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6.1 O Projeto “Esperança no futuro”

6.1.4 Considerações sobre o projeto

A descrição do Projeto “Esperança no Futuro” levanta em nós novamente a questão: essa experiência pode ser caracterizada como uma prática positiva de Educação em Valores para o enfrentamento da violência e da indisciplina?

Os professores e a equipe administrativa avaliaram a proposta da escola como positiva, já que sua implementação determinou diversas mudanças na prática da instituição, tais como: os alunos tornaram-se mais autônomos, participativos e compromissados com os estudos; houve melhora no rendimento escolar e da frequência; a violência e a indisciplina foram reduzidas, melhorando o clima escolar; buscaram-se outras formas de resolver os conflitos de maneira mais respeitosa; os professores tornaram-se mais motivados e começaram a adotar práticas mais democráticas; a escola passou a ter uma imagem positiva na comunidade.

De fato, o projeto resultou em mudanças concretas, contribuindo para a redução da prevalência de comportamentos violentos ou a diminuição da indisciplina escolar.

Passamos, então, a sintetizar algumas condições e práticas essenciais para tal resultado.

Inicialmente, cabe destacar que o projeto se originou de necessidades reais e legítimas da escola, a saber: os episódios de violência no entorno escolar, que repercutiam em seu interior; a imagem negativa da instituição escolar perante a comunidade; os problemas nas relações interpessoais entre a comunidade escolar, marcada pelo desrespeito, indisciplina e violência.

Tal contexto foi o gerador de uma proposta de mudança curricular e didática na instituição. A escola assumiu a Educação em Valores como parte de sua função pedagógica e passou a ter como finalidade a construção autônoma de valores universalizáveis, adotando práticas democráticas voltadas para uma convivência respeitosa e justa.

A Educação em valores, na perspectiva da autonomia, conforme afirma Vivaldi (2013), aponta para um trabalho preventivo e de transformação das situações de violência e de indisciplina, contribuindo para a formação ética dos alunos.

Nesse sentido, o caminho trilhado passou, primeiramente, pela intervenção de conflitos. Os professores e a coordenação buscaram abordar, juntamente com os alunos, outras formas de resolver os conflitos não adotando a violência e sim práticas pautadas no respeito. Ficou evidente nas falas dos entrevistados que, embora se buscassem trabalhar diferentes valores morais, como justiça e solidariedade, o valor mais abordado foi o respeito mútuo. Piaget (1932/1994) afirma que, numa atmosfera de respeito mútuo, é possível o exercício de uma convivência equilibrada, na qual os valores morais inspirem as relações interpessoais pautadas na cooperação.

Em segundo lugar, a escola intentou realizar um trabalho voltado para o protagonismo estudantil, por meio de atividades que buscaram o diálogo e os espaços para os alunos se posicionarem sobre a vida escolar. Nessa perspectiva, a escola iniciou o trabalho com assembleias de sala com os alunos, realizadas quinzenalmente durante as disciplinas introduzidas no novo currículo com duração de duas aulas.

As assembleias desempenham papel fundamental para discutir problemas cotidianos da escola. Elas, segundo Puig (2004), garantem momentos de diálogo entre os membros escolares com o objetivo de melhorar o trabalho e a convivência escolar. Nelas, os alunos podem analisar coletivamente as situações ocorridas e refletirem sobre possíveis soluções desses problemas. Além disso, segundo Tognetta e Vinha (2007, p. 1001), as assembleias “transmitem valores como a participação, a cooperação, o diálogo e a autonomia”. Através

delas, podemos oportunizar espaços de participação efetiva dos discentes, na medida em que eles participam da tomada de decisões da escola.

Diferentemente de outras escolas pesquisadas, existe um padrão no modo de agir dessa unidade, o que fortalece as intervenções aí realizadas. As ações foram sustentadas em métodos ativos (PIAGET 1930/1998) de educação moral, como a participação coletiva dos alunos nas práticas escolares, favorecendo um sentimento de pertencimento; a valorização do diálogo entre os diferentes atores, fomentando relações de respeito mútuo e confiança; o trabalho cooperativo entre os discentes; e uma gestão democrática das normas.

