVA, Ana Maria M. A lei sobre guarda compartilhada. 2. ed. São Paulo: JH Mizuno, 2008. p. 65. 9

(16)

Toda uma gama de processos histórico-sociais constituiu as bases para que todos estes conceitos se edificassem e fossem estruturando seus postulados e viessem a influenciar diretamente nos conceitos de família e poder familiar.

Para Engels, em suas pesquisas, durante a época primitiva da humanidade, cogitava-se que os chamados povos selvagens e bárbaros praticavam o matrimônio por grupos, como necessidade de convivência tribal para que juntos pudessem sobreviver aos perigos constantes daquele tempo. E, desta forma, o homem teria saído da sua animalidade. Homens e mulheres participavam das atividades econômicas e sociais de forma igualitária: coletavam e caçavam alimentos, cuidavam das crianças. O lar era comunista com o domínio da mulher. E, como a compreensão do intercurso sexual com a gravidez ainda lhes pertencia (ou desconhecia a ambos), eram divinizadas e fortes no clã. Com o desenvolvimento das relações humanas e um maior domínio, apropriação e expansão sobre a natureza, pouco a pouco, os agrupamentos familiares foram se modificando até chegarem ao modelo de família monogâmico.10

Assim, conforme Engels, a instituição da família monogâmica deu-se pelo triunfo da propriedade privada sobre a propriedade primitiva das gens e, indo além, pela escravização e domínio de um sexo pelo outro. Assim, estabeleceram-se os antagonismos entre as “classes sociais” e as “categorias sexuais” e instituiu-se, com isto, o modelo patriarcal, que seria a base social e jurídica das sociedades Ocidentais.11

O matrimônio por pares tinha como objetivo a procriação com direito paterno indiscutível – para fins de hereditariedade das riquezas adquiridas. O domínio é do homem, o divórcio, a infidelidade e os filhos também.12

Para Muraro as mudanças que ocorreram por volta do quinto milênio A.C. trouxeram novas posturas nas relações entre homens e mulheres que alterariam radicalmente todas as significações relacionais, até então, existentes e provocariam socialmente uma nova estruturação das tribos, das relações familiares e sedimentaria os tradicionais conceitos de família. Conforme seus estudos,13

[...] as populações que viviam em pequenos clãs, geridos pelos costumes e não pelas leis, viram-se invadidas por grupos maiores que brigavam por mais terra e que começaram a se assentar nelas. Eram as primeiras aldeias. Logo vieram as primeiras cidades, depois as cidades – estados, depois os Estados. Fora feita a transição. E com

10

ENGELS, 1991, p. 01-90. 11

ENGELS, loc. cit. 12

ENGELS, loc. cit.. 13

MURARO, Rose Marie. A mulher no terceiro milênio: uma história da mulher através dos tempos e suas perspectivas para o futuro. 2. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992. p. 35.

(17)

ela veio a sociedade de escravos, de pobres e ricos, de dominação, não mais de dominância, de autoridade e não mais de centralidade. Pela primeira vez, o adultério era chamado de crime, mas apenas para as mulheres. A virgindade era aquilo que distinguia as mulheres que iriam ter uma vida má ou uma vida boa. O enterro dos reis viria a ser acompanhado de sacrifícios humanos. Muros começam a ser erguidos em torno das cidades. Os impérios se sucedem, e com eles os exércitos. Muitas vezes as paisagens ficavam literalmente pintadas de sangue.

Até neste momento as sociedades não utilizavam uma forma de registro através da escrita alfabética conhecida atualmente, mas mantinham seus registros através da arte e pela tradição oral, principalmente em seus mitos. Com a invenção e sistematização da escrita, concomitante à ascensão do patriarcado, os primeiro registros históricos e oficiais narravam fatos heróicos dentro desta nova perspectiva. Deste modo, a partir de uma visão masculina sobre a realidade divinizada, os mitos que tratavam de deusas guerreiras sofreram releituras, e alterações deturpadas sobre as mulheres que somente sobreviveriam em raros documentos e ícones, recentemente encontrados por pesquisadores em diferentes locais no mundo. Demonstrando, com isto, uma atitude quase global, que se reproduziu e se solidificou através da educação e das religiões destes povos.14

Tornam-se importantes as contribuições de Nunes a respeito deste momento histórico, em seus estudos sobre a sexualidade, quando fez análises sobre os povos gregos e romanos. O autor apresenta as visões sobre homens e mulheres que estes povos possuíam e que foi o sustentáculo para a estruturação das grandes civilizações, dos modelos de casamento e família socializados pelas religiões (detentoras dos conhecimentos e primeiras fontes educadoras das famílias dominantes) e formulações jurídicas até hoje existentes. Segundo ele15, então:

A passividade com relação ao sexo é que é para estes a aproximação do “feminino” e a perda da qualidade distintiva de macho. O grego tem o orgulho como a norma de auto - concepção. O casamento é um contrato entre senhores, à semelhança dos hebreus, e envolve o nome de família, que é transmitido pelo mesmo na procriação. De modo algum existia exigência da fidelidade conjugal. O casamento e as relações sexuais com a esposa eram um dever social, regulado por normas e prescrições. A mulher pertencia ao marido e estava proibida de outras relações sexuais, mas o marido era livre e senhor de sua conduta, não havia sanções sociais que o impedissem de ter outras relações hetero ou homossexual fora de sua casa. O casamento era fim econômico e instância de legitimação dos herdeiros e com estes o nome, o status e a propriedade [sem grifo no original].

