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CAPÍTULO 2 A EVOLUÇÃO DO APARATO INSTITUCIONAL DO SETOR

2.1 Institucionalização do setor: fornecedores e usineiros

Segundo Vian e Belik (2003), a intervenção estatal no setor canavieiro já mostrava suas marcas no período da colonização quando o governo determinou a necessidade dos senhores de engenho moerem cana dos lavradores vizinhos, inclusive com a fixação do preço da matéria-prima. O poder público iniciou sua participação, por meio de decretos e leis, no complexo canavieiro, a partir do final do século XIX. Essa intervenção tinha como objetivo, segundo Vian, Paulillo e Belik (2008), promover a modernização nesse setor e ampliar a capacidade de produção dos engenhos e, segundo Szmrecsányi (1979), também de resolver problemas de excesso de oferta, queda dos preços e desorganização dos mercados internos. Porém, até o advento do Instituto do Açúcar e Álcool (IAA), eles não tiveram resultados práticos devido à falta de infraestrutura tecnológica e também da escassez de estímulos econômicos por parte do governo.

As relações entre os usineiros e os trabalhadores de cana14 até a criação do

IAA eram marcadas por conflitos, que são mostrados em uma passagem de Ramos (1999, p. 94):

Os processos de centralização fundiária e de centralização industrial então em curso implicavam num processo de proletarização dos trabalhadores de cana e do engenho, e ao qual eles procuravam resistir. Essa resistência evoluiu para o confronto direto, com seus agentes chegando a arrancar os trilhos das linhas férreas das usinas e a depredar seus equipamentos.

O mesmo autor afirma que esses conflitos com as usinas não se davam apenas em Pernambuco nas relações com os trabalhadores das propriedades rurais, mas no estado do Rio de Janeiro, que se caracterizava pela forte presença de pequenos fornecedores de cana. Neste estado os fornecedores, na luta pela sobrevivência, também se rebelaram contra as usinas. Essa pulverização, porém, dificultaria, mais tarde, a formação de uma classe organizada que representasse um importante grupo de pressão (MORAES, 2000).

Para dar conta desses conflitos – usinas com trabalhadores e pequenos fornecedores – e de outros no interior do complexo, como o de usineiros e comerciantes- refinadores, a intervenção estatal foi se aprofundando. Devido a essa incapacidade de auto- organização dos agentes do setor, a partir da década de 1930 o Estado passou a intervir diretamente no setor – fase que se estendeu até a década de 90.

Em 1933 foi criado o IAA, que se guiava pelos objetivos de assegurar o equilíbrio do mercado interno e o fomento da fabricação de álcool anidro, controlando a comercialização, fixando preços, cotas de produção e de comercialização e o percentual de mistura à gasolina.

O IAA solucionou o conflito entre usineiros e fornecedores de cana-de-açúcar por meio da criação de cotas de fornecimento e, com os comerciantes, o problema foi resolvido por meio da fixação de preços de venda. Vian (2002) observa que os empresários do setor – os usineiros e donos de destilarias – usavam de seus contatos informais com funcionários do IAA para obtenção de informações privilegiadas e vantagens econômicas, em uma relação de troca, fato que ocasionou conflitos internos e dissidências nas entidades de representação.

14 Os trabalhadores de cana citados por Ramos (1999) eram aqueles que moravam nas propriedades dos senhores

de engenho cultivando pequenos trechos de terra para subsistência e que constituíam mão-de-obra opcional ou de reserva.

A determinação dos limites de produção para cada usina era realizada, segundo Moraes (2000), com base nos estoques de açúcar existentes no país e nas estimativas da safra seguinte; e os limites para cada Estado produtor era atribuído de acordo com os limites de produção e equivalentes à média anual do último quinquênio, além daquelas mesmas considerações para as usinas.

