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2.3 O PENSAMENTO CONSERVADOR SEGUNDO SIR ROGER SCRUTON

2.3.3 Considerações a respeito do liberalismo

Segundo Scruton (2015), a expressão liberalismo tem dois significados principais, dependendo do momento histórico em que eles são analisados. No século atual, nos EUA, a expressão liberalismo significa ser de “esquerda”. Esquerda, por sua vez representa uma maior intervenção do Estado na vida privada e na economia, muito mais do que sempre foi proposto pelos conservadores, os quais apregoavam a menor interferência do Estado na economia e na vida dos cidadãos. A mesma expressão liberalismo, no século XIX, quando os partidos liberais começaram a se formar, representava a liberdade individual e não a coerção política que predominava.

O autor se propõe neste capitulo a analisar a expressão liberalismo sobre a ótima filosófica que pressupõe a liberdade do indivíduo como a principal finalidade de sua existência.

A representação da ordem social religiosa está contida na bíblia e no alcorão. Esta ordem possui leis provenientes de prescrições divinas, e os atos governamentais são executados por indivíduos que são vistos como delegados de uma divindade. As religiões encontram sua fundamentação na piedade, que representa a submissão às leis divinas.

As religiões, portanto, sempre tiveram um papel de união e proteção contra terceiros e também garantiram a reprodução de um determinado grupo, pois, em todos os lugares do planeta, em algum momento, ela foi o fator dominante para a formação de uma sociedade. Teve vantagem este pensamento para questões de ordem econômica, mas não para a liberdade do indivíduo.

Já a ordem política, diferente da religiosa, representa a elaboração de suas leis a partir das decisões humanas sem a influência de uma ordem divina. Estas leis são decisões políticas, ou seja, provenientes da discussão, da participação e da divergência. Isto possibilitou a criação de uma estrutura social que se denominou cidade-estado e onde se iniciou discussões sobre as grandes questões de justiça, de autoridade e de constituição do estado. O liberalismo, portanto, surgiu a partir de uma reflexão de vários séculos sobre o que é imprescindível: se as pessoas devem ser governadas por consentimento (de bom grado) por leis elaboradas pelos homens, ou pelas leis de Deus. Uma sociedade onde o governo é feito por consentimento é uma sociedade onde os cidadãos mantem relações entre si e entre aqueles que eles próprios elegem como autoridade.

Um dos exemplos do liberalismo foi na utilização do chamado common law, no qual as leis se sustentam a partir de transações voluntárias e não por imposição. O common law é uma síntese, um princípio que advém do que os seres razoáveis já aceitam, explicitamente ou não quando se envolvem em transações de todos os tipos. Exemplo são os princípios da responsabilidade civil, segundo o qual o agente deve compensar a vítima; o outro princípio é o do contrato, onde aquele que o viola deve compensar o outro pela perda; e o princípio da igualdade segundo o qual aquele que busca a igualdade também deve realiza-la. Tudo se baseia portanto, no acordo voluntário, ou seja na liberdade de expressão. SCRUTON (2015) As decisões são livres quando cada um de nós decide o próprio caminho para sua vida utilizando-se da negociação de acordo com o melhor juízo e sem coerção.

O liberalismo tradicional representa a visão na qual a sociedade enxerga que somente é possível sua existência se seus membros tiverem soberania sobre as próprias vidas. Portanto, o que significa ser livre? Livre significa ter condições tanto para dar quanto para recusar o consentimento em quaisquer relações. Esta soberania individual por sua vez, só existe onde os Estados garantam esses direitos. Direitos tais como: a vida, a integridade física e a propriedade (privada). Desta forma, o Estado protege os cidadãos de violação de terceiros, incluindo a violação e coação praticada pelo próprio Estado (impostos injustificados).

“Uma democracia moderna é, necessariamente, uma sociedade de

desconhecidos. E, uma democracia bem sucedida é aquela em que os desconhecidos estão, de modo claro, incluídos na rede de obrigações”.

(Scruton, 2015, p. 109, grifo nosso).

Sobre a definição de cidadania, Scruton (2015) refere-se ela como a possibilidade que as pessoas tem de viver em uma sociedade consensual formada por indivíduos soberanos, incluindo a disposição de agir conforme as obrigações para com os indivíduos que não conhecemos. Esta característica de cidadania permite que os desconhecidos permaneçam unidos contra a autoridade e possam, também, reivindicar seus direitos comuns. Também por esse motivo, ocorre uma defesa contra a opressão e permite as dissidências. Sem este recurso, da dissidência, não haveria expressão para as oposições, a menos que estas se transformassem em conspirações para tentar controlar o poder dominante.

Portanto, todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional da cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Contudo, os conceitos de liberdade foram-se expandindo até a criação de outros direitos, criando-se uma inflação de direitos. Em consequência, ocorreram conflitos pelo confronto de legislações.

Desse modo, os terroristas na Grã-Bretanha têm conseguido impedir as tratativas de deportação alegando que esse ou àquele “direito humano” seria violado se isso fosse feito. Sem um critério que nos permita distinguir os genuínos direitos humanos daqueles dissimulados, nunca estaremos certos de que as nossas disposições legais, apesar de sábias, benevolentes

e responsáveis, nos protegerão do desejo individual de desrespeitá-las. (Scruton, 2015, p. 116)

No sentido das liberdades fundamentais, a situação ainda se torna mais conflituada quando se confrontam com outros direitos que são acrescidos em nome da não discriminação. Tanto o poder legislativo quanto o judiciário, emitem leis que se chocam com os princípios das liberdades fundamentais. Com isso, se perde o propósito original da defesa dos direitos naturais do liberalismo.

As reinvindicações universais indicam inevitavelmente o Estado como único provedor possível. E a pretensão a direitos extensos e vagos exigem uma grande expansão do poder estatal, em uma renúncia em favor do Estado de todos os tipos de responsabilidades que, anteriormente, eram atribuídas aos indivíduos, além da centralização da vida social na máquina governamental. Noutras palavras, tal reivindicação de direitos empurra-nos, inevitavelmente, numa direção que, para muitos, não só é desastrosa em termos econômicos, mas inaceitável em termos morais. É uma direção diametralmente oposta àquela introduzida na origem da ideia de direitos humanos – direção que acarreta o aumento, e não a limitação, do poder do Estado. (Scruton, 2015, p. 119)