Estes conceitos influenciaram, através de seus filósofos, os principais pensadores da Idade Média, principalmente, os religiosos cristãos. E sob este prisma estruturaram as 14

MURARO, 1992, p. 17. 15

(18)

concepções da Igreja Cristã, sobretudo a Católica, que durante a sua ascensão e domínio medieval até os tempos atuais, propagou uma visão da mulher e de sua função na família que há pouco tempo vem sendo modificado. As sociedades que se formavam acabaram por considerar as indicações religiosas e o emaranhado jurídico não se distinguia disto. E, portanto, as leis e códigos que foram sendo elaborados foram a base para as diferentes culturas Ocidentais, a partir da visão greco - romana, que tinha como fundamento o pátrio poder, conferido logo, aos homens e suas conseqüências e desdobramentos na família.16

Ariès, historiador francês, estudou sobre a história social da criança e da família e, apresenta em sua obra, que foi necessário um longo tempo para que fosse arraigado nas mentes das sociedades o sentimento de infância, como se conhece hoje, em decorrência das formas como as famílias se estruturavam, pois a família do século XVII, mesmo diferente da família medieval, ainda não era uma típica família moderna, caracterizada pela ternura e a intimidade que unem pais e filhos. De acordo com Ariès,17

Entre o fim da Idade Média e os séculos XVI e XVII, a criança havia conquistado um lugar junto de seus pais, lugar este a que não poderia ter aspirado no tempo em que o costume mandava que fosse confiada a estranhos. Essa volta das crianças ao lar foi um grande acontecimento: ela deu à família do século XVII sua principal característica, que a distinguiu das famílias medievais. A criança tornou-se um elemento indispensável da vida quotidiana, e os adultos passaram a se preocupar com sua educação, carreira, futuro. Ela não era ainda o pivô de todo o sistema, mas tornara-se uma personagem muito mais consistente. Esta família do século XVII, entretanto, não era a família moderna: distinguia-se desta pela enorme massa de sociabilidade que conservava. Onde ela existia, ou seja, nas grandes casas, ela era centro de relações sociais, a capital de uma pequena sociedade complexa e hierarquizada, comandada pelo chefe de família.

A modernidade avançou na transformação do modo de viver e produzir, e na transformação do homem e sua trajetória social. As realidades e sentimentos da família se transformaram. Passaram a exercer, paulatinamente, novas funções e no seu interior as relações sociais também sofreram transformações. Antes unidos pela necessidade de sua função econômica, a família tradicional, desempenhava algumas funções como a educação dos seus filhos, por aprendizagem de ofícios, a função assistencial dos idosos e o cuidado com a saúde, (pelo estudo das ervas e curandeirismo feminino). Com a criação dos Estados Modernos estas funções foram a eles delegadas. Com a pauperização das famílias, as separações do espaço do trabalho com o espaço da casa e com o surgimento do trabalho

16

NUNES, 1997, p. 71. 17

ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. trad. de Dora Flaksman. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan., 1981. p. 271-272.

(19)

assalariado criam-se e definem-se o mundo público e o privado. Os homens passam a freqüentar o âmbito do público e o doméstico destinou-se às mulheres.18

Analisa-se que, críticas à parte, foi neste modelo monogâmico que foi possível desenvolver o amor sexual moderno, a princípio com os matrimônios por conveniência, por arranjos dos mais velhos até ao matrimônio desencadeado por paixão, por amor. E, nestas novas conjunturas novos conceitos de família foram sendo delineados. Neste sentido, Engels19 fez uma reflexão sobre as transformações da família e assim, escreveu:

[...] ele vê na evolução da família monogâmica um progresso, uma aproximação da plena igualdade de direitos entre ambos os sexos, sem considerar, entretanto, que esse objetivo tenha sido alcançado. [...] A única coisa que se pode responder é que a família deve progredir na medida em que progrida a sociedade se modifique; como sucedeu até agora. A família é produto do sistema social e refletirá o estado de cultura desse sistema. Tendo a família monogâmica melhorado a partir dos começos da civilização e, de uma maneira muito notável, nos tempos modernos, é lícito pelo menos supor que seja capaz de continuar seu aperfeiçoamento até que chegue à igualdade entre os dois sexos. Se, num futuro remoto, a família monogâmica não mais atender às exigências sociais, é impossível predizer a natureza da família que a sucederá.

