• Nenhum resultado encontrado

O instituto da guarda de filhos na atual legislação brasileira

4 A IMPOSIÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA NOS PROCESSOS DE

4.1 CONCEITOS E TIPOS DE GUARDA NA DOUTRINA E NA LEGISLAÇÃO

4.1.3 O instituto da guarda de filhos na atual legislação brasileira

Na sociedade na atualidade vive uma crise de valores constante e, nesta crise, incluem-se as que se referem aos tradicionais arquétipos familiares contradizendo-se com os novos arranjos familiares que vêm se instituindo. Neste paralelo, outras questões também vêm sendo discutidas, revistas e que estão interferindo nas relações cotidianas, nas novas famílias, na sociedade e no ordenamento jurídico como um todo.257

As discussões sobre a guarda de filhos, em regra, acabam ocorrendo quando há a fragmentação da família. Antes disto, na constância das relações familiares a guarda dos filhos fazia parte de um dos atributos do poder familiar, sendo igualmente exercido por ambos 254 GRISARD FILHO, 2009, p. 91. 255 Ibid., p. 91. 256 SILVA, 2008, p. 60. 257 QUINTAS, 2009, p. 123.

os genitores. Com a ruptura familiar, tradicionalmente, tanto a doutrina, quanto a maior parte dos tribunais defende a permanência dos filhos (as), no final dos relacionamentos, com a mãe. Existem, entretanto, outros juristas que defendem uma ampliação dos direitos e, recentemente vêm ocorrendo algumas alterações neste sentido. E, a partir da Constituição Federal de 1988 este fato passou a ser analisado pelos princípios que embasam o Direito de Família, tendo-se como fator diretivo, agora, o princípio da igualdade entre homens e mulheres, o princípio da continuidade da convivência das relações familiares, princípio da dignidade da pessoa humana, e demais princípios, mas sempre considerando, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Neste sentido é o relato de Quintas258, ao realizar uma análise sobre a evolução da guarda de filhos. Segundo ela,

Numa análise da evolução jurídica, percebe-se que a guarda acompanhou os anseios e as necessidades de cada época. Quando da ruptura familiar, em alguns momentos, foi atribuída ao pai; em outros, à mãe, e atualmente é atribuída levando-se em consideração os interesses do filho. Durante muito tempo a família esteve rigorosamente atrelada ao casamento. Sempre regida pelo homem, chefe da família, de qualquer outra forma que apresentasse era, pois considerada ilegítima. Foi neste contexto que o Código Civil de 1916 estabeleceu a guarda de filhos quando houvesse a ruptura familiar. [...] O Código Civil de 1916 instituía que, durante o casamento, como atributo do pátrio poder, a guarda era exercida pelo marido, chefe da família, e apenas em sua ausência ou impedimento seria exercido pela mulher. Frente à hipótese de desquite, se consensual, a guarda era atribuída conforme o que os cônjuges acordassem. [...] Em não havendo acordo, o Código determinava a guarda, no desquite judicial, baseada na culpabilidade dos cônjuges. Ficaria com a guarda dos filhos o cônjuge inocente. Se ambos fossem culpados observar-se-ia a idade e o sexo dos filhos.

A autora acima, ainda complementou, explicando as modificações trazidas pela Lei nº. 4.121/62 – Estatuto da Mulher Casada -, e da Lei nº. 6.515/77 – Lei do Divórcio -, que desencadearam a discussão para um caminho mais igualitário entre os cônjuges e apresentaram novas posturas para a guarda de filhos, dentre elas a permissão “ao cônjuge não- guardião, do direito de companhia, visita e fiscalização”259, que somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 encontraria fundamentos mais dignos sobre esta temática, e obteve algumas de suas consolidações no novo Código Civil de 2002. Entretanto, na prática, nem sempre foram aplicadas nos casos em concreto e, “poucas decisões têm afrontado a instituição da guarda exclusiva. Depara-se em sua maioria com uma guarda atribuída à mãe, em que o pai se isenta da responsabilidade que o poder familiar lhe impõe” e, portanto, não vislumbrando o melhor interesse da criança.260

