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Educação em Valores e formação docente

O trabalho com a formação em valores morais nas escolas requer uma boa formação dos agentes escolares de modo a sustentar teoricamente suas práticas cotidianas em prol da construção autônoma de valores entre os alunos.

Os estudos organizados por Tognetta e Vinha (2012) indicam que práticas bem- sucedidas em termos de Educação em Valores e enfrentamento da violência e indisciplina são possíveis somente quando há uma gestão escolar comprometida, tanto com a formação de seus docentes, quanto com o cotidiano de sua comunidade.

No entanto, as práticas cotidianas presenciadas nas escolas revelam uma formação precária dos docentes. Mesmo que se reconheça em documentos legais, tais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (BRASIL, 1996) e nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 1997), a relevância de a escola trabalhar os temas da ética, cidadania e valores morais, a formação docente nesta área ainda é muito precária.

Como exemplo, Tognetta et. al. (2010) constataram em pesquisa realizada com docentes que estes pouco ou nada conhecem sobre o desenvolvimento moral. Também, Vivaldi (2013) mostra que, embora os professores reconheçam a necessidade da Educação em Valores nas escolas, suas concepções sobre o tema são reducionistas e suas práticas são verbais e transmissivas.

Em análises anteriores de experiências de Educação em Valores realizados em escolas públicas brasileiras verificamos a ausência de formação dos agentes escolares para a realização de seus projetos. As escolas realizam projetos de ação a partir de iniciativas particulares baseadas em impressões e conhecimentos do senso comum sem receberem uma formação específica que garanta o domínio de saberes técnicos e científicos discutidos por especialistas (MENIN, ZECHI, 2010).

Também, a pesquisa realizada por Aielo (2012) evidenciou que, apesar da formação moral para a autonomia constar no Projeto Político Pedagógico como um objetivo da escola por ela invesigada, a prática docente refletia uma posição neutra e relativista em que cada professor tinha uma concepção própria sobre moral. As ações docentes eram pautadas em

concepções individuais sobre que valores consideravam mais importantes trabalhar. Não havia uma sistematização sobre o trabalho de educação moral a ser desenvolvido. Os dados da pesquisa mostram ainda que os professores não tinham estudado temáticas relacionadas à moralidade em sua formação inicial, também, nos momentos de formação continuada realizados na escola não havia estudos e discussões de tais assuntos.

Os estudos de Cozin (2008) sobre as relações interpessoais na escola também comprovam a falta de formação dos docentes na área. A autora, ao analisar pesquisas que abordam o tema da formação docente, constatou que pouquíssimos eram os cursos de Pedagogia que efetivamente abordavam conteúdos relacionados ao desenvolvimento moral e a construção da autonomia discente, tampouco se discutia como essa temática poderia ser abordada na escola.

Nesse sentido, diversos autores têm destacado a relevância de se investir na formação inicial e continuada de professores de modo a garantir um conhecimento teórico que embase as práticas docentes (ARAÚJO, 2007; MENIN; ZECHI, 2010; MENIN, BATAGLIA, ZECHI, 2013, VIVALDI, 2013, TOGNETTA, et. al., 2010, entre outros). Entender o processo de funcionamento do desenvolvimento do ser humano e a forma como cada um se relaciona consigo mesmo e com os demais pode ajudar a escola e os docentes na elaboração de procedimentos e estratégias “eficazes” para a construção efetiva de valores morais e éticos, em busca da justiça social e da igualdade (ARAÚJO, 2007)

Tognetta et. al (2010) concluem que uma das ferramentas necessárias para o professor aprender a lidar com os problemas cotidianos seria a escola investir na formação docente por meio de um processo formativo em serviço nas escolas. Acrescentam ainda a necessidade de criar espaços de discussões coletivas de modo que todos os membros da equipe escolar possam buscar embasamento teórico e alternativas coletivas para resolução dos conflitos.

Em levantamento bibliográfico por nós realizado encontramos somente um artigo que descreve uma proposta de formação docente sobre Educação em Valores: Carvalho e colaboradores (2004) elaboraram um curso de formação contínua sobre Educação em Direitos Humanos tendo como objetivo formar professores que se tornassem autores responsáveis pela educação em valores dos direitos humanos, democracia e cidadania como princípios que norteiam a prática pedagógica. A formação consistiu em palestras, elaboração de oficinas em direitos humanos nas escolas e debates sobre temas elencados como importante pelos docentes participantes da pesquisa, tais como: formação de valores e cultura jovem e prevenção da violência escolar. Após a realização das palestras se formavam grupos de

trabalhos para reflexão e aprofundamento dos temas e elaboração de possíveis ações a serem realizadas.