Com as Grandes Guerras Mundiais, no século passado, é que impulsionaram as mulheres a saírem do recôndito do doméstico, devido à derradeira necessidade de mão – de – obra feminina no mercado de trabalho. A sua luta e expansão não significaram um avanço político e jurídico completos.20

Estabeleceram-se com isto, mudanças institucionais relevantes no conceito de maternidade, nas representações sociais simbólicas e no domínio de condições materiais novas: controle artificial da sexualidade, da natalidade, da presença no mundo econômico, no mundo do trabalho e na ampliação gradativa dos direitos civis e políticos. Especialmente, com o controle dos métodos contraceptivos e da edificação do Divórcio no Brasil, na década de 70.21 “A contração no tamanho da família foi historicamente não só uma condição, mas também uma conseqüência da introdução dos métodos modernos de contracepção.”22

Percebe-se, neste contexto apresentado, que homens e mulheres a cada dia produzem e são produtores de relações sociais e sexuais que transformaram ao longo dos

18

NUNES, 1997. 19

ENGELS, 1991, p. 91. 20

NUNES, op. cit. 21

Ibid. 22

GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. trad. de Magda Lopes. 2. Reimpressão. São Paulo: Fundação UNESP, 1993. p. 37.

(20)

tempos os arranjos familiares. Relações que não estão prontas e acabadas, mas que, no emaranhado social, se traduzem em desejos, opressões, valores, modelos, famílias.

É essa estrutura familiar, que existe antes e acima do Direito, que nos interessa investigar e trazer para o Direito. E é mesmo sobre ela que o Direito vem, por meio dos tempos, regulando e legislando, sempre com o intuito de ajudar a mantê-la para que o indivíduo possa, inclusive, existir como cidadão (sem esta estrutura familiar na qual há um lugar definido para cada membro, o indivíduo psicótico) e trabalhar na construção de si mesmo (estruturação do sujeito) e das relações interpessoais e sociais que remetem a um ordenamento jurídico.23

Não há como quantificar e tornar normatizado o desejo, a sexualidade. Em seus estudos psicanalíticos Pereira frisa o quanto a libido conduz a vida das pessoas no âmbito do desejo. E, neste aspecto, as constituições familiares, historicamente vêm se construindo e transformando a partir das relações sociais e sexuais possíveis, permitidas e, também, através das relações veladas, proibidas, porém existenciais.24

O Estado, neste diapasão, na prática, nunca conseguiu efetivamente controlar as formas de constituição familiar, mas por muito tempo viu apenas no casamento a única forma de constituição da família. Estes parâmetros sempre estiveram enraizados em princípios patriarcais, sexistas, discriminatórios para buscar normatizar algo impossível – a sexualidade. No máximo que conseguiu foi fazer injustiças sociais, negando direitos e omitindo deveres às outras entidades familiares existentes.25

É necessário entender a família nestes novos tempos, compreendendo as novas relações sociais e sexuais que vão se estruturando socialmente e buscando garantir, com muita luta novos direitos sociais. Coube aos doutrinadores tecer opiniões a este respeito para que pudesse, aos poucos, convencer os legisladores a elevar ao Direito, fatos tão concretos.

Alguns passos já foram feitos, como na Constituição Federal/198826, que em seu art. 226 afirma “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” reconhecendo nos parágrafos deste mesmo artigo, além do casamento civil e religioso, a união estável e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes como entidades familiares, sendo também elevado no Código Civil de 2002.

Muitas sexualidades, porém, ainda não são contempladas. Muitos modelos de família foram relegados, tal como as uniões homoafetivas. É preciso lutar, pois ela é plural, é 23

PEREIRA, Rodrigo da C. Direito de família: uma abordagem psicanalítica. 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 14.

24 Ibid. 25

Ibid. 26

BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 17 mai. 2009.

(21)

relacional, é sexual. Não haverá um fim, mas múltiplas possibilidades. O Direito precisará acompanhar este caminhar, esta evolução dos tipos familiares e suas derivações.

(22)

2.2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA FAMÍLIA

O entendimento sobre família vem sendo ampliado e modificado com o passar dos tempos e em conformidade com cada espaço e cultura desenvolvida chegando-se até a concepção da família como uma instituição.27

A doutrina majoritária, longe de ser homogênea, conceitua família como instituição. Embora essa conclusão seja repetida por muitos juristas, trata-se de conceito por demais vago e impreciso. Essa teoria foi enunciada na França por Maurice Hauriou e desenvolvida em seguida. Como instituição, a família é uma coletividade humana subordinada à autoridade e condutas sociais. Uma instituição deve ser compreendida como uma forma regular, formal e definida de realizar uma atividade. Nesse sentido, família é uma união associativa de pessoas, sendo uma instituição da qual se vale a sociedade para regular a procriação e a educação dos filhos.