258 QUINTAS, 2009, p. 115-116. 259 Ibid., p. 118. 260 Ibid., p. 119.

Como já salientado, a guarda é um dos assuntos mais polêmicos na área do Direito de Família, apresentando-se nos casos de abandono dos filhos (cuja legislação de base encontra-se no Estatuto da Criança e do Adolescente, no art.33 e seguintes) e na ocorrência da fragmentação da família, que é o foco deste trabalho. De acordo com Akel261,

Considerando todas as modificações legislativas acerca da regulamentação da guarda de filhos menores, sem dúvida, o momento marcante e fundamental foi o advento da Constituição Federal de 1988, que reforçou a relevância do instituto, conforme estabelece o art. 227, que dispõe sobre o direito à convivência familiar. [...] Os direitos e garantias constitucionais dos filhos menores evidenciaram sobremaneira o instituto da guarda, obrigando o genitor guardião a observar e cumprir todos os deveres que lhe são impostos. Finalmente, a nova legislação civil, em vigor desde 2002, aplicou os preceitos constitucionais e obedeceu ao disposto no art. 2º da Declaração Universal dos Direitos da Criança, consagrando o princípio da proteção integral do menor.

Assim, ao tratar da legislação no ordenamento jurídico à respeito da guarda de filhos é imprescindível destacar que a Constituição Federal de 1988 atribui ao Estado o dever de garantir a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, como prevê o art. 3º, inciso IV, deste documento. E que de acordo com o art. 5º, inciso I, da mesma carta magna, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, e que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.”262

Nesta linha de pensamento, ao tratar sobre a família, os artigos 226 e 227 da Constituição Federal/1988263 confirmam que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” e que é dever dela, “da sociedade e do Estado” assegurarem à criança e ao adolescente, “o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, e buscará acima de tudo “colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Deste modo, ao abordar a temática da guarda de filhos, qualquer decisão deverá considerar estes mandamentos constitucionais, que sustentam diretamente os princípios do Direito de Família, aqui explorados e que fundamentam as leis pertinentes a ela.

Desta forma, a guarda de filhos está prevista nos artigos 1.583 a 1.590 do Código Civil/2002 e intrinsecamente prevista na Constituição Federal/88264 em seus artigos 226, 227

261 AKEL, 2008, p. 78. 262 BRASIL, 1988. 263 Ibid. 264 Ibid.

(acima citado) e 229265, que estabelecem as responsabilidades dos pais para com os filhos e garante ainda o direito de toda criança ter um guardião para protegê-la, dar assistência material, moral e vigiá-la.266 De modo geral, cabe destacar ainda, que o Código Civil de 2002 incluiu e eliminou fatores importantes e “sepulta o anacrônico regime de perda da guarda do filho pela culpa do cônjuge na separação e o da prevalência materna na sua fixação em caso de culpa recíproca como estavam previstos na legislação precedente”267

A guarda pode ser unilateral ou compartilhada, conforme legislação prevista no art. 1583268, caput, do Código Civil de 2002.269

A guarda unilateral é reservada a apenas um dos genitores e será delegada àquele que revelar melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar ao (à) filho (a) as condições que o poder familiar já impõe, conforme art. 1583, § 1º primeira parte, e § 2º270 do Código Civil de 2002.271

Neste aspecto, de acordo com o 1.589, do Código Civil de 2002272: “O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”. Fica, portanto, estabelecido a possibilidade de visita, de companhia e, como atributo maior o de fiscalização por parte do genitor não-guardião daquele que ficou incumbido de tal função, quando tratar-se de guarda exclusiva, bem como participar dos alimentos do seu filho.

