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RESUMO

O presente artigo traz algumas impressões e fragmentos do projeto Locast Civic Media, parceria FAMECOS-MIT, que experimentou a realidade das mudanças oriundas do processo de convergência. Considerando o contexto de mobilidade e fluxo de conteúdo em diversos formatos para diferentes dispositivos, hoje, qualquer pessoa pode ser, com sua bagagem e limitações, produtora e consumidora de conteúdos. Com força, o jornalismo-cidadão ou jornalismo colaborativo vem contribuir, principalmente, com a diversidade e facilidade no acesso a informações compartilhadas, que podem repercutir em diversas proporções.

PALAVRAS-CHAVE: Locast Civic Media; Comunicação; mobilidade; convergência; cibercultura; informação; jornalismo; publicidade; plataforma móvel; Android; jornalismo colaborativo; cidadão-repórter; democracia; livre-expressão.

A informação passou a ter um valor bastante significativo. Em tempos de velocidade, urgência e ansiedade de informação, é preciso registrar, reportar, ensinar, compartilhar e, principalmente, saber lidar com a informação que surge ou se modifica a cada segundo. Para Richard Wurman (1999), há uma expectativa imensa sobre o conhecimento passado pela comunicação, sobretudo quando ela está nas mãos outras pessoas (editores, produtores, veículos, agências...) que decidem quais notícias o público deve receber (e como receber), são pessoas que restringem o fluxo de informação. Esse processo é uma das causas de ansiedade de informação, que é estimulada principalmente pela cultura do “é preciso saber mais e mais sobre tudo”. Nesse contexto, a informação se tornou poder.

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A era da convergência é um tempo de transição. É um momento de transformação cultural em que as antigas e novas mídias e formas de se fazer comunicação se chocam (ou se complementam, ainda não se sabe), em que o produtor e o consumidor de mídia interagem de maneiras ainda imprevisíveis. Nesse sentido, há uma circulação desenfreada de conteúdos por diversas plataformas e meios que dependem totalmente da participação ativa dos consumidores de informação à medida que eles são incentivados a trazer novas informações e a fazer novas conexões em meio muitos conteúdos de mídia dispersos. Este modelo (cultura participativa) contrasta totalmente com a ultrapassada ideia de consumidor passivo, simples receptor de informações através dos meios de comunicação. Agora temos os papéis de produtores e consumidores de informação como participantes que interagem por completo, numa nova realidade ainda desconhecida (JENKINS, 2009).

Sendo a cibercultura uma “resultante da convergência entre a socialidade contemporânea e as novas tecnologias de base microeletrônicas” (LEMOS, 2002, p. 18), uma das suas principais funções é o acesso à distância aos recursos de um computador (LÉVY, 1999). Palavras de ordem que já representavam a utilização da web, como “disponibilizar” (notícias, textos, imagens, vídeos), “expor-se” (blogs, videoblogs), “trocar” (uploads e downloads) e “colaborar” (sites construídos por autorias coletivas – o chamado “coletivismo online”) (SANTAELLA, 2007, p. 182) agora também estão presentes em outros dispositivos ligados à internet que não apenas o computador. As novas tecnologias midiáticas fizeram com que o conteúdo fluísse por canais e formatos distintos, e, assim, os aparelhos celulares se tornaram peças fundamentais para o processo de convergência das mídias (JENKINS, 2009).

O projeto Locast Civic Media representa todo o potencial de velocidade da informação. Em sua fase incial, a prática uniu a mobilidade e a web na captura de vídeos e áudios por meio de telefones celulares com a tecnologia Android, pelos quais foram reportados notícias e acontecimentos nos ambientes urbanos de Porto Alegre. Locast Civic Media trouxe alunos e profissionais da comunicação atuando como o cidadão-repórter, peça-chave do jornalismo colaborativo, coletando materiais que foram disponibilizados em tempo real na internet.

