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As inúmeras reflexões a respeito das ideias conservadoras dizem que um homem que possui uma disposição conservadora irá valorizar o que tem no presente, não porque elas sejam superiores a uma alternativa hipotética, mas sim, justamente porque não são uma alternativa hipotética. Para alguns, o conservadorismo teria uma raiz inata, instintiva, assim como por exemplo o instinto à vida, o instinto sexual, o instinto a segurança. Para outros, o conservadorismo assemelha-se a uma fé religiosa. Para Coutinho (2014), a razão do conservadorismo está na noção da horda primitiva no qual o homem pré-histórico tinha necessidades de garantir a sua sobrevivência material. Ou seja, o conservadorismo possui uma dimensão existencial anterior ou, ousa-se dizer, até superior a qualquer ideologia política existente ao longo de toda a história. Sintetizando todas os conceitos que permeiam as ideias de vários pensadores, é possível qualificar o conservadorismo mais como uma “disposição”, pois o conceito de ideologia não se sustenta na visão dos alguns autores conservadores.

Faz-se necessário salientar que, por mais contraditório que possa parecer, a disposição conservadora e o conservadorismo político, necessariamente não coabitam no mesmo indivíduo. Esta afirmativa se comprova através da observação de que existem indivíduos que possuem uma disposição conservadora em relação a sua vida, porém, não possuem uma preferência política pelo conservadorismo. E o oposto também existe: encontramos pessoas com uma posição mais radical na condução de suas vidas assim como possuem uma identificação com a política conservadora. Coutinho (2014)

Partindo desta breve introdução a respeito do conservadorismo, entraremos na análise do conservadorismo político, tema deste trabalho.

Tal como os homens que possuem uma disposição conservadora, o conservadorismo político também transportará para a esfera política essa tendência pelo próximo, pelo suficiente, pelo conveniente – recusando a “felicidade utópica”, tipicamente encontrada nas atitudes revolucionárias.

Importante salientar que, a disposição política conservadora não somente recusa a felicidade utópica, caracterizada pelos revolucionários; ela possibilita diferenciar o indivíduo conservador do indivíduo reacionário.

A grande diferença entre os dois é que o indivíduo reacionário não admite mudanças; vive no presente, reverenciando o passado. Já o conservador, admite todas as mudanças, porém, aceita-as com a devida cautela. Interessante salientar que, tanto nas posições revolucionárias quanto nas posições reacionárias, a busca pela “felicidade utópica” é a mesma; esta espera encontrá-la através da manutenção das ideias do passado; àquela pelas ideias do futuro. Neste contexto, de passado e futuro, cabe ao agente conservador manter o equilíbrio, buscando no passado os resultados positivos, para, vivendo-os no presente, projetá-los ao futuro. (Coutinho, 2014)

Um conservador tenderá a recusar as fantasias que partem de um duplo engano: a de que a natureza do homem se apresenta fixa e inalterável e, por esta razão, deseja necessariamente as mesmas coisas; e, por outro lado, o engano de que os valores mais importantes para a existência humana podem ser vivenciados na sua expressão máxima, como exemplo a liberdade, a igualdade, a fraternidade, sem que haja conflitos entre eles. Portanto, o conservadorismo político, ao recusar os apelos do pensamento utópico, entende o potencial de violência e desumanidade que a política utópica representa, reagindo defensivamente quando os pilares tradicionais de uma sociedade estiverem ameaçados. (Coutinho, 2014)

Para Coutinho (2014), a admissão da imperfeição intelectual do ser humano conduz o agente conservador a uma atitude de humildade e prudência diante dos fatos, tornando inaceitável uma política utópica. Discorda de Joseph de Maistre5 quando este defende que os verdadeiros legisladores governam baseados em um poder indefinível, um instinto que os guiará para a melhor condução de suas demandas. Para um conservador, o excesso da razão é tão prejudicial quanto a falta dela e governar significa acautelar-se diante dos caminhos, preferindo o meio termo das decisões para que não sucumba aos apelos verossímeis da política.

5 1753 -1821 Conde Joseph-Marie de Maistre foi um escritor, filósofo, diplomata e advogado. Foi um dos

proponentes mais influentes do pensamento contrarrevolucionário ultramontanista no período imediatamente seguinte à Revolução Francesa de 1789.

