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CAPÍTULO 3 CONFIGURAÇÃO DO SETOR SUCROALCOOLEIRO

3.1 Considerações sobre a cultura canavieira

Segundo Neves e Conejero (2010), o cultivo da cana-de-açúcar pode ser resumido pelo ciclo representado na figura 3.1:

Figura 3.1 – Fluxo de cultivo da cana-de-açúcar

Preparação do solo Plantio manual ou mecanizado Tratos culturais Colheita manual ou mecanizada 1 2 3 0 4

Fonte: Neves e Conejero (2010)

Na região Centro-Sul o ciclo completo da cana-de-açúcar é de geralmente 6 anos. Nesse período, ocorrem cinco cortes – o primeiro é realizado 12 ou 18 meses após o plantio, quando se colhe a “cana planta”, nos demais se colhe a “cana soca”, corte realizado

uma vez por ano, com redução da produtividade de aproximadamente 10 t/ha a cada ano –, quatro tratos culturais e uma reforma (NEVES; CONEJERO, 2010).

No sistema tradicional de colheita, o estágio 4 do fluxo de cultivo da cana é realizado a partir da queima prévia da cana-de-açúcar e corte manual da cana inteira. Porém, esse modelo em algumas regiões – especialmente as com menor declividade do solo – vem sendo substituído pela colheita mecanizada da cana crua em função das restrições ambientais17.

No Brasil foi estabelecido o protocolo agroambiental18 entre os players da cadeia de suprimentos e governo que possui como uma das diretivas a eliminação da queima da cana-de-açúcar antes do previsto por autoridades competentes que prevê a antecipação do prazo final – 2021 – para a eliminação da queima nos terrenos com declividade até 12% para 2014, com adiantamentos do percentual de cana não queimada em 2010 de 30% para 70%. Para áreas com declividade maior o prazo foi reduzido de 2031 para 2017. E em áreas de expansão de canaviais, a queima não deve ser utilizada.

Há uma diversidade de argumentos para a mecanização da lavoura de cana-de- açúcar, entre eles, o aumento da longevidade do canavial, ganhos ambientais, melhoria da qualidade da lavoura pela racionalização do uso de herbicidas, menor erosão, maior atratividade microbiana entre outros.

Apesar desses benefícios e da evolução tecnológica, a mecanização gera perdas de postos de trabalho, com dificuldades de realocação profissional desse contingente. Além desse fator negativo, há a dificuldade de adoção das colheitadeiras e outros implementos necessários para seu uso por pequenos e médios produtores dado o elevado investimento, que está além da capacidade da grande maioria dos fornecedores19.

Outro problema relacionado à mecanização e citado nas entrevistas de campo é a de que para que o maquinário não destrua parte da colheita, o sulco deve ter um espaçamento mínimo de 1,30-1,50m, o que pode ser realizado em canaviais novos. Nos canaviais que ainda não foram para reforma, esse ‘sulcamento’ fica inviabilizado, dificultando a negociação com o fornecedor para a mecanização da área.

Além dessa não adaptação, alguns prestadores de serviços – corte e colheita – não possuem ainda competência suficiente para a atividade e parte do canavial é perdido

17Foi criada, em 19 de setembro de 2002, a Lei nº 11.241, que dispõe sobre a eliminação gradativa da queima de

cana no Estado.

18 Protocolo de cooperação agroambiental. Programa Etanol Verde.

19A escala mínima para viabilizar o investimento é de 120.000 t. de cana. No Brasil, 90% dos fornecedores

nessa etapa da produção, de acordo com as informações obtidas na pesquisa de campo. Segundo um dos entrevistados, ainda não há um preparo adequado pelos prestadores desse serviço e o nível de perdas na fase de colheita pode chegar a 10%.

Porém, algumas usinas vêm se utilizando de controle via GPS na fase da colheita, o que o permite manter a mesma rota do plantio, compactando apenas as áreas em que já passou o maquinário no momento do plantio. Os dados sobre a carga são enviados à usina que, quando recebe a cana, já tem conhecimento sobre a quantidade que será fornecida por aquele caminhão e de qual área adveio aquela cana. Com essas informações e com o controle de qualidade no momento da entrega é possível corrigir áreas de baixa produtividade.

A partir desse controle é possível mapear sistematicamente o canavial, otimizando o uso de fertilizantes e herbicidas em determinadas áreas da lavoura dependendo de suas necessidades. Esse mapeamento também permite que a cana seja cortada e colhida dentro PUI adequado dependendo da variedade plantada, o que é potencializado com a capacidade de setorização do canavial que a usina possui.