A guarda compartilhada é exercida por ambos os genitores, com a responsabilização conjunta de direitos e deveres do pai e da mãe, mesmo que não vivam sob o mesmo teto, de acordo com o art. 1.583, parte final do § 1º273 do Código Civil de 2002274:

A forma para solicitar um dos tipos de guarda está regulamentada no art. 1.584 do Código Civil de 2002275, onde poderá ser “requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou

265

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

266

QUINTAS, 2009, p. 115-123. 267

GRISARD FILHO, 2009, p. 63. 268

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008). 269

BRASIL, 2002. 270

Art. 1.583. § 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores. § 2o A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; II – saúde e segurança; III – educação.

271

BRASIL, 2002. 272

Ibid. 273

Art. 1.583. § 1o [...] e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. 274

BRASIL, 2002. 275

por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar”; ou “decretada pelo juiz, em atenção as necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe” [sem grifo no original].

Dentre as inovações trazidas pelo Código Civil/2002276 está a possibilidade de, em sede de medida cautelar de separação de corpos, aplicar-se à guarda dos filhos, a quem revelar melhores condições de exercê-la, de acordo com o art. 1.585277. E, da mesma forma se os pais contraírem novas núpcias, também não perderão o direito de ter consigo os filhos, que somente poderão ser retirados o seu direito de poder familiar, por mandado judicial, provando-se que eles não são tratados adequadamente, como trata o art. 1.588278 deste mesmo código.

E a definitividade da guarda “é paradoxalmente relativa porquanto pode ser modificada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado (art.35), pois sua concessão não faz coisa julgada”279 [grifo no original].

O que ainda não se sabe é como ficarão as famílias mediante a imposição da guarda compartilhada, que assim procederá, sempre que possível, sobretudo, nos casos onde houver o conflito de interesses sobre o destino da guarda da criança, quando nenhum dos pais desiste do direito – dever à guarda –, como previsto no art. 1584, § 2º280 do Código Civil/2002.281

Sabe-se que, de fato, há o direito para ambos, considerando-se as características do poder familiar, já aqui apresentadas. Contudo, se, já não há um acordo anterior, como será posteriormente? Ademais não existindo um bom relacionamento entre as partes litigantes, como irão compartilhar a guarda de seus filhos (as), de modo a não comprometer estruturalmente a vida deles e seus interesses, sem que com isto haja conflitos e incompatibilidades nas diretrizes coletivas.

Há, para tanto, a possibilidade do juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público buscar orientação técnico-profissional ou de equipe multidisciplinar ao estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os próprios períodos de convivência sob a guarda 276

BRASIL, 2002. 277

Art. 1.585. Em sede de medida cautelar de separação de corpos, aplica-se quanto à guarda dos filhos as disposições do artigo antecedente.

278

Art. 1.588. O pai ou a mãe que contrair novas núpcias não perde o direito de ter consigo os filhos, que só lhe poderão ser retirados por mandado judicial, provado que não são tratados convenientemente.

279

GRISARD FILHO, 2009, p. 65. 280

Art. 1.584. [...] § 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.

281

compartilhada, com aduz o art. 1.584, § 3o282, do Código Civil/2002283. O que, talvez, devesse ser utilizado, anteriormente a sua imposição.

Os conflitos relacionados à família antes de serem de direito, são emocionais, afetivos, psicológicos e podem gerar inúmeros tipos de sofrimentos, mágoas e problemas emocionais. A separação, a ruptura da família representa muitas vezes a melhor solução, não apenas ao casal, mas para toda a família. É preciso realizar uma análise mais profunda sobre os reflexos da imposição da guarda compartilhada nestes casos, para que, os mesmos problemas não continuem interferindo na vida dos filhos, após a sua ruptura, em decorrência deste tipo de guarda.

Espera-se que com esta inovação legislativa os genitores possam se abstrair de todos os problemas que deram causa à fragmentação da família, e de todos os percalços que estarão por vir em decorrência dela (partilha, separação em si, motivos, novos amores, novas famílias) e terão um comportamento mais adequado frente à guarda compartilhada.

4.2 AS ALTERAÇÕES PELA LEI Nº 11.698, QUE ENTROU EM VIGOR EM 13/06/2008,