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Práticas de Educação em Valores nas escolas

2.1 A sociedade contemporânea e os desafios morais e éticos postos à Educação

2.2.1 Práticas de Educação em Valores nas escolas

Muitas formas de Educação em Valores podem ocorrer no cotidiano escolar, seja de modo explícito e planejado, ou não.

Buxarrais (1997) descreve três diferentes modelos de educação moral: o “dogmatismo moral”, o “relativismo moral” e a “construção racional e autônoma de valores”.

No primeiro modelo, a educação baseia-se em “valores absolutos” inquestionáveis e imutáveis. Estes são impostos coercitivamente por um poder autoritário e transmitidos como corretos, não podendo ser questionados. Nesse sentido, os sujeitos devem se adequar às normas sociais sem alterá-las. Essa forma de educação ainda é presente nas escolas atuais, conforme constatou a pesquisa coordenada por Menin e colaboradores (MENIN; BATAGLIA; ZECHI, 2013) em que a Educação em Valores é trabalhada, muitas vezes, por meio da transmissão de valores e imposição de regras.

No “relativismo moral”, a educação é embasada em “valores relativos”, em que normas de conduta e valores morais são considerados como critérios subjetivos e pessoais. Aqui, não há um consenso sobre a melhor forma de agir, já que tal resolução depende das características de cada sujeito (LEPRE; MENIN, 2008). Nesta perspectiva, a formação moral nas escolas acontece a partir de escolhas subjetivas de cada docente que – imbuídos por boas intenções, mas sem uma formação adequada – educam em valores a partir de concepções próprias sobre quais valores ensinar e como fazê-lo.

O terceiro modelo, baseado na “construção autônoma de valores”, defende o desenvolvimento de situações que favoreçam a construção da autonomia moral do educando e a participação democrática dos vários membros da escola. Aqui se encontra o trabalho dos autores estudados nesta pesquisa.

A Educação em Valores morais, nessa última perspectiva, deve dar-se por meios baseados na participação democrática e no respeito mútuo, envolvendo procedimentos e estratégias que resultem na construção de indivíduos autônomos. Além disso, valores, regras e princípios que norteiam o como viver numa sociedade justa devem ser explicitados, discutidos e reconstruídos, e não simplesmente transmitidos (MENIN, 2002). Portanto, a Educação em Valores deve ser entendida como lugar de diálogo e de transformação pessoal e coletiva, a fim de orientar os educandos de forma racional e autônoma em situações de conflito de valores (PUIG, 1998a).

Nesse sentido, a escola deve romper com a educação autoritária, pautada em valores dogmáticos e relativos, considerando que:

modelos dialógicos pautados em valores de democracia, justiça, solidariedade e outros mais (como aqueles presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos) pressupõe introduzir no dia-a-dia das escolas e das salas de aula a preocupação com valores socialmente desejáveis. Esse trabalho, no entanto, precisa ser sistematizado e intencional, de forma a ser – naturalizado entre todos os membros da comunidade

escolar. Isso fará com que a educação em valores deixe de ser algo pontual e esporádico, que ocorre em aulas ou em momentos específicos, e passe a ser um movimento imbricado, - natural, na rotina cotidiana das escolas. (ARAÚJO, 2008, p. 203-204).

Um trabalho intencional e sistematizado de Educação em Valores deve contemplar algumas condições e práticas defendidas por diversos autores que têm refletido sobre o que deve e como deve ser uma educação em valores morais em ambientes escolares (AQUINO; ARAÚJO, 2000; ARAÚJO, 2000; LA TAILLE, 2009; MENIN, 1996, 2002; TOGNETTA; VINHA, 2007; VINHA, 2000; entre outros) e que foram sintetizadas por Menin e Zechi (2010), são elas:

- os agentes escolares devem comprometer-se com a Educação em Valores, assumindo uma concepção de escola como local onde não apenas se ensinam conhecimentos e se transmitem conteúdos, mas também se aprende a viver com os outros, respeitando-os. Além disso, a escola deve posicionar-se frente aos valores morais considerados relevantes e urgentes na atualidade.

- o trabalho de formação moral deve considerar parcerias entre a escola, a família e a comunidade. Porém, nessa relação, não cabem atribuições de culpa às famílias sobre falta ou estranhamento de valores em relação aos alunos.

- as iniciativas de Educação em Valores devem partir de própria escola, considerando suas necessidades reais. Assim, a formação moral deve ser prevista no Projeto Político Pedagógico da escola e ter como ponto de partida a realização de um diagnóstico das situações escolares que se quer modificar, especialmente quanto ao convívio e a qualidade das relações estabelecidas na escola. Esse diagnóstico pode se constituir como um momento de discussão coletiva junto aos agentes escolares e alunos.