Classicamente, o conceito de família sempre esteve muito atrelado à apreciação do casamento, e somente nele aceitava-se a sua constituição. As razões para estas atitudes são identificadas nas diferentes sociedades e justificou-se por demandas sociais, econômicas e religiosas (direito canônico) que, por fim, acabaram por alcançar status constitucional. E por muito tempo esta forma de compreender o conceito de família esteve restrito ao conceito jurídico de casamento, negando-se outros arranjos e possibilidades sociais, pois “o casamento, segundo os cânones, era pedra fundamental, ordenado e comandado pelo marido.”28 Venosa29 aponta com muita propriedade esta visão quando destaca que,

É interessante observar que no passado qualquer referência jurídica à família tomava por base o casamento. Só mais recentemente a família foi observada pelos juristas sob prisma de instituição, abrangendo as uniões sem casamento e até mesmo as chamadas famílias mono parentais. [...] Naqueles preceitos, o casamento tinha caráter de perpetuidade com o dogma da indissolubilidade do vínculo, tendo como finalidade a procriação dos filhos. A desvinculação do matrimônio da Igreja abriu caminho para a revisão dessa dogmática.

Hoje, em decorrência da atual estrutura social e econômica e do declínio da influência da Igreja (principalmente a católica), de um modo geral, as famílias vêm diminuindo a sua forma de composição e nem sempre estão vinculadas a um casamento religioso e/ou civil. A natureza jurídica da família nesta sociedade é compreendida por grupos de pessoas com laços de consangüinidade ou que tenham laços de afinidade. E, 27

VENOSA, Sílvio da Salvo. Direito civil: direito de família. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 08. 28

Ibid., p. 09. 29

(23)

gradativamente a legislação brasileira foi se adaptando aos novos tempos, à nova visão que se tinha sobre família. Na opinião de Venosa30:

O organismo familiar passa por constantes mutações e é evidente que o legislador deve estar atento às necessidades de alterações legislativas que devem ser feitas no curso deste século. Não pode também o Estado deixar de cumprir sua permanente função social de proteção à família, como célula mater, sob pena de o próprio Estado desaparecer, cedendo lugar ao caos. Daí por que a intervenção do Estado na família é fundamental, embora deva preservar os direitos básicos de autonomia. Essa intervenção deve ser sempre protetora, nunca invasiva da vida privada.

Assim, a família, como instituto, tem a função essencial de proporcionar o bem-estar e buscar suprir todas as necessidades que sejam condições primordiais para o pleno desenvolvimento da criança, em todos os aspectos materiais e de suporte emocional. Conforme observa Pereira31,

É interessante observar que o estudo da família, em Direito, esteve sempre estritamente ligado ao casamento que a tornava legítima ou ilegítima, segundo os vínculos da oficialidade dados pelo estado, ou mesmo pela religião. Grande parte dos juristas confunde o conceito de família com o de casamento. E por incrível que isso possa parecer, em nossa sociedade, mesmo no terceiro milênio, quando se fala em formar uma família, pensa-se que ela só pode constituir-se por meio do casamento. Mas como a realidade aponta outra direção, nos vemos obrigados a vê-la, sob o ponto de vista da ciência, como algo mais abrangente.

Documentos clássicos, da História recente, já buscavam conceituar família e em nada diferem em seus fundamentos. A Declaração Universal dos Direitos dos Homens32, de 1945, em seu art. XVI, inciso III, estabeleceu: “A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado”. E, mais tarde, em 1969, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos33, pactuada na Costa Rica, em seu art.17, simbolizou os elementos que caracterizavam a família daquela época: “A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado.”

Muitos doutrinadores brasileiros também buscaram em seus estudos definições que pudessem colaborar com os legisladores, em consonância com as modificações sociais, na elaboração do conceito de família. Todos, de diversas maneiras contribuíram para a construção e alteração da Constituição e do Código Civil brasileiro.

30

VENOSA, 2007, p. 10. 31

PEREIRA, 2003, p. 6-7. 32

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração universal dos direitos dos homens. 1945. Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em: 17 mai. 2009. 33

CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS. Pacto de San José. 1969. Disponível em: <http://www2.idh.org.br/casdh.htm>. Acesso em: 17 mai. 2009.

(24)

Segundo Diniz34 pelo critério da autoridade, por exemplo, “a família restringe-se a pais e filhos menores, pois nela se manifesta o poder familiar, ou seja, as autoridades paterna e materna, que se fazem sentir na criação e educação dos filhos”. No âmbito jurídico, a autora acima, localiza três definições essenciais da expressão família:

a) No sentido amplíssimo o termo abrange todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da consangüinidade ou da afinidade, chegando a incluir estranhos [...]. b) Na acepção ‘lata’, além dos cônjuges ou companheiros, e de seus filhos, abrange os parentes da linha reta ou colateral, bem como os afins (os parentes de outro cônjuge ou companheiro), como a concebem os arts. 1.591 e s. do Código Civil, o Decreto-lei . 3.200/41 e a Lei n.883/49.

c) Na significação restrita é a família (CF, art.226, §§ 1º e 2º) o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, ou seja, unicamente os cônjuges e a prole (CC, arts. 1.567 e 1.716), e entidade familiar a comunidade formada pelos pais, que vivem em união estável, ou por qualquer dos pais e descendentes, como prescreve o art.226, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal, independentemente de existir o vínculo conjugal, que a originou35 [sem grifo no original].

