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Estratégias de prevenção e contenção da violência e da indisciplina escolar

Os episódios de violência e de indisciplina vivenciados no contexto escolar provocam uma demanda por estratégias que possam melhorar a qualidade das relações interpessoais ali estabelecidas e o processo de ensino-aprendizagem.

Considerando o debate educacional sobre as possíveis saídas para os problemas de violência, assim como para a indisciplina, diversos pesquisadores têm a preocupação de indicar propostas e iniciativas que possam tratar essas questões. A seguir, descreveremos as medidas apresentadas destacando, inicialmente, as iniciativas referentes à violência escolar e, posteriormente, as estratégias frente à indisciplina.

Em relação ao tema da violência escolar, os estudos de Sposito (1998, 2002), Gonçalves e Sposito (2002) apontam que as iniciativas tomadas pelo Poder Público brasileiro que buscavam superar a violência na rede de ensino surgiram a partir da década de 1980. De acordo com esses autores, as primeiras iniciativas pretendiam enfrentar o problema com dois tipos de medida: de um lado aquelas relativas à segurança dos estabelecimentos e, de outro, com iniciativas de cunho educativo, que tentavam alterar a cultura escolar vigente.

As primeiras ações realizadas no início dos anos 1980, segundo Gonçalves e Sposito (2002), referem-se à política de abertura da escola à comunidade para atividades de lazer, esporte e cultura. Os resultados dessas ações foram variados, tendo sucesso em algumas escolas e fracasso em outras.

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O termo “contenção” refere-se às estratégias apresentadas na literatura científica quando situações de violência ou de indisciplina são identificadas, na intenção de fazê-las parar, enquanto busca de alternativas para que estas ações sejam contidas.

As medidas de segurança pública foram valorizadas no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, em consequência da maior visibilidade dos problemas de violência o que resultava num sentimento de insegurança em meio escolar. As ações adotadas implicaram a implantação de rondas escolares, zeladorias e alarmes nas escolas. Tais medidas, no entanto, não tiveram resultados positivos. Já na década de 1990, diante da crescente preocupação com práticas de violência entre alunos e destes com seus professores, as medidas adotadas passaram a enfatizar o desenvolvimento de ações preventivas nas unidades escolares (GONÇALVES; SPOSITO, 2002).

Nesse sentido a Organização das Nações Unidas – UNESCO/BRASIL, desde os anos de 1990, têm proposto diversos estudos a respeito dos temas da violência escolar, juventude e cidadania, estabelecendo parcerias com instituições governamentais, não-governamentais e universidades. As iniciativas da UNESCO têm como objetivo propor soluções para a redução da violência na escola e suas pesquisas trazem grandes contribuições para o estudo da violência.

Desde os anos 2000, a partir da resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas de 1998 (ONU, 1998) que proclamou a “Década Internacional de promoção de uma Cultura da Não Violência e de Paz” – anos de 2001-2010, a UNESCO tem elaborado, em parcerias com universidades e órgãos governamentais, diversas ações e materiais para a promoção de uma cultura de paz e não-violência nas escolas.

Uma das iniciativas proposta foi o programa “Abrindo Espaços: educação e cultura para a paz"3, uma medida educativa que visava priorizar a participação de toda a comunidade escolar, assim como da comunidade externa, na vida cotidiana da escola. O programa baseia- se na cultura de paz e “não-violência”, visando a promoção da cidadania entre jovens estudantes. Suas ações consistem na abertura da escola à comunidade aos fins de semana, com atividades de recreação, esporte e lazer. Essa iniciativa, segundo Grossi (2005), tem efeitos positivos na redução da violência a media que valoriza o sentimento de pertencimento, buscando a responsabilização de todos pela escola. No entanto, sua concretização esbarra em dificuldades estruturais, como falta de recurso e de pessoal qualificado, que permeiam o contexto escolar.

Outro exemplo de iniciativa proposta é o programa “Gente que faz a Paz”, criado pela UNESCO com o objetivo de capacitar profissionais que atuam em projetos sociais e

3 Informações contidas no site da UNESCO. Disponível em:

<http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/special-themes/preventing-youth-violence/non-violence-education-in- brazil/#c154967> Acesso em maio de 2012.

educacionais para a promoção da cultura de paz. A iniciativa propunha materiais didáticos, nomeado “Kit da Paz”4, que reúne um conjunto de ferramentas para o estudo e aperfeiçoamento sobre o tema.

Ainda, o Ministério de Educação – MEC elaborou, a partir dos anos 2000, cursos e materiais sobre “Educação para os Direitos Humanos” e “Ética e Cidadania” que abordavam o tema da violência escolar.