Os autores avaliam que esses momentos de formação contribuem para a atuação docente de modo que a temática da democracia e direitos humanos seja alvo do currículo escolar. Também destacam a importância de se criar parceria entre universidade e escola, contribuindo para que os professores possam buscar soluções locais para os problemas vivenciados a partir de um conjunto de valores comuns e vinculados a princípios legais (CARVALHO, et. al., 2004).

Os estudos com os quais dialogamos nesta pesquisa confirmam a relevância e urgência de um processo formativo que contribua para que o docente se torne sujeito ativo na construção da autonomia moral de seus alunos, assim como, na elaboração conjunta de alternativas para a prevenção e redução da violência e da indisciplina escolar.

Desse modo, ao descrever e analisar as estratégias de Educação em Valores realizadas em escolas públicas de diferentes estados brasileiros que têm como finalidade a diminuição da violência e da indisciplina escolar, buscaremos, também, investigar qual é a formação recebida pelas escolas para atuarem nesses projetos e qual é, segundo a concepção dos agentes escolares, a formação necessária para capacitá-los a lidarem com problemas disciplinares vivenciados no cotidiano escolar.

3 CAMINHOS METODOLÓGICOS

A presente pesquisa, que tem como objeto de investigação as relações estabelecidas entre Educação em Valores e o enfrentamento da violência e da indisciplina escolar, implica a aproximação entre diversos contextos em que essas relações se estabelecem e a compreensão dos significados que os agentes escolares atribuem a elas.

Com efeito, este estudo desenha-se na abordagem qualitativa da pesquisa, considerando que seu foco reside na “descrição detalhada de situações, eventos, pessoas, interações e comportamentos que são observáveis, incorporando a voz dos participantes, suas experiências, atitudes, crenças, pensamentos e reflexões, tal e qual são expressas por eles mesmos” (PÉREZ-SERRANO, 1994, p. 46).

A investigação proposta é de caráter descritivo. Ela adota como procedimento para o levantamento dos dados a revisão bibliográfica, a utilização de descrições de projetos obtidos por questionário e a realização de entrevistas semiestruturadas.

Iniciamos o trabalho com uma investigação teórica por meio do levantamento de livros e artigos na área da Educação e da Psicologia da Moralidade. Essa revisão foi realizada para obtermos um levantamento das relações ali tecidas sobre a Educação em Valores e o enfrentamento da violência e da indisciplina escolar e, também, para subsidiar as análises e a interpretação dos dados empíricos.

A busca de livros foi realizada via internet e a partir das referências bibliográficas contidas em artigos. A busca dos artigos foi delimitada pela seleção de periódicos em Educação e Psicologia da Educação de circulação nacional e internacional publicados nos últimos anos (2001 – 2012). A coleta dos artigos foi realizada via internet, em buscas nas bases de dados SCIELO regional, RedAlyc e DOAJ. As palavras-chave utilizadas para a pesquisa foram: educação moral, educação em valores, violência e escola/educação, indisciplina e escola, violência e valores, indisciplina e valores, violência e moral, indisciplina e moral, prevenção e violência, prevenção e indisciplina, violência e formação docente, indisciplina e formação docente, valores e formação docente. Os textos foram selecionados, primeiramente, através da leitura dos títulos e, posteriormente, pelos resumos. Após a leitura, foram escolhidos os que atendiam aos temas considerados fundamentais para a pesquisa: a relação entre violência, indisciplina e a educação em valores; propostas de prevenção e contenção da violência e da indisciplina escolar; violência e indisciplina e a questão da formação de professores; educação em valores e a questão da formação de professores. O material selecionado compõe a fundamentação e a análise teórica desta pesquisa.

Para a investigação empírica de relações entre Educação em Valores, violência e indisciplina em escolas, recorremos ao levantamento das experiências de Educação em Valores realizadas em escolas públicas de ensino fundamental (6º ao 9º ano) e médio de diferentes estados brasileiros que tiveram como objetivo o enfrentamento de situações de violência e de indisciplina. Este levantamento aconteceu com a utilização de dados secundários de um banco geral já disponível e obtido na pesquisa “Projetos bem sucedidos de educação moral: em busca de experiências brasileiras”, iniciada por Menin e colaboradores em 2008, o qual conta com 1058 respostas.

Entre os anos de 2009 a 2010, os pesquisadores contataram as Secretarias Estaduais de Educação de todos os estados brasileiros, solicitando ajuda para que escolas públicas de Ensino Fundamental (6º a 9º ano) e Ensino Médio preenchessem um questionário descrevendo projetos que tivessem realizado e que considerassem bem sucedidos no campo da educação moral.