Para Pontes de Miranda,36

Família ora significa o conjunto das pessoas que descendem de tronco ancestral comum, tanto quanto essa ascendência se conserva na memória dos descendentes, ou nos arquivos, ou na memória dos estranhos; ora o conjunto de pessoas ligadas a alguém, ou a um casal, pelos laços de consangüinidade ou de parentesco civil; ora o conjunto das mesmas pessoas mais os afins apontados por lei; ora o marido e a mulher, descendentes e adotados; ora finalmente marido, mulher e parentes sucessíveis de um e de outra.

Para Venosa37, o conceito de família pode abranger três modos diferenciados de estruturação:

[...] em conceito amplo, como parentesco, ou seja, o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar. Nesse sentido, compreende os ascendentes, descendentes e colaterais de uma linhagem, incluindo-se os ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge, que se denominam parentes por afinidade ou afins. Nessa compreensão, inclui-se o cônjuge, que não é considerado parente. Em conceito restrito, família compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sobre o pátrio poder ou poder familiar. Nesse particular, a Constituição Federal estendeu sua tutela inclusive para a entidade familiar formada por apenas um dos pais e seus descendentes, a denominada família monoparental. [...] Pode ainda ser considerada a família sob o conceito sociológico, integrando pessoas que vivem sob um mesmo teto, sob a autoridade de um titular [sem grifo no original].

34

DINIZ, Maria Helena, Curso de direito divil: direito de família. 22. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 5. p. 11.

35

Ibid., p. 09-10. 36

PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito de família. 1. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2001. 1. v. p. 59.

37

(25)

Já Rodrigues38 percebe que o vocábulo “família” é empregado em vários sentidos:

Num conceito mais amplo poder-se-ia definir a família como formada por todas aquelas pessoas ligadas por vínculo de sangue, ou seja, todas aquelas pessoas provindas de um tronco ancestral comum: o que corresponde a incluir dentro da órbita da família todos os parentes consangüíneos. Numa acepção um pouco mais limitada, poder-se-ia compreender a família como abrangendo os consangüíneos em linha reta e os colaterais sucessíveis, isto é, os colaterais até quarto grau. Num sentido ainda mais restrito, constitui a família o conjunto de pessoas compreendido pelos pais e sua prole.

Assim, nota-se que o termo família é citado pelos diferentes autores do Direito de Família tanto no sentido amplo como no sentido restrito e, de modo geral, diferenciam-se pela quantidade dos membros na estrutura familiar. Ou seja, na família ampla encontra-se a grande família consangüínea formada pelos diferentes parentes nela existente, enquanto que a família restrita é, geralmente, aquela formada pelos pais e seus filhos, oriundos, portanto de diferentes arranjos afetivos, seja por casamento, união estável ou mesmo por apenas um dos pais (monoparental).

Neste sentido é importante apresentar a visão de Diniz39 ao apontar os caracteres da família:

a) Caráter biológico, pois a família é, por excelência, o agrupamento natural. O indivíduo nasce, cresce numa família até casar-se e constituir a sua própria, sujeitando-se a várias relações, como: poder familiar, direito de obter alimentos e obrigação de prestá-los a seus parentes, dever de fidelidade e de assistência em virtude de sua condição de cônjuge. b) Caráter psicológico, em razão de possuir a família um elemento espiritual unindo os componentes do grupo, que é o amor familiar. c) Caráter Econômico, por ser a família o grupo dentro do qual o homem e a mulher, com o auxílio mútuo e o conforto afetivo, se munem de elementos imprescindíveis à sua realização material, intelectual e espiritual. d) Caráter religioso, uma vez que, como instituição, a família é um ser eminentemente ético ou moral, principalmente por influência do Cristianismo, não perdendo esse caráter com a laicização do direito. e) Caráter político, por ser a família a célula da sociedade (CF, art.226), dela nasce o Estado [...] f) Caráter Jurídico, por ter a família estrutura orgânica regulada por normas jurídicas, cujo conjunto constitui o direito de família [sem grifo no original].

As características apresentadas por Diniz conseguem definir, em diferentes âmbitos, a importância social que a família tem em sociedade, abarcando aspectos que não podem ser analisados isoladamente, mas que unidos traduzem a força que este instituto representa para todos. A junção destas características poderia, quem sabe, definir com mais propriedade o que é a família e a sua razão social.