O programa de Educação em Direitos Humanos buscou implementar o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), elaborado a partir de documentos internacionais e nacionais em respaldo à “Década da Educação em Direitos Humanos”, prevista no Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (ZECHI; SILVA; OLIVEIRA, 2012). Os cursos e materiais sobre “Educação para os Direitos Humanos, produzidos pelo Ministério da Educação – MEC (BRASIL, 2007) tinham como objetivo proporcionar condições para a garantia da efetivação de direitos fundamentais do cidadão e fundamentar uma concepção de educação na qual os ideais e valores dos direitos humanos, da democracia e da cidadania sejam vistos como eixos norteadores da prática educativa, valorizando ações que promovam a convivência democrática, justa e solidária. O programa prevê financiamento para instituições de ensino superior na elaboração de cursos de formação destinados aos profissionais de escolas públicas. Propõe a questão da violência escolar como um dos temas a ser abordado nos cursos.

O MEC elaborou, também, o programa “Ética e Cidadania – construindo valores na escola”, que consiste em materiais didáticos destinados a instrumentalizar professores para a elaboração de projetos que visem à promoção da ética, da convivência democrática, dos direitos humanos e da inclusão social, tendo como um dos objetivos a discussão e prevenção da violência escolar. No módulo sobre violência, o programa enfatiza propostas de resolução pacífica de conflitos e o incentivo de práticas democráticas no convívio escolar. O objetivo é incentivar a construção de valores democráticos, como respeito e tolerância, com vistas à transformação das relações interpessoais, priorizando a justiça social e a participação cidadã. As inciativas elencadas foram: a introdução de assembleias nas escolas, o fortalecimento de grêmios estudantis, estratégias de resolução e mediação de conflitos; ações para a promoção de parcerias entre escola, família e comunidade (PAULA E SILVA; SALLES, 2012).

4 Informações cotidas do site da UNESCO. Disponível em: <http://www.gentequefazapaz.org.br/publique/>. Acesso em maio de 2012.

Tais programas e iniciativas elaborados pelo Ministério da Educação – MEC e pela UNESCO/Brasil, no entanto, têm pouca expressividade nas escolas públicas brasileiras em razão do desconhecimento desses materiais e do pouco alcance dos cursos oferecidos.

Para além das iniciativas governamentais, diversos autores têm refletido sobre as possibilidades de enfrentamento da violência.

Silva (2004), ao realizar um levantamento sobre a existência de projetos voltados para a redução da violência na escola, constatou que existe um considerável acúmulo de experiências escolares com essa finalidade no Brasil e que as linhas de atuação propostas pelos projetos são diversas. Alguns privilegiam ações fundamentadas em análises que relacionam a violência a fatores macrossociais que interferem nas relações estabelecidas no dia-a-dia escolar, como a violência social presente na escola. Outros contemplam os mecanismos intra-escolares como potencializadores da violência, propondo mudanças na estrutura e funcionamento da escola. Essas iniciativas têm em comum o reconhecimento da necessidade de se estabelecer parcerias entre escola, família, comunidade, governo e sociedade na busca por soluções.

Também, os estudos de Abravomay e Rua (2002), Blaya (2003) e Grossi et. al. (2005) confirmam a relevância da criação de vínculos da escola com a comunidade externa no enfrentamento da violência.

Os estudos coordenados por Abramovay, em parcerias com a UNESCO (ABRAMOVAY; RUA, 2002; ABRAMOVAY, 2003), revelam que a violência pode ser trabalhada por meio de estratégias que visem proteger a escola de violências, tanto as de origem externa, quanto aquela que faz parte do contexto escolar. Segundo a autora, escolas bem organizadas, com regras claras de comportamento, com segurança no seu exterior e interior, onde existe um clima de valorização dos alunos e dos professores, que possibilita espaços de diálogo, sentimento de pertencimento e poder de negociação entre os diferentes atores, podem mudar situações críticas de violência. Acrescenta a relevância do cultivo de vínculos com a comunidade, abrindo as escolas nos finais de semana para atividades sociais, culturais e esportivas. Ainda, aponta a importância da participação ativa dos pais dos alunos. Para a autora, escolas que adotam tais ações tornam-se espaços mais seguros.

As pesquisas de Silva (2004), Abramovay (2003), Abramovay e Rua (2002) confirmam o importante papel da instituição escolar e seus agentes na prevenção da violência, assim como apontaram os estudos de Debarbieux (2007), Chrispino e Santos (2011), Diaz- Aguado (2004, 2005), Tognetta e Vinha (2012), entre outros.

Conforme afirma Debarbieux (2007), é preciso buscar “estratégias baseadas na escola e em alterações da implicação da escola na comunidade” (p. 190). O autor acredita que as ações serão mais eficazes se garantirem a anuência e participação dos professores, dos discentes e da comunidade externa. Também, segundo ele, as iniciativas não podem ser atividades “extras” à prática normal, mas sim considerar o ensino como um todo, ou seja, devem envolver as práticas didáticas e as relações de convivência.