- a educação em Valores deve ocupar todos os sujeitos e espaços da escola, não devendo limitar-se a uma disciplina ou professor. Portanto, é preciso incluir a formação moral como tema transversal do currículo, abrindo caminhos para experiências concretas de ação. Dessa forma cursos de formação podem ser necessários para os vários agentes escolares e não só os professores.

- as ações escolares devem ser pautadas em procedimentos de educação moral, envolvendo a participação dos alunos como construtores dos valores almejados. Ainda, é necessário que o marco normativo da instituição escolar se realize de forma democrática a partir de uma gestão participativa dos alunos.

Em relação aos procedimentos de educação moral, Piaget (1930/1998) descreve duas possibilidades: os métodos verbais, que se fundam no respeito unilateral, e os métodos “ativos”, pautados no respeito mútuo.

Piaget (1930/1998) distingue vários tipos de ensino da moral pela palavra e que podem ser mais verbais ou mais ativos. O primeiro é a “lição de moral”, que consiste num programa sistemático que abarca os principais aspectos da prática moral. O segundo são as conversas morais sob forma de relatos, de comentários sobre os grandes e pequenos exemplos históricos ou literários. O terceiro tipo consiste em utilizar as diferentes matérias do ensino para tecer considerações morais. Por fim, destaca o procedimento que consiste em falar de moral diante de experiências efetivas vivenciadas pelas crianças, são conversações provocadas em experiências de trabalho em grupo.

Os três primeiros procedimentos orais têm em comum o fato de suporem como única fonte de inspiração moral a autoridade do professor e, assim, não desenvolverem a moral da cooperação. O último tipo inclui métodos de conversações morais mais “ativos”, no sentido de que as discussões se estabelecem primeiramente entre as crianças, diante dos inúmeros problemas relativos à vida em comum, e depois acabam apelando à opinião do adulto. Portanto, o autor acredita que a “lição de moral” só se desenvolverá produtivamente, se houver vida social autêntica na sala de aula.

Os métodos ativos da educação moral, segundo Piaget (1930/1998) supõe que a criança realize ativamente experiências morais, desde que a escola se constitua no meio próprio para tais experiências. Eles levam em conta a natureza da própria criança e supõe sua atividade e a cooperação no trabalho. Segundo o autor, à medida que o trabalho na escola suscita a iniciativa da criança, ele se torna coletivo; assim como, a cooperação na atividade escolar é resultado da liberdade do trabalho em classe. Desse modo, “se, realmente, o desenvolvimento moral da criança ocorre em função tanto do respeito mútuo, como do respeito unilateral, [...] a cooperação no trabalho escolar está apta a definir-se como o procedimento mais fecundo da educação moral” (PIAGET, 1930/1998, p. 44).

Os métodos verbais/transmissivos, descritos por Piaget (1930/1998), favorecem um modelo de educação moral pautado no “dogmatismo moral”, conforme descrito por Buxarrais (1997). Trabalhar valores nesta perspectiva, através de uma postura heterônoma de transmissão de valores e imposição de regras, mais prejudicará do que favorecerá a formação moral dos alunos. A criança obediente se submete a um conformismo exterior, se adaptando às regras sem perceber o real alcance delas, tampouco vislumbrando possibilidades de construir novas regras (TREVISOL, 2013).

Por sua vez, os métodos ativos favorecem a “construção autônoma de valores”, ao buscar um ambiente cooperativo caracterizado pela participação coletiva dos alunos na construção de regras de convivência e por espaços de diálogo e reflexão sobre problemas morais e éticos que permeiam a escola e seu entorno. Desde Piaget (1932/1994), portanto, revela-se a relação entre uma consciência autônoma das regras e a prática democrática das mesmas.

Além de Piaget (1930/1998), Puig (2004) também nos ajuda a refletir sobre práticas favoráveis a formação moral para a construção da autonomia.

Segundo Puig (2004), as práticas morais ou de valor são “formas ritualizadas de resolver situações moralmente relevantes” (p. 63) que “não somente expressam valores e requerem virtudes – todas cumprem esses requisitos – mas, além disso, o fazem de forma intencional” (p. 89).

O autor faz uma distinção entre práticas procedimentais e práticas substantivas, afirmando que, embora ambas sejam práticas de valor, a intencionalidade moral de cada uma pode ser diferenciada.