38

RODRIGUES, Sílvio. Direito de família. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 6. p. 4. 39

(26)

O Direito de Família, desde a sua origem vem sofrendo diversas transformações e o seu desenvolvimento e avanço no direito brasileiro teve como fato primordial o advento da Constituição de 1988, que recepcionou várias mudanças sociais, corroborando circunstâncias que já existiam de fato e reconhecendo direitos até então ignorados pela legislação vigente. Importante, pois antes “a idéia de família para o Direito brasileiro sempre foi a de que ela é constituída de pais e filhos unidos a partir de um casamento regulado e regulamentado pelo Estado”.40 Para Strenger41

Legalmente, O Direito de família é o menos persistente e duradouro, exatamente porque está sempre e necessariamente submetido às flexibilidades sociais, que são conduzidas pelas constantes mutações do processo histórico e cultural. Como instituição, a família é também um fato. Governada por um direito, ela é conduzida como fenômeno numa evolução. Pode-se tomar como hipótese dessa realidade o Direito brasileiro e, ver-se-á que, de uma fase de exarcebação ética, quanto a avaliação da chamada família legítima, passamos para uma etapa de tolerâncias e sedimentação de propósitos, quanto à proteção dos menores, partindo numa escala demonstrativa desse processo, do repúdio ao filho adulterino até o seu reconhecimento. Esse é um dado exemplificativo das reais transformações, não só da vida das famílias, como das idéias sobre a família, evidenciando as relações entre as formas legislativas e as mudanças sociais.

A visão jurídica da família, que embasava o Código Civil de 1916, reforçava os ditames de uma sociedade patriarcal e heterossexual que percebia a entidade familiar marcada pelo casamento civil e religioso. Era compreendia como um ente que, acima de tudo, priorizava a reprodução econômica, cultural e sexual daquele tempo, apresentando poucos laços afetivos, mas que se mantinha unidade por fins de patrimônio e hereditariedade.

Com o advento da Constituição Federal em 1988, novas perspectivas surgiram e foram recepcionadas. Sabe-se, entretanto, que nem todas foram aceitas. A Constituição Federal de 198842, por fim, abarcou outros modelos de família, a saber: a decorrente do casamento prevista no artigo 226, § 1º; a união estável entre homem e mulher no artigo 226, § 3º; e a entidade familiar monoparental no artigo 226, § 4º. Modelos que representam outra leitura da realidade brasileira e demonstram que insurge a igualdade dos membros da família, a solidariedade, a valorização do afeto em detrimento do patrimônio, sustentados pelo convívio afetivo na pela pluralidade familiar e, por conseqüência o respeito à dignidade da pessoa humana e a afirmação dos direitos fundamentais.

A partir daí novas lutas foram sendo travadas no cenário nacional, e ainda são até hoje, buscando transpor os conceitos mais tradicionais na tentativa de se incluir nas demais 40

PEREIRA, 2003, p. 08. 41

STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 17-18. 42

(27)

leis esparsas as novas visões trazidas pela Constituição de 1988, dentre elas está a Lei 9.069 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 13 de julho de 1990 e o novo Código de Direito Civil, de 2002, inovando no Direito de Família e no instituto da guarda, que até então, presumia-se ser da genitora. Novos conceitos são criados tendo como fundamento maior os princípios que embasam o Direito de Família.

A família, portanto, é considerada a base da sociedade e onde são construídos e transmitidos, inicialmente, os primeiros conhecimentos éticos, morais, afetivos, religiosos e da própria referência da criança no mundo em que vive em relação com os demais membros que a compõe. Situação que será vivenciada e que aos poucos consolidará a formação intelectual e psicológica dos seres humanos em constante evolução.

2.3 PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA

No ordenamento jurídico os princípios gerais e fundamentais de direitos são os princípios basilares e são inspirados neles que ocorrem toda a produção legalista através da Constituição, leis, códigos e demais documentos esparsos.

De acordo com Freitas43

:

Os critérios ou as diretrizes basilares do sistema jurídico, que se traduzem como disposições hierarquicamente superiores, do ponto de vista axiológico, às normas estritas (regras) e aos próprios valores (mais genéricos e indeterminados), sendo linhas mestras de acordo com as quais guiar-se-á o intérprete quando se defrontar com as antinomias jurídicas.

Com as transformações sociais e com a ampliação de direitos e deveres jurisdicionais mundo afora, a partir da abertura política, aqui no Brasil, depois de 1980, também foi necessário discutir o que de fato já ocorria nas diferentes sociedades globais.

Foi o que ocorreu com a produção da Constituição de 1988, que elevou à princípios constitucionais, dentre tantos, a dignidade da pessoa humana, a pluralidade dos novos gêneros familiares, a isonomia entre os membros da família.

A Carta Magna, não promoveu, em si, uma mudança no quadro das relações familiares, apenas introduziu princípios que alteraram o modelo jurídico sobre família, 43

FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 56.

(28)

justificando e ampliando direitos e garantias individuais aos diferentes membros que a compõe, que de fato em suas relações cotidianas já as vivenciavam.44

Por outro lado, com a sua sanção, oportunizou a todos em sociedade a possibilidade legal de lutarem pelos seus direitos quando, para estes, a realidade social ainda está calcada num modelo conservador e tradicional de modelo de família.