Ao analisar projetos reconhecidos como “bem sucedidos” na redução da violência escolar, Silva (2004) verificou que essas iniciativas partem do princípio de que é necessário reforçar os vínculos entre estudantes e instituição escolar. Portanto, a autora defende que as propostas que visem reduzir a violência escolar sejam pautadas numa mudança efetiva na estrutura e funcionamento da instituição escolar por meio de medidas como: promoção de mudanças nas práticas didático-pedagógicas dos professores; a participação coletiva na gestão escolar; envolver os alunos na construção das regras de convivência e elaboração de projetos; elaborar uma mudança curricular incluindo a reflexão e discussão de valores éticos e morais.

Paula E Silva e Salles (2012) destacam a importância dos programas de prevenção ampliar a análise sobre as variáveis da violência escolar, incorporando reflexões referentes às condições concretas de vida, aos valores, aos preconceitos e à questão política e ideológica do país. As autoras discutem a necessidade de trabalhar a construção de valores com os alunos.

O papel da Educação em Valores no enfrentamento da violência é destacado por diversos outros autores que discutem propostas de prevenção da violência (ABRAMOVAY, 2003; CHRISPINO; SANTOS, 2011, ORTEGA, 2003; FRANCISCHINI; SOUZA NETO, 2007; GROSSI, 2005; LA TAILLE, 2002, 2009; NJAINE; MINAYO, 2003; TOGNETTA; VINHA, 2012; ZALUAR; LEAL, 2001, e outros). Segundo eles, um projeto preventivo da violência deve incluir a formação em valores morais.

Zaluar e Leal (2001, p. 161) afirmam que:

É necessário retomar com urgência o debate sobre a educação moral no seu sentido contemporâneo de autonomia moral, entendida como preparação para o exercício da cidadania nas escolhas éticas feitas e no respeito às demais possíveis na convivência pacífica, isto é, naquelas escolhas que não implicam a destruição ou o silenciamento dos outros. Sobretudo, a autonomia na participação, na vida pública em seus diversos canais, como princípio condutor e possivelmente redutor de situações de violência.

No próximo capítulo, discutiremos o papel da Educação em Valores frente à violência, destacando as diferentes perspectivas de entendimento que embasam a relação entre formação moral e enfrentamento da violência.

Voltando ao tema da indisciplina, os estudos sobre essa temática apresentam medidas de cunho educativo para sua superação e destacam a necessidade de transformações na prática educativa e na relação professor-aluno. Conforme Andrade (2001), “se a indisciplina já estiver instaurada deve-se buscar suas causas, assim como as possíveis soluções para ela em fatores intra-escolares (que incluem, mas extrapolam o espaço da sala de aula, já que envolvem a escola como um todo)” (p.26).

Garcia (2013) afirma que as mudanças nas relações educativas devem ser pensadas a partir de práticas pedagógicas que possibilitem um ambiente de convivência e aprendizagem que atenda as necessidades reais dos alunos. O autor pontua que os docentes precisam reconhecer que a indisciplina discente pode ser reflexo da inadequação da própria escola, de suas práticas, teorias e materiais. Ele acredita que o currículo atual não consegue manter o engajamento do aluno no processo de aprendizagem, assim, os professores precisam adotar novas práticas de intervenção disciplinar.

Em consonância com tais afirmações, Tognetta et. al. (2010), defendem que as mudanças na escola envolvem, entre outros aspectos, uma gestão colegiada e a necessidade de levar em conta o desenvolvimento integral dos alunos, favorecendo a construção da autonomia discente. Essas autoras, assim como Parrat-Dayan (2012), Pacheco (2005) e Zandonato (2004), destacam que a convivência escolar deve ser pautada por regras jutas, pelo diálogo e pelo respeito mútuo.

De acordo com Parrat-Dayan (2012), os problemas de indisciplina associam-se a um problema de regras; portanto, a primeira solução para esses seria estabelecer regras conjuntamente com os alunos. A autora enfatiza o papel do diálogo argumentado e do trabalho cooperativo no enfrentamento da indisciplina. Segundo ela, “só o ambiente cooperativo, de autonomia, de selfgovernment e de trabalho em equipe permite a construção da disciplina” (PARRAT-DAYAN, 2012, p. 171)

As estratégias defendidas por esses autores coadunam com as perspectivas que entendem a Educação em Valores como a que busca a construção de regras justas e a melhora da convivência escolar e serão aprofundadas no próximo capítulo desta pesquisa.

A seguir, abordaremos o tema da formação docente frente aos problemas da violência e da indisciplina escolar.