Coutinho (2014) defende a importância da identificação das circunstancias na conduta do agente político conservador, pois serão estas que determinaram a forma de atuação diante de uma ameaça. Portanto, é exatamente esta prudente análise das circunstancias que dá ao conservador seu tom mais elegante e diferencia suas decisões daquelas mais radicais. É fato, pois, que o conservador tem uma sensibilidade apurada, ou pelo menos mais apurada do que os seus rivais ideológicos, para situações de mudança repentina, em que a possibilidade de perda é maior. É justamente esta ponderada análise que permitiu a Burke vislumbrar, na Revolução Francesa, o seu destrutivo resultado, assim como, no século XIX, Benjamin Disraeli6 foi capaz de identificar e suprimir o perigoso antagonismo das classes trabalhadoras e a aristocracia, alargando os direitos trabalhistas aos operários.

O conservadorismo, por entender a capacidade destruidora que existe em uma política utópica, irá identificar a necessidade de reagir defensivamente diante desta política. Esta reação, é que leva alguns pensadores a identificarem o conservadorismo como uma “ideologia posicional reativa”, que se manifesta, somente, na medida em que há necessidade de um enfrentamento histórico especifico, ou seja, emerge diante de uma ameaça que ponha em risco os alicerces institucionais de uma sociedade. “Consequentemente, quando essa necessidade desaparece, a filosofia conservadora submerge”. (HUNTINGTON, 1957 apud COUTINHO, 2014, p. 29)

Contudo, na visão de Coutinho (2014), o conservadorismo não conserva tudo; apenas os arranjos tradicionais que objetivam a uma vida melhor. O conservador não é indiferente as questões sociais que impedem muitos seres humanos de se beneficiar de um patrimônio moral e institucional pertencentes a sociedade. Porém, a única forma de estender esse acervo aos mais desfavorecidos não significa, destruí-lo. Significa, antes pelo contrário, preservá-lo de modo que todas as gerações possam também usufrui-las.

Na visão de Coutinho (2014), as tradições de uma sociedade não têm apenas um papel educacional. Para um conservador, elas são valiosas porque

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(1804-1881) Primeiro ministro britânico, em 1868 e de 1874 a 1880, foi o principal responsável pela política de defesa das classes trabalhadoras realizada pelo Partido Conservador britânico e pelo desenvolvimento da democracia na Grã-Bretanha.

possuem um papel epistemológico e político fundamental, pois se apresentam como o acervo das nações e gerações, capazes de oferecer ao estadista recursos valiosos para a condução de uma comunidade política.

“São as tradições que cobrem a natureza nua dos indivíduos com as vestes do costume e do hábito”. (Burke, 1997, apud Coutinho, 2014, p. 60, grifo

nosso)

Para Coutinho (2014), não é por medo da perda que o conservador valoriza as tradições que resistem ao tempo; ele as valoriza justamente porque elas resistem ao tempo. Esta capacidade de manter-se viva através do suave véu do tempo que a tudo desgasta é que dá as tradições o seu indelével valor.

Quanto às reformas que, muitas vezes, se fazem necessárias na política, tema central do presente trabalho, para o conservador elas terão como elemento necessário a tradição.

A reforma não só não exclui a tradição como se baseia nela, entendendo- a como ponto de partida para qualquer ação reformista. Reformamos o que existe e, mais importante ainda, reformamos porque surgiu a necessidade de reformar algo que veio até nós. (Coutinho, 2014)

Neste contexto, como exemplo, Coutinho (2014) nos mostra como a Revolução Americana foi apresentada como uma revolução conservadora. Quando os colonos começaram a exigir para não serem taxados por um Parlamento no qual não se encontravam representados eles não estavam apelando para doutrinas abstratas, mas reivindicando liberdades e privilégios constitucionalmente estabelecidos na metrópole e que o Rei George III suspendera de maneira arbitrária. Portanto, estavam os colonos apelando para a conservação das velhas liberdades e da velha ordem. (Coutinho, 2014)

O conservadorismo político surge assim, indissociável de uma ideia de reforma. Mas não uma ideia qualquer de reforma, como se o mero ato de mudar fosse suficiente em si mesmo. A reforma, contudo, não deve apenas partir das circunstancias presentes ou passadas de determinada comunidade. A reforma conservadora deve ser feita a tempo de evitar situações revolucionárias, que são o contrário de uma reforma prudente. Além disso, é função do político reformista e conservador avaliar com zelo e critério o que deve ser reformado e o que deve ser preservado. Trata-se de um critério que, uma vez mais, reforça a natureza reativa da

ideologia conservadora: ao político conservador cabe uma atitude vigilante que seja capaz de identificar o que falta sem alterar o que deve ser mantido. (Coutinho, 2014)