Alguns deles já se encontravam consubstanciado na Constituição, mas receberam um novo caráter para o Direito de Família. Destacar-se-á, apenas os princípios que interessam a esta pesquisa.45

2.3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

A Declaração Universal dos Direitos Humanos46 é um documento que tem sido referência mundial para a elaboração das Constituições que buscam a consolidação de um Estado democrático de direito. E, em seu artigo 1º, preceitua que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. E estando, portanto, tal dispositivo arraigado à condição humana e não comportaria qualquer percalço.

Seguindo este sentido, o princípio da dignidade humana foi incluído na Constituição Federal47 de 1988, no art. 1º III48, e objetiva salvaguardar a pessoa humana em todos os sentidos e aspectos a ela inerentes.

Este princípio foi erigido à categoria de princípio basilar e norteador do ordenamento jurídico porque tenta reforçar e consolidar a existência de direitos individuais e de desenvolvimento, portanto, da personalidade, nas quais a pessoa humana é titular, pelo simples fato de existir, independentemente de condição social, religiosa, sexual, étnica, etária, etc. E é no Direito de Família que se encontra o campo de atuação para concretização de seus fundamentos, pois é na família que cada ente familiar desenvolverá a sua personalidade, o seu

44

PEREIRA, 2002. 45

Ibid. 46

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração universal dos direitos humanos. 1948. Disponível em: <http://www.onubrasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em: 17 mai. 2009.

47

BRASIL, 1988. 48

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:[...] III - a dignidade da pessoa humana;

(29)

caráter, e precisará de toda a proteção da sociedade e do Estado para que isto ocorra de forma salutar.

Trazendo, então, esta lógica ao Direito privado, especificamente ao Direito de Família, percebe-se que, em decorrência desta visão, todos os membros que compõe uma família vêm buscando efetivar seus direitos e prerrogativas que condizem à dignidade da pessoa humana, principalmente, no desenvolvimento de sua personalidade, que para Tartuce49 “podem ser conceituados como sendo aqueles direitos inerentes à pessoa e à sua dignidade. Surgem cinco ícones principais: vida/integridade física, honra, imagem, nome e intimidade. Essas cinco expressões-chave demonstram muito bem a concepção desses direitos” [grifo no original].

Para Diniz50, este princípio “constitui base da comunidade familiar, (biológica ou socioafetiva), garantindo, tendo por parâmetro a afetividade, o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente”.

Homens, mulheres, crianças, adolescentes e idosos, cada qual com sua função específica na entidade familiar, têm no princípio da dignidade da pessoa humana a representação maior da luta por melhores condições sociais em sociedade, a partir da sua inserção e consolidação no seio da família.

A partir deste novo entendimento jurídico, muitas lutas vêm sendo firmadas para que a dignidade da pessoa humana, a partir das relações vivenciadas no interior das famílias, seja efetivada, com o destaque para o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), para o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), Lei da Guarda Compartilhada (Lei 11.698/08), dentre outros. Documentos importantes que retratam uma realidade onde crianças, adolescentes, mulheres, idosos e pais que eram antes simples objetos de estudo, agora se tornaram protagonistas e sujeitos de direito e de sua própria história.51

Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana encontra também na legislação brasileira fundamento no capítulo VII, (Da Família, Da Criança, Do Adolescente e Do Idoso), da Constituição Federal52, dos art. 226 até o 230, com destaque especial para o artigo 226, § 7º53 e 22754 que asseveram expressamente este direito. Da mesma forma, encontra-se 49

TARTUCE, Flávio. Os direitos da personalidade no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 878, 28 nov. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7590>. Acesso em: 03 abr. 2009.

50

DINIZ, 2007, p. 22. 51

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José F. Direito civil: família. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2008. v. 5. p. 34.

52

BRASIL, 1988. 53

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,

(30)

expressamente no Estatuto da Criança e do Adolescente55 nos artigos 3º56 e 4º57, que de forma clara em seu documento quer assegurar a dignidade e todos os direitos subtendidos neste princípio.

2.3.2 Princípio da solidariedade familiar

O princípio da solidariedade social é adotado pela Constituição Federal58 em seu artigo 3º, inciso I59, querendo significar como objetivo maior a concretização de uma sociedade livre, justa e solidária.

Em se tratando de Direito de Família a solidariedade toma um sentido mais subjetivo, pois não corresponde apenas ao aspecto patrimonial60, mas a questões de cunho afetivo e de desenvolvimento interpessoal, que condizem também com o princípio da dignidade da pessoa humana, e que são de responsabilidade da família como um todo.

O princípio da solidariedade, portanto, está vinculado a todos os direitos e deveres inerentes à condição de família, pois sempre haverá de existir uma necessidade de cooperação, de alimentação, de educação, de afeto que amplamente necessitará de atitudes solidárias entre seus membros para a busca da sua subsistência, bem-estar social e felicidade.

competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

54

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão [sem grifo no original]. 55

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 04 abr. 2009.

56

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade [sem grifo no original].

57

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária [sem grifo no original].

58

BRASIL, 1990. 59

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

60

Como a necessidade de pagamento de alimentos previsto no Art. 1.694 que afirma “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.”