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“A cultura da convergência é altamente produtiva” (JENKINS, 2009, p. 341): o jornalismo-cidadão faz crescer imensamente a velocidade, a quantidade de conteúdo produzido e compartilhado na internet, além de ser facilitador do acesso. Hoje, é fácil criar um blog ou contas em redes sociais e alimentá-los com qualquer tipo de informação e obter retorno disso. Para Pierre Lévy:

As realidades virtuais servem cada vez mais como mídia de comunicação. De fato, várias pessoas geograficamente dispersas podem alimentar simultaneamente uma base de dados por meio de gestos e, em retorno, receber dela informações sensoriais. Quando uma das pessoas modifica o conteúdo da memória digital compartilhada, os outros percebem imediatamente o novo estado do ambiente comum. Como a posição e a imagem virtuais de cada um também encontram-se gravadas na base de dados, cada vez que um dos parceiros se move ou modifica a descrição de sua imagem, os outros percebem seu movimento. [...] As realidades virtuais compartilhadas, que podem fazer comunicar milhares ou mesmo milhões de pessoas, devem ser consideradas dispositivos de comunicação ‘todos- todos’, típicos da cibercultura (LÉVY, 1999, p. 105).

O princípio básico do processo de colaboração de informação e mobilidade (e do projeto Locast Civic Media) é, por exemplo: 1) Há um local comum na internet onde são adicionados conteúdos constantemente; 2) Um indivíduo A captura um material áudio/vídeo sobre um acidente na Avenida Cavalhada, em Porto Alegre, através do seu celular; 3) Disponibiliza este material na web pelo próprio telefone móvel (no caso do projeto Locast, via aplicativo Locast no celular com plataforma Android); 4) Um indivíduo B, aluno da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e morador da zona sul de Porto Alegre, está a caminho da universidade e ouviu falar no problema de trânsito. Ele decide acessar a internet pelo celular para descobrir o motivo do congestionamento e encontra o material disponibilizado pelo indivíduo A e muda a rota de deslocamento, evitando horas de espera para chegar ao local desejado; 5) O indivíduo B, depois de ver o

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material, decide dividi-lo com conhecidos via Twitter e Facebook, aumentando a abrangência da informação. Tudo de forma muito veloz.

Se os antigos consumidores de informação eram passivos, previsíveis e isolados, os novos são ativos, possuem caráter migratório, são leais a redes e meios de comunicação e são também mais conectados socialmente. Se antes os esforços dos consumidores de mídia eram silenciosos e invisíveis, agora são barulhentos e públicos (JENKINS, 2009). A participação extremamente ativa deste novo consumidor fez com que a ideia de jornalismo colaborativo (ou jornalismo cidadão) se disseminasse. O projeto Locast faz ver que, hoje, qualquer pessoa pode alimentar a necessidade de informação sem precisar ser especialista, apenas baseando-se na natureza humana que é extremamente curiosa na busca de informação. Esta participação não deixa de ser cidadania sendo exercida.

Durante as etapas do projeto, muito se pensou sobre os impactos que essa nova realidade (ou facilidade) poderia causar, e até onde eles iriam. Diferente do que se pensa, a participação do público como produtor de conteúdo, no caso, não vem destruir uma cultura comercial como se imagina, mas traz a oportunidade de diversidade cultural em que a cultura comercial é reescrita, modificada, corrigida, com novos pontos de vista e diferentes possibilidades, então ela é posta a circular novamente (JENKINS, 2009). Logo, veículos, jornalistas e demais profissionais de comunicação não devem se posicionar contra a nova situação em que a comunicação se encontra, em que surgem “jornalistas-cidadãos”, mas sim aceitar a necessidade de coexistir, saber lidar com a nova corrente, sem concorrer:

A convergência corporativa coexiste com a convergência alternativa. Empresas de mídia estão aprendendo a acelerar o fluxo de conteúdo de mídia pelos canais de distribuição para aumentar as oportunidades de lucros, ampliar mercados e consolidar seus compromissos com o público. Consumidores estão aprendendo a utilizar as diferentes tecnologias para ter um controle mais completo sobre o fluxo da mídia e para interagir com outros consumidores. As promessas desse novo ambiente de mídia provocam expectativas de um fluxo

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mais livre de ideias e conteúdos. Inspirados por esses ideais, os consumidores estão lutando pelo direito de participar mais plenamente de sua cultura. Às vezes, a convergência corporativa e a convergência alternativa se fortalecem mutuamente, criando relações mais próximas e mais gratificantes entre produtores e consumidores de mídia (JENKINS, 2009, p. 46).

