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5 CONSIDERAÇÕES NARRATIVAS OU EXPRESSÃO

Narração “caminhante”, narrativas da cidade, memória do tempo presente, jornalismo cidadão, variáveis que se cruzam e que têm na essência a intervenção do sujeito, agora presente no local do acontecimento, permitindo que o lugar indique o critério narrativo, porque

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afinal ele está munido de equipamentos capazes de registrar e compartilhar informações. Mas há intencionalidade no ato narrativo da parte deste sujeito? Sim, o sujeito ingressa num jogo narrativo, por intermédio do qual captura informações e distribui. Mas o que ele deseja, além de estar no centro da evolução de um processo, que encontra sua origem no ingresso na modernidade? Esta pergunta é perseguida por muitas reflexões em torno do tema. Augé (2006) entende que a sociologia real ou a sociedade real é mais complexa do que os modelos que tentam dar conta dela. Na realidade concreta, os elementos que justificam ou dirigem a elaboração de modelos interpretativos não se excluem, mas se sobreadicionam.

Na realidade, tal como podemos observar concretamente, nunca houve desencanto do mundo, nunca houve morte do Homem, fim de grandes relatos ou fim da História, mas houve evoluções, inflexões, mudanças e novas ideias, ao mesmo tempo em que reflexos e motores de mudanças (AUGÉ, 2006, p. 115-116).

Entendemos, a partir da observação das ações narrativas no projeto Locast, que as formas de expressão e as apropriações em relação às tecnologias narrativas encontram-se em diálogo dentro de um mesmo contexto e emergem simultaneamente. Augé (2006) reflete sobre a individualização dos destinos ou dos itinerários e sobre a ilusão da livre escolha individual, o que, segundo ele, desenvolve-se a partir do momento em que se debilitam as cosmologias, as ideologias e as obrigações intelectuais com as quais estão vinculadas. Augé (2006 p.107) cita que “o mercado ideológico se equipara a um self-service, no qual cada indivíduo pode prover-se com peças soltas para ensamblar sua própria cosmologia e ter a sensação de pensar por si próprio”.

Augé (2006) cita o pensamento de Max Weber que, para evocar a modernidade, fala sobre o desencanto do mundo, apresentando três características. A primeira é o desaparecimento dos mitos de origem, dos mitos de fundação, de todos os sistemas de crença que procuram o sentido do presente da sociedade em seu passado. Surge também o desaparecimento de todas as representações e crenças que, vinculadas a

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esta presença do passado, submetiam a existência e, inclusive, a definição do indivíduo de seu meio. O homem do Século das Luzes é o indivíduo dono de si mesmo, de quem a Razão corta os laços supersticiosos com os deuses, com a terra, com sua família, que afronta o porvir e se nega a interpretar o presente baseado em magia ou bruxaria.

Seja qual for o objetivo deste sujeito, agora independente sob uma perspectiva moderna, mas enlaçado no nó da rede que ele mesmo ajuda a tecer, ele é elemento propulsor de uma ação narrativa infinita. É exatamente por conta dessa independência que a produção de conteúdos e textos hoje chega a uma dimensão planetária, capaz de narrar desde o buraco na rua até fatos jornalísticos de grande relevância em escala internacional. Todos eles convivem lado a lado. São fatos, acontecimentos, notícias que circulam como matéria-prima, em estado bruto ou pós-produzido profissionalmente. Não podemos esquecer que já há à disposição dos cidadãos tecnologias móveis capazes de proporcionar finalização profissional, ou próximo disso, dos conteúdos compartilhados. Mas esta é a próxima etapa de um processo desordenado de produção de conteúdos, que permanecerá assim em nosso entendimento e está apenas começando. Mais do que uma estratégia consciente, é uma conformação do sujeito às transformações pelas quais vem passando na modernidade. Mais do que isolamento e navegação solitária, é solidariedade por intermédio do compartilhamento de informações.

REFERÊNCIAS

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LOCAST E O POTENCIAL DA INFORMAÇÃO