(31)

“Essa missão gera solidariedade entre as famílias e permite que, reconhecendo seus direitos, se forme um genuíno bem social.”61

Por outro lado para Dias62,

Ao gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar, safa-se o Estado do encargo de prover toda a gama de direitos que são assegurados constitucionalmente ao cidadão. Basta atentar que, em se tratando de crianças e adolescentes, é atribuído primeiro à família, depois à sociedade e finalmente ao Estado (CF 227) o dever de garantir com absoluta prioridade os direitos inerentes aos cidadãos em formação.

Assim, além de ser um atributo próprio das famílias, esta solidariedade representa uma proteção especial do Estado à família que, apesar de Direito privado, regulará as relações que se estabelecem na tentativa de evitar situações de desrespeito, de violência, de abandono, de acordo com o artigo 226, § 8º “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.63

2.3.3 Princípio da igualdade entre homens e mulheres

Sabe-se que, historicamente, pautado numa postura patriarcal e machista homens e mulheres sempre estiveram em situações opostas socialmente, relegando a elas o espaço privado de sua casa sob a condição inferior em relação ao homem, que detém o espaço público. Conforme Pereira64:

As notícias e registros que temos sobre a origem e evolução da família é de sua estruturação em sistema patriarcal. Daí uma explicação, sem maiores aprofundamentos, da supremacia do homem sobre a mulher. Foi o homem quem construiu o mundo e impôs sua linguagem, seu discurso. O mundo é masculino. Os ordenamentos jurídicos sempre confirmaram isso. A mulher era incapaz, como os loucos e os menores.

Com as transformações sociais, culturais e estruturais com os passar dos séculos, novas lutas e demandas se posicionaram contra este tipo de discriminação. “Há uma 61

AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada: um avanço para a família. SP: Atlas, 2008. p. 32. 62

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 62. 63

BRASIL, 1988. 64

(32)

modificação, uma evolução em todo mundo que aponta para uma tendência única: a reivindicação de uma isonomia de direitos entre homem e mulher.”65 Uma tendência que vem corroborar com o próprio princípio da dignidade da pessoa humana em respeito à ampliação de direitos sociais a todas as pessoas, independente do gênero.

Para Pereira “o que a nova ordem mundial nos traz é um redirecionamento de papéis, na estruturação da família, em que se questiona e redimensiona-se o lugar do homem e da mulher.”66

O princípio da igualdade entre homens e mulheres encontra-se disposto no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal/8867.

Este dispositivo constitucional influenciou diretamente a organização da família brasileira, alterando consubstancialmente as relações familiares ao estabelecer a isonomia entre os cônjuges e ou companheiros com previsão legal no próprio texto constitucional68 no art. 226, § 5º69 que traz uma nova visão sobre o poder familiar e guarda dos filhos, com reflexos diretos nos julgados, jurisprudências e na conformação do Estatuto da Criança e do Adolescente e Código Civil, e nas partes atinentes ao Direito de Família.

O art. 1511 do Código Civil70, neste sentido, estabelece “a comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”, delineando, com isto uma nova realidade para as formações familiares, até então, desconhecida, mas já exercida, na sociedade.

Tartuce71 esclarece que:

Diante do reconhecimento dessa igualdade, como exemplo prático, o marido ou companheiro pode pleitear alimentos da mulher ou companheira ou mesmo vice-versa. Além disso, um pode utilizar o nome do outro livremente, conforme convenção das partes (art. 1.565, § 1º, do CC).

65

PEREIRA, 2003, p. 55. 66

Ibid., 2003, p. 57. 67

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

68

BRASIL, 1988. 69

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

70

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o código civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 15 mai. 2009. 71

Referências

Documentos relacionados

Contudo, esta moralidade acaba por encontrar o ponto de chegada de sua auto- supressão em um dos pilares em que ela própria se assenta, a exigência de “racionalidade a todo

Os argumentos relevantes acerca dessa possível viabilidade do exercício da guarda compartilhada em separação consensual, além do fato da continuação da relação da

» Ética - Fundamentos previstos no Código de Ética da Abimed, que são respeitados em todas as ações da Associação e que direcionam para o ideal de comportamento no setor.

Essa afirmação de Foucault, também parece servir para entender o aumento do interesse pela homossexualidade, não somente da sociedade de forma geral, mas sobretudo dos grupos

penal. Determina as penas com que devem ser punidos os escravos, que matarem, ferirem ou commetterem outra qualquer offensa physica contra seus senhores, etc.; e

Meta 3.1 : Aumentar a satisfação dos alunos em relação às aulas e docentes no curso de Zootecnia até 2017.. Indicador 3.1: Conceito dado à pedagogia pela avaliação externa

Conforme o exposto, entende-se que a relação conflituosa entre os ex-casais partici- pantes do estudo prejudicava não apenas eles, pela dificuldade na comunicação e na tomada de

As requerentes GENECI LOPES DE ANDRADE e MARIANA THIELLY SANTOS DOS SANTOS tiveram sua solicitação não conhecida por estar em desacordo ao objeto desta etapa de