Outra consideração em relação à mecanização da lavoura é o tamanho da propriedade. Para viabilizar a implantação dos equipamentos é interessante que as propriedades não sejam de pequeno porte, pois a logística dos equipamentos e implementos de CCT é muito complexa para ser implementada em pequenas propriedades. Nessas condições, a pequena propriedade passa a não ser mais interessante para as usinas. Porém, na região Oeste, foco da pesquisa nesta tese, as propriedades são de pequeno porte, o que tem dificultado a seleção de áreas adequadas.

Outro aspecto que caracteriza a evolução tecnológica da produção de cana-de- açúcar no Brasil é o início do processo de utilização de práticas sustentáveis na produção a campo. Especialmente quando o consumo de álcool começou a aumentar significativamente no Brasil e consequentemente a produção, alguns questionamentos sobre essa expansão surgiram como a competição da cana-de-açúcar por áreas de plantio de alimentos, poluição da água e ar.

Como já apresentado anteriormente, a mecanização surgiria também como forma de reduzir a poluição do ar causada pela queima da cana e problemas de cunho trabalhista com a utilização de trabalho humano no corte da cana (palha ou queimada).

Porém, não só a produção nacional se transformou tecnologicamente ao longo dos tempos, como os mercados produtores e compradores internacionais, como EUA e UE também passaram a exigir certificações que garantam o compromisso socioambiental na produção a campo de cana-de-açúcar e outras matérias-primas para biocombustíveis, que

representam uma resposta às preocupações relacionadas com a sua sustentabilidade (SCARLAT; DALLEMAND, 2011).

Existem alguns sistemas de certificação para biocombustíveis que variam de forma significativa entre países e em seu escopo e, para Scarlat e Dallmenand (2011, p. 1631,

tradução nossa), “as características específicas dos biocombustíveis, ligadas a diferentes

mercados, produzidos em grandes volumes e envolvidos em uma variedade de padrões de negociação complexos vai representar um enorme desafio para o desenvolvimento de um sistema de certificação”.

No Brasil, algumas usinas vêm adotando voluntariamente algumas dessas certificações internacionais, entre elas: International Sustainability e Carbon Certification (ISCC), Bonsucro-Better Sugarcane Initiative (BSI) e Roundtable on Sustainable Biofuels (RSB) (MOHR; BAUSCH, 2013).

Essas três certificações constituem um primeiro passo para garantir condições de trabalho aceitáveis a partir das normas internacionais. Porém, segundo Mohr e Bush (2013), gera-se um problema que é a intensificação da mecanização com o consequente desemprego dos migrantes rurais. Os autores também colocam que em algumas regiões há extensiva valorização da terra e dificuldade de acesso à produção de cana-de-açúcar por pequenos produtores. Assim, os autores colocam alguns questionamentos a respeito dos processos de certificação, zoneamentos e regulamentos e a eficiência dos mesmos em limitar efeitos sociais indiretos e garantir o acesso à terra.

Mohr e Bausch (2013) afirmam que esses sistemas de certificação tem um escopo muito limitado em relação aos aspectos de sustentabilidade social no que diz respeito à distribuição de terra, concentração da produção e preço das terras em áreas agrícolas mais disputadas.

Para Scarlat e Dallemand (2011), para se garantir a sustentabilidade dos combustíveis por meio da certificação é necessário uma abordagem internacional e uma maior harmonização das exigências combinados com medidas adicionais de monitoramento e controle global.

Partindo para outro aspecto da cultura de cana-de-açúcar, os custos de produção de cana-de-açúcar na região Centro-Sul, segundo Neves e Conejero (2010), o mais significativo é o de CCT, que representa aproximadamente 40% dos custos totais de produção de cana-de-açúcar. Os custos de produção podem ser divididos em seis categorias como mostra a tabela 3.1.

Tabela 3.1 – Custos de produção da cana-de-açúcar Tipo de custo Participação percentual no custo total Colheita e transporte (CCT) 40% Tratos culturais 23% Terra 17% Plantio 10% Administração 4% Preparo do solo 4% Total 100%

Fonte: Neves e Conejero (2010)

Para o melhor aproveitamento da cana-de-açúcar ela deve ser processada pela usina em um prazo máximo de 48 horas de forma a se evitar perdas de sacarose, a partir desse tempo, o rendimento começa a ser onerado por perdas de ordem bioquímica. Já que a cana-de- açúcar representa aproximadamente de 65% a 70% dos custos industriais de produção de açúcar e álcool, é importante que o prazo anteriormente referido seja rigorosamente cumprido, fato que leva algumas unidades industriais a atuarem também na atividade de CCT.