As práticas procedimentais, conforme define Puig (2004, p. 90), estabelecem condutas, permitindo a busca ou criação de algo moralmente valioso ou correto. Elas “fixam cursos de ações que expressam valores, requerem virtudes e apontam para finalidades morais” (ibid, p. 90), além de abrirem espaço pra a criatividade moral dos sujeitos. O autor descreve dois tipos de práticas procedimentais: as práticas de reflexividade, que proporcionam meios para o autoconhecimento e cuidado de si, e de deliberação, que são situações que convidam ao diálogo, à compreensão e o intercâmbio construtivo de razões.

Nas práticas procedimentais de reflexibilidade, “o autoconhecimento, a sinceridade consigo mesmo, a autoestima, a auto-avaliação e a auto-regulação convertem-se nas formas mais representativas que o ideal ético da reflexividade assume atualmente” (PUIG, 2004, p. 96). São exemplos de procedimentos de reflexibilidade atividades em que os alunos possam falar de si, refletindo suas próprias ações e sentimento, repensando sua própria moral, tais como a realização de autobiografia, a narrativa moral e os jogos de expressão dos sentimentos (TOGNETTA, 2004).

As práticas procedimentais de deliberação visam o uso da razão na reflexão sobre o melhor modo de viver: “dialogar em busca da justiça e da compreensão” (PUIG, 2004, p. 119). Elas também implicam a criatividade moral, uma vez que se referem a situações novas de conflitos. São exemplos de procedimentos de deliberação: assembleias de classe; resolução de conflitos e mediação escolar; sessões de debate; discussão de dilemas; role playing

(dramatização); entre outros. Kohlberg considerou o uso de assembleias de classe e da escola e a discussão de dilemas morais como um dos instrumentos mais importantes para a construção da escola como comunidade justa (KOHLBERG; POWER; HIGGINS, 1997).

As práticas substantivas, segundo Puig (2004), estabelecem ações que expressam valores e indicam finalidades morais; entretanto, não há espaço de criatividade moral. Tais práticas cristalizam valores reconhecidos e desejados pela comunidade. O autor define dois tipos de práticas substantivas: as de virtude, que envolvem todos os acontecimentos que cristalizam valores em uma forma social estabelecida – modos de conduzirem-se, os rituais e rotinas de uma determinada tradição cultural considerada desejável; e as normativas, que são ações realizadas numa escola para transmitir as normas básicas de funcionamento.

Conforme Puig (2007), as virtudes são qualidades que concedem valor a cada ser. O autor define a natureza das virtudes como “a maneira de ser ou conjunto de disposição admiráveis que delineiam o melhor caráter de um sujeito” (ibid, p. 144). Ela resulta do treinamento moral intencional de cada ser. A justiça, a coragem, a polidez e a fidelidade são exemplos de virtudes. As práticas de virtude exigem uma tarefa cooperativa visando atender as necessidades relacionadas à convivência; assim, o protagonista deve ser um coletivo formado por uma parte ou a totalidade da classe. Os exemplos de prática de virtude presentes na escola são: métodos de aprendizagem cooperativa, realização e revisão de tarefas de classe, festas e celebrações, realização de projetos, formação de grupos de trabalho. Um exemplo de prática de virtude, muito difundida na Espanha nos últimos anos, é a monitoria entre pares, concretizada nos programas de “alunos ajudantes” (ORTEGA, 2003).

As práticas substantivas normativas estão presentes no interior das demais práticas de valor, isto porque as normas constituem uma questão central no pensamento moral e também no âmbito da educação em valores. Em síntese, Puig (2004, p. 170-171) afirma que as normas “são prescrições que servem para regular a conduta humana; prescrições que expressam valores ou que permitem um juízo avaliativo; e, por último, são prescrições avaliáveis, que costumam angariar amplo respeito social, ou pelo menos, aspiram isso”. A escola, segundo ele, aborda as normas trabalhando em dois planos: o ensino de normas mediante seu uso e a aprendizagem de normas mediante os processos de deliberação e de reflexividade.

Nas ações de deliberação e reflexividade, as escolas realizam, além de outras coisas, atividades de revisão das normas de classe, buscando soluções coletivas para problemas relacionados às normas escolares. Autores como Araújo (1996), Menin (1996), Tognetta e Vinha (2007) têm mostrado a importância de um ambiente cooperativo na educação moral,

caracterizado pela maior participação dos alunos na construção de regras de convivência escolar.

Por fim, Puig (2004) defende que escolas moralmente maduras mostram práticas educacionais procedimentais e substantivas, pois ambas atuam de modo complementar, otimizando a tarefa educacional da escola.

Apresentados as finalidades, conteúdos e procedimentos da Educação em Valores na escola, passemos, agora, a uma contextualização histórica da formação em valores morais nas escolas brasileiras.

2.2.2 A construção histórica da Educação em Valores nas escolas públicas brasileiras