O questionário dessa pesquisa chegou às escolas, ou na forma on line, ou por escrito, através de remessa por correio, ou por e-mail. Ele foi aplicado junto a diretores, a coordenadores pedagógicos e a professores de escolas públicas de ensino fundamental (6º a 9º ano) e de ensino médio de diversas regiões do Brasil. Organizou-se com 24 questões, abertas e fechadas, que solicitavam aos participantes, após autorização das Secretarias de Educação, suas opiniões sobre a pertinência ou não da Educação em Valores nas escolas, os métodos que seriam adequados para isso. Além disso, pedia um relato de alguma experiência que a escola tivesse realizado e considerado como bem sucedida. Na exposição da experiência foi questionado se o respondente participara de algum projeto de Educação em Valores (educação moral, ética na escola, cidadania na escola e direitos humanos), solicitando-lhe que relatasse como ele fora desenvolvido, se ele poderia ser considerado como bem sucedido e por quê; quanto tempo ele durou, quem dele participou e quantos foram os participantes; se outras instituições foram parceiras; que temas ou assuntos foram mais trabalhados e como o foram efetuados (que métodos foram usados); qual foi a principal finalidade buscada nesse projeto, ou seja, por que ele aconteceu; se a comunidade do entorno o motivou; se foram percebidas mudanças no ambiente escolar a partir de sua realização; se ele foi avaliado e se a escola recebeu alguma formação para sua realização. Em anexo (ANEXO I), consta o modelo do questionário aplicado.

Esta pesquisa de doutorado que agora realizamos, foi concretizada em três etapas de investigação: primeiro, trabalhamos a identificação dos projetos escolares que tinham como finalidade a diminuição da violência e/ou da indisciplina em meio escolar; segundo,

efetuamos a análise de conteúdo dos projetos selecionados; terceiro, realizamos a seleção e a análise de uma amostra de experiências.

3.1 Identificação dos projetos escolares de Educação em Valores voltados ao enfrentamento da violência e da indisciplina

A identificação das experiências que têm como finalidade a diminuição da violência e/ou indisciplina, objeto desta pesquisa, foram coletadas a partir das 1058 respostas obtidas no banco geral de dados da pesquisa de Menin e colaboradores. Essa seleção foi realizada a partir das respostas dadas às questões:

“Qual foi a principal finalidade buscada nessa experiência, ou seja, porque ela aconteceu?”;

“Quais foram as mudanças ocorridas no ambiente escolar com a experiência?”; “Em sua opinião, o projeto relatado pode ser considerado como bem sucedido, por quê?”.

As respostas a essas questões foram tratadas pelo software ALCESTE© (Analyse Lexicale par Contexte d’ un Ensemble de Segments de Texte), desenvolvido por Max Reinert na França, em 1979. Nessa pesquisa foi utilizada a versão 2010 do programa.

O ALCESTE é um programa que realiza, de maneira automática, a análise lexical de conteúdo por meio de técnicas quantitativas de tratamento de dados textuais (OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005). Ao fazer a análise do corpus, o programa executa quatro etapas. A etapa A tem a função de leitura do texto e cálculo dos dicionários. A etapa B faz o cálculo às matrizes de dados e classificação das UCE (Unidades de Contexto Elementar). A etapa C faz a descrição das classes de UCE. A etapa D faz cálculos complementares. Ao final, o ALCESTE gera um relatório estatístico em que demonstra as frequências, porcentagem e o Ȥ2 (qui-quadrado) de cada palavra.

Assim, o programa produz uma análise que resulta na identificação de classes de respostas que mostram as tendências, ou categorias predominantes no conjunto total dos dados. Para cada questão indicada acima, sobre finalidades, mudanças e justificativas do porque são projetos bem sucedidos, buscamos, nas categorias evidenciadas pelo Alceste, identificar aqueles que enfocavam questões ligadas à violência e/ou indisciplina escolar. Essa análise permitiu catalogar 164 projetos relacionados ao tema da violência e indisciplina escolar. Contudo, considerando que o programa ALCESTE, ao proceder à divisão das Unidades de Contextos Elementares (U.C.E.), não classifica 100% do corpus, e, ao mesmo

tempo, visando a garantir que fossem identificados todos os projetos relacionados ao tema da violência e da indisciplina escolar, fizemos uma busca por palavra-chave junto ao banco geral de dados da pesquisa “Projetos bem sucedidos de Educação moral: em busca de experiências brasileiras”, cujas palavras utilizadas foram: violência, indisciplina, disciplina, conflitos, agressão, agressividade, respeito e desrespeito. Essa investigação localizou 29 projetos relacionados ao tema da violência e indisciplina, resultando na seleção de 193 experiências dentre os 706 relatados.