A cadeia produtiva da cana-de-açúcar é formada por diversas peculiaridades, o que, segundo Moraes (2002), tornam muito difícil o equilíbrio entre oferta e demanda em ambiente de livre mercado, pois a matéria prima que alimenta a cadeia – a cana-de-açúcar – é um produto agrícola que está sujeito a riscos climáticos e fitossanitários, à sazonalidade da produção e à renda dos agricultores.

Algumas dessas peculiaridades merecem ser tratadas neste estudo, dadas suas relevâncias nas decisões sobre as escolhas de governança. A cultura objeto deste estudo é de ciclo longo, ou seja, há um período para a viabilização econômica do canavial que é de, no mínimo, cinco cortes; é perecível; tem época para ser colhida; e não pode ser transportada a longas distâncias devido à elevada relação custo do frete/valor da carga. Segundo Neves e Conejero (2010), o raio de transporte da cana não deve ultrapassar, geralmente, 50 km20. Essa

característica exige da cadeia produtiva intensa coordenação para o abastecimento de curto prazo (MORAES, 2002).

Moraes (2000), apoiada pela literatura dos custos de transação, relata algumas especificidades dos ativos envolvidos na transação da cana-de-açúcar. Primeiramente a autora cita a especificidade temporal, considerando que a cana é perecível e precisa ser processada em um prazo máximo para não perder atributos de qualidade. Segundo Marques (2009), a diferença dos custos de processamento industrial da região Norte-Nordeste para a região

Centro-Sul (que possui menor custo) se dá em função das diferenças dos custos e da qualidade da matéria-prima.

Além da questão da perda de qualidade da cana-de-açúcar dependendo do tempo de processamento na especificidade temporal, Moraes (2000) coloca que há também concentração do fornecimento da cana em determinada época do ano – naquela onde o teor da sacarose é maior – o que dificulta o planejamento da usina e a eficiente utilização dos equipamentos de processamento. A autora coloca que, em função desse último fator, há necessidade de mecanismos de incentivo adequados para que a produção não se concentre em um determinado período do ano.

Além dessa especificidade, Moraes (2000) coloca a questão dos ativos físicos, que tem especificidades elevadas tanto para a usina quanto para fornecedores. No caso das usinas, as unidades industriais possuem equipamentos que só podem ser utilizados para a produção de álcool e açúcar ou que dificilmente podem ser alocados para outra atividade. Assim, segundo Moraes (2000, p. 165),

A dependência da unidade industrial em relação à cana do fornecedor será tanto maior quanto maior for a participação da cana de fornecedor relativa à sua capacidade de esmagamento, e quanto maior for o número de outras unidades industriais próximas “disputando” aquela matéria-prima.

Em relação aos fornecedores os maquinários e implementos podem ser parcialmente empregados em outras culturas, porém há um período de 5 anos para o retorno do investimento realizado em plantio, cultivo e tratos do canavial.

Outra característica é a de que a cana-de-açúcar destina-se a ser vendida exclusivamente para as usinas e destilarias próximas à lavoura, fazendo com que o fornecedor necessite assegurar a entrega da matéria-prima. Essa subordinação depende do número de unidades industriais existentes em um raio que viabilize a entrega da cana e da proporção de cana própria esmagada pela usina.

Para Moraes (2000), essas características geram dependência bilateral entre as partes e espera-se que a transação de comercialização de cana-de-açúcar seja realizada por formas mais próximas das hierarquizadas e que o mercado spot, nesse tipo de transação, não seria um mecanismo eficiente de negociar a matéria-prima.

Com relação à frequência, Neves e Conejero (2010) afirmam que, a transação da cana-de-açúcar para a usina é recorrente, o que justifica a construção de mecanismos complexos de governança dessa transação. Porém, há que se considerar que se a transação é

definida como a negociação de um acordo para compra e venda, o que já envolveria a frequência da entrega, segundo Bankuti (2007), todas as entregas de cana-de-açúcar realizadas em um contrato constituiriam uma transação, que, logo, não deveria ser tratada como recorrente como afirmado por Neves e Conejero (2010).

O ambiente institucional vigente até a década de 90, que disciplinou as relações entre fornecedores e usineiros, influenciou o número de contratos formais entre os agentes. Esses eram poucos, apesar das elevadas especificidades da transação, dadas as regras de relacionamento regidas pelo Estado que impunha compromisso entre as partes. Havia a determinação das cotas de fornecimento dos fornecedores junto às usinas, o que assegurava a moagem da cana pelas usinas. Além disso, a lei de 1965 que estabelecida o pagamento da cana pelo teor da sacarose, tornava a comercialização do produto legalmente regulamentada.

Com a desregulamentação, surgiram novas formas de reger as relações entre fornecedores de cana-de-açúcar e usina processadora substituindo a legislação e considerando-se a dependência bilateral entre as partes.