Segundo Moraes (2000, p. 47),

A partir da criação do IAA diversas medidas foram tomadas na década de 30 objetivando o controle da oferta de açúcar, dentre elas: proibição da montagem de novas usinas, engenhos e bangüês em todo o território nacional, sem sua prévia autorização; obrigatoriedade do registro de todas as fábricas de açúcar, álcool e aguardente; estímulo da produção de álcool motor; subordinação de todas as refinarias existentes ao Instituto, além de determinar a montagem e operação pelo IAA de refinarias para o abastecimento do açúcar para o mercado interno. (sic)

Na década de 1940 foi promulgado o Estatuto da Lavoura Canavieira objetivando disciplinar as relações entre fornecedores de cana e produtores de açúcar e álcool. Esse estatuto definia a figura dos fornecedores, instituía seu cadastro e direitos na produção, além de educação e saúde; definia a figura dos lavradores de cana-de-açúcar juntamente com direitos, dos lavradores de engenho, determinava termos de fiscalização das condições de trabalho desta categoria entre outros (BRASIL, 1941).

Segundo Moraes (2000), uma das inovações trazidas pelo Estatuto dizia respeito às cotas de fornecimento, na qual a quantidade de cana própria da usina poderia chegar a 60% no máximo e os 40% restantes de fornecedores externos, que teriam certeza da venda pelo preço fixado pelo IAA, determinação da qual ficavam isentos aqueles usineiros que não dispusessem de fornecedores. Também instituía, segundo Ramos (1999, p. 96), em relação àquela determinação que “as usinas que utilizassem canas de fornecedores em porcentagem maior que os restantes 40% não poderiam reduzir tal participação”, assim como, aquelas usinas que possuíssem mais de 75% de cana própria deveriam transferir o excedente para os fornecedores, artigo do estatuto que, segundo Ramos (1999, p.97), “nunca passou de letra morta”.

Em 1946, com o decreto-lei nº 9.827, artigo 5º, foi estabelecido que (BRASIL, 1946):

As usinas poderão utilizar, com lavouras próprias, até 50% (cinqüenta por cento) dos aumentos de cotas que lhes venham a ser concedidos com base no presente Decreto- lei, destinando a parte restante a fornecedores, lavradores ou colônos, de acôrdo com o plano que for apresentado pela usina e aprovado pelo Instituto do Açúcar e do Álcool. (sic)

No mesmo artigo em parágrafo único:

Reconhecida pelo Instituto do Açúcar e do Álcool a falta de capacidade de produção dos fornecedores das usinas já existentes para a utilização das cotas de fornecimento, na percentagem estabelecida neste artigo, serão estas atribuídas às usinas, para aproveitamento com lavouras próprias.

Para Ramos (1999), essas medidas flexibilizavam a expansão paulista, além de tornar possível, para as usinas já existentes, aumentar a produção própria de cana-de-açúcar, o que era feito pelo reconhecimento do IAA de que os fornecedores não tinham capacidade suficiente de produção. Para o autor as determinações legais permitem entender o processo de integração da lavoura canavieira à indústria.

Mais tarde, na década de 60, esse percentual foi alterado e, dados os aumentos de quotas das usinas, a participação dos fornecedores não deveria ser inferior a 60% desses aumentos, mas ainda considerava a questão da incapacidade de abastecimento pelos fornecedores permitir o abastecimento por cana própria. Essa alteração na legislação permitiria, segundo Ramos (1999), manter distribuindo os benefícios da expansão da agroindústria canavieira aos fornecedores que já se encontravam inseridos no complexo. O estatuto e toda legislação vigente na época permitiram o aumento da participação do fornecimento de cana tanto em São Paulo, quanto em Pernambuco.

Apesar da participação dos fornecedores no abastecimento de cana, Ramos (1999, p. 145) afirma que:

A grande participação da “cana de usina” no total de cana produzido em São Paulo, aliada à expansão da área, [...], demonstra claramente o processo de ocupação do território paulista pelo complexo produtor de cana/açúcar e álcool, que apenas se intensificou a partir da década de 1940, porque já vinha ocorrendo a muito mais tempo. A legislação do IAA não conseguiu deter esse processo. Na verdade, potencializou-o [...].

O autor procurou demonstrar que a formação do complexo sucroalcooleiro se deu pela integração das atividades agrícolas e industrial em uma mesma propriedade, apesar das iniciativas de separá-las, e, que, assim, o processo de especialização da produção agrícola ou industrial jamais chegou a existir na agroindústria canavieira no Brasil.