Leme (2009) defende a importância dessa democratização da gestão, abrindo espaços para a discussão acerca da convivência escolar. Segundo a autora, as regras escolares devem resultar de decisões coletivas e serem aplicadas com justiça. Ao envolver as crianças em tomadas de decisões e construção das regras em sala de aula, a escola contribui para “uma atmosfera de respeito mútuo na qual professores e alunos praticam a autorregulação e a cooperação” (DEVRIES E ZAN, 1997, p. 130). Também, Puig (1998, p. 16) afirma que a análise crítica do cotidiano escolar e das normas sociais, viabilizada na escola, especialmente por meio das assembleias, contribui para a construção de formas mais justas e adequadas de convivência.

Em terceiro lugar, a escola adotou o trabalho com práticas morais de deliberação – aquelas que valorizavam situações de diálogo, de compreensão e intercâmbio construtivo de razões – e práticas de reflexividade, isto é, as que proporcionam meios para o autoconhecimento, a autoavaliação e a autoconstrução pessoal (PUIG, 2004), tais como jogos de expressão de sentimentos e discussão de dilemas morais, realizados nas novas disciplinas implantadas no currículo. Os professores responsáveis por essas disciplinas e pela coordenação das assembleias recebiam formação específica para a realização das atividades.

A coordenação iniciou também em todas as turmas da escola um trabalho de informação e conscientização sobre o bullying escolar. Essa atividade teve como objetivo conscientizar alunos e professores sobre essa forma de violência presente na convivência entre os pares. Dessa forma, buscaram-se apresentar as características, as causas e consequências do bullying. Além dessas ações, também organizaram-se diversos projetos buscando atender as necessidades da escola. Semelhantes ações visaram a trabalhar as relações interpessoais pautadas no respeito mútuo e a favorecer um ambiente cooperativo na escola. As atividades efetuadas na escola eram revistas constantemente para nelas incluir as mudanças necessárias.

É preciso destacar também no projeto “Esperança no futuro” o papel da formação centrada na escola realizada pela equipe gestora. Tognetta et. al. (2010), Ortega e Del Rey (2002) assinalam que uma das ferramentas necessárias para que o professor possa buscar alternativas aos problemas cotidianos que enfrenta seria a escola investir na formação continuada em serviço. De fato, a proposta implantada na instituição foi viável a partir da formação buscada pela coordenadora. Ela, diante da dificuldade vivenciada no contexto escolar, procurou suporte teórico em cursos e grupos de estudos que abordavam a temática da Educação em Valores. Na escola, a coordenadora iniciou um processo de formação continuada com os professores, através de estudos aprofundados sobre o tema. Esse momento foi fundamental para o fortalecimento das ações propostas e do grupo docente. Além da coordenadora, outros professores buscaram fora da escola realizar estudos sobre a temática, objetivando sustentar teoricamente sua prática.

A formação realizada nessa escola criou um discurso coerente entre a maioria dos docentes quanto ao que eles consideraram ser o papel da escola frente à Educação em Valores Morais dos seus alunos, quais valores deveriam formar, quais estratégias adotariam frente aos problemas disciplinares e conflitos vivenciados no contexto escolar. Diferentemente de outras escolas por nós investigadas, as ações educativas adotadas aqui, em sua maioria, revelaram práticas fundamentadas em conhecimentos científicos.

Embora encontrassem dificuldades, tais como a resistências de alguns docentes, o trabalho na escola transformou-se em uma prática intencional e sistematizada de Educação em Valores, com longo tempo de duração e ampla participação da comunidade escolar, envolvendo docentes, alunos, equipe gestora e demais funcionários.

Apresentamos a seguir uma descrição da segunda experiência selecionada: o Projeto “Conviver”