Bem como a nova situação social de interação entre produtores e consumidores de comunicação, as transformações e a velocidade das notícias, outro fator relevante que não pode deixar de ter atenção é o impacto sobre a prática jornalística. Fernando Firmino da Silva (2009) afirma que as mudanças na prática, na cultura das redações e no processo de produção e distribuição de conteúdo são provenientes de um novo ambiente de convergência com uma multiplicidade de suportes e expansão da mobilidade. Para ele, a introdução das platafomas móveis trouxe a capacidade de expandir a mobilidade para a produção e consumo da notícia, assim, tanto produtores e consumidores se encontram num estado de movimento, em situação ubíqua e “pervasiva”. No processo de produção é possível publicar conteúdos instantaneamente, entrar ao vivo e facilitar o deslocamento sem maiores equipamentos, há também a possibilidade de atualização mais contínua de conteúdos podendo alimentar a ânsia por notícias atualizadas com agilidade, logo, o celular ou o conjunto de tecnologias móveis torna-se ideal para a prática, permitindo a instantaneidade ubíqua da notícia em diversos formatos e situações de geolocalização como parte integrante da rotina de produção, consumo e circulação de conteúdos (SILVA, 2008, AGUADO; MARTINEZ, 2008 apud SILVA, F.F., 2009).

A etapa inicial do projeto Locast Civic Media, que aconteceu no final de 2009, caracterizou-se pelo imediatismo, interatividade, instantaneidade e “pureza” da informação. Ao sair a campo para fazer coberturas foi possível disponibilizar rapidamente o material coletado, definir a geolocalização para dar pontos referenciais do acontecimento e manter o caráter “amador”, sem edições, trazendo toda a essência da veracidade e naturalidade da captação, para Henry Jenkins (2009, p. 45), “quando as pessoas assumem o controle das mídias, os resultados podem ser maravilhosamente criativos podem ser também uma má

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notícia para todos os envolvidos”. De fato, ser cidadão-repórter permite diferentes abordagens, pontos de vista inesperados. Quando uma pessoa sem o “olhar jornalístico” capta uma informação e a divide, esta carrega uma bagagem cheia das particularidades do indivíduo que a produziu.

O processo de coleta de informações no projeto Locast é merecedor do termo “interatividade” como uma das principais características, já que esta palavra carrega a ideia de participação ativa de um indivíduo em uma transação de informação, logo, um receptor de informação nunca é passivo. Desta forma, a interatividade estabelecida no processo de comunicação por mundos virtuais (no caso a disponibilização na internet) faz com que seja possível que pessoas distantes possam entrar em contato e comunicar-se por meio do compartilhamento de uma “telememória” em que qualquer indivíduo, independentemente da sua posição geográfica ou suporte físico tenha acesso (LÉVY, 1999).