O conservadorismo, portanto, deve começar por respeitar a natureza dos homens. E isso significa observar a vontade destes em participar num sistema em que são as escolhas naturais e livres dos indivíduos, e não a imposição autoritária de um padrão único de preferências ou comportamentos, que devem ser soberanas. Essa é a posição que Thatcher reforçou dois séculos depois dos escritos de Smith e Burke: antes de valorizarmos as vantagens materiais de uma “sociedade comercial”, devemos começar por relembrar a superioridade ética dessa sociedade.[...]. Os resultados econômicos são melhores porque a filosofia moral é superior. É superior porque começa pelo indivíduo, pela sua singularidade e pela sua capacidade de escolha”. (Coutinho, 2014, p. 87)

Portanto, o conservadorismo, entendido como uma ideologia de reação tem sua definição na atitude antiutópica que é. E por esta razão, sua função estará alicerçada nos princípios do reconhecimento da imperfeição humana perante a complexidade e as contingências que acompanham o ato de governar; no reconhecimento das diferentes concepções do bem que definem as sociedades abertas, democráticas e pluralistas; pelo respeito às tradições úteis e benignas que sobreviveram aos diferentes “testes do tempo” e pela valorização e proteção de uma “sociedade comercial”, entendida como condição fundamental para a realização da natureza dos homens e para o bem estar da sociedade.

Quanto à sociedade comercial, o conservador defende o mercado livre sob o império da lei e reconhecerá que a criação de riqueza será sempre condição básica para que uma comunidade civilizada possa resgatar da pobreza e da provação os mais velhos, os mais doentes e os menos afortunados. A admissibilidade de uma natureza comum será também uma forma de repetir a velha máxima de que, em cada destino amargo, poderia estar o meu destino. (Coutinho, 2014)

Ao descrever a imperfeição intelectual humana, COUTINHO (2014) se manifesta dizendo que o conservador se opõe à procura de ideais utópicos, sejam eles revolucionários ou reacionários, porque esses devaneios estão assentados na arrogância própria de quem se considera onipotente e onisciente para realiza-los, ignorando “a sua própria cegueira” e os eventuais fatos da vida que sempre recaem sobre a conduta dos homens.

Um governo de atitudes conservadoras terá sempre posturas mais modestas e prudentes na sua função, pois, reconhece nestas atitudes a quantidade de valores e objetivos de vida que os seres humanos procuram por sua conta e risco no contexto de uma sociedade pluralista. Isto significa que não cabe ao poder político decidir sobre quais valores as pessoas conduzirão suas vidas, pela razão de que são os individuos que vivem essas vidas; e cabe a eles, numa atitude de erro ou acerto, perseguir os objetivos que entendem certos, sem a mão paternalista do Estado. Tal posição não apenas distingue o conservadorismo de alternativas ideológicas rivais à esquerda, mas à direita também e, em particular, em confronto com outras tradições conservadoras de natureza monista, ou seja, defensoras da aplicação de um valor, ou um conjunto de valores absolutos, sobre uma realidade que acreditam ser caótica ou decadente.

Portanto, o que cabe a um político conservador é o reconhecimento da especifica e limitada ação de um governo; aquelas ações que lhe compete executar por desejo e dever e, sobretudo, aquelas que não deve e não pode executar. E uma das ações que um governo de características conservadoras não pode realizar é a imposição de suas vontades sobre terceiros, “como se a vida alheia pertencesse a um dono sem rosto.” (Coutinho, 2014, p. 103)

O que é esperado de um governo conservador é que ele tenha a capacidade de garantir aos cidadãos a aplicação e manutenção de regras gerais de boa conduta, ofertando a todos a possibilidade de alcançarem seus objetivos. Assim como para a política, isto serve também, para todas as ideologias. Esta atitude nunca deverá servir de trampolim para projetos individuais – mesmo que se identifique alguma nobreza neles; aos projetos particulares cabem exclusivamente os particulares.” (Coutinho, 2014)

Concluindo sobre ser conservador na política e radical com o resto, o autor diz que: “[...] a única forma de “vivermos e deixarmos viver” pressupõe a

inexistência de radicais a governar-nos. Nós toleramos monomaníacos, é o nosso hábito faze-lo”, mas porque motivos deveremos ser governados por eles?”. (Oakeshott, apud, Coutinho, 2014, p. 104, grifo nosso)

3 OS FATOS QUE IMPACTARAM A OPINIÃO EUROPEIA CULMINANDO NA SAÍDA DO REINO UNIDO DA UNIÃO EUROPEIA

3.1 A COMPOSIÇÃO DO REINO UNIDO, SUA CONSTITUIÇÃO, FORMAÇÃO