“Na era informacional, a comunicação deve ser pensada como direito e não somente como negócio, ou seja, a gratuidade ajuda a consolidar a ideia da comunicação como um direito humano essencial” (SILVEIRA, S.A., p. 41). Um fator que merece atenção em toda a questão de informação em tempos de convergência, também visto no projeto Locast. Trata-se da utilização como representatividade cidadã. Uma das equipes do projeto noticiou sobre as condições precárias e engarrafamentos de algumas vias secundárias de Porto Alegre, este interesse aponta a visibilidade que o jornalismo cidadão tem, de trabalhar um assunto que nem sempre é contemplado pelos grandes veículos. Atualmente, a impressão que se tem é que estas abordagens, que mostram as carências do ponto de vista da população, já não estão tão presentes ou não têm recebido alguma atenção ou destaque dos grandes veículos. A participação popular, por meio do jornalismo- cidadão, vem também reaproximar a opinião pública do jornalismo, fazendo com que o público se sinta melhor representado. A exemplo do processo feito no projeto Locast, a mobilidade permite maior liberdade de expressão ao cidadão produtor de conteúdo. Isto pode, futuramente, numa utilização em larga escada, incentivar uma democratização dos conteúdos (notícias) disponibilizados às pessoas devido à facilidade de

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produção e acesso. O trecho de Jenkins (2009, p. 325-326) ilustra a situação atual da mídia diante da sociedade:

A indústria midiática está adotando a cultura da convergência por várias razões: estratégias baseadas na convergência exploram as vantagens dos conglomerados; a convergência cria múltiplas formas de vender conteúdos aos consumidores; a convergência consolida a fidelidade do consumidor, numa época em que a fragmentação do mercado e o aumento da troca de arquivos ameaçam os modos antigos de fazer negócios. Em alguns casos, a convergência está sendo estimulada pelas corporações como um modo de moldar o comportamento do consumidor. Em outros casos, a convergência está sendo estimulada pelos consumidores, que exigem que as empresas de mídia sejam mais sensíveis a seus gostos e interesses.

Dessa forma, este desenvolvimento tecnológico que acompanhamos, ao invés de ser uma força contra, de separação, alienação ou estagnação das formas de solidariedade sociais, poderá servir como instrumento de cooperação e solidariedade múltiplas (LEMOS, 2002). Esta força promovida pela participação popular de notícias de comunidades/localidades menores ou extremamente específicas pode proporcionar alguma pressão frente a governos, buscando serem vistos/ouvidos, esperando ações.

Enfim, a convergência não depende de qualquer mecanismo de distribuição específica, ela representa a mudança de paradigma em que a circulação de conteúdos de mídias específicos viaja por diversos canais direcionados a diferentes formas de acesso a estes conteúdos (JENKINS, 2009). O projeto Locast vem experimentar as profundas modificações que da sociedade atual sofreu em poucos anos (convergência). A todo o momento, em qualquer lugar, é possível encontrar conteúdos/fatos recém-registrados e disponibilizados por qualquer pessoa no mundo, seja ela especialista no assunto ou não. Este indivíduo vai produzir materiais com “marcas pessoais” de acordo com a sua bagagem cultural e vivência social acrescidos a intenções particulares, e compartilhará em segundos, deixando disponível ao

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acesso de outros indivíduos. Hoje, pode-se viver no papel de produtor e consumidor de comunicação seja por qualquer motivo, na fala de Henry Jenkins (2009, p. 341): “a participação torna-se importante direito político, [...] o surgimento de novas tecnologias sustenta um impulso democrático para permitir que mais pessoas criem e circulem mídia”.

REFERÊNCIAS

JENKINS, H. Cultura da convergência. 2 ed. São Paulo: Aleph, 2009. LEMOS, A. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura

contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2002.

LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.

SANTAELLA, L. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.

WURMAN, R. S. Ansiedade de Informação. São Paulo: Cultura Editores Associados, 1999.

SILVA, F. F. Tecnologias móveis como plataformas de produção no jornalismo. In: LEMOS, A.; JOSGRILBERG, F. (Org.). Comunicação e

Mobilidade: aspectos socioculturais das tecnologias móveis de

comunicação no Brasil. Salvador: EDUFBA, 2009.

SILVEIRA, S. A. da. Espectro aberto e mobilidade para a inclusão digital no Brasil. In: LEMOS, A.; JOSGRILBERG, F. (Org.). Comunicação e

Mobilidade: aspectos socioculturais das tecnologias móveis de

MUDANDO O TOM: A PLATAFORMA LOCAST E A