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Educação em Valores e a violência como um valor na representação de si

2.3 Educação em Valores, violência e indisciplina nas escolas: possíveis relações

2.3.4 Educação em Valores e a violência como um valor na representação de si

Refletindo sobre as causas da violência, La Taille (2009) enfatiza que o fenômeno é complexo e que há uma diversidade de causas; assim, se propõe a analisar as várias formas da violência situando-a “em seu verdadeiro plano: o plano moral” (p. 210), sem negar, contudo, a importância de outras causas.

Segundo La Taille (2009), falar em moral implica falar em valores. Então, o autor questiona se, hoje em dia, não seria a própria violência um valor: “Será a violência apenas um

meio para se obter determinadas vantagens materiais ou será ela também, pelo menos em certos casos, um valor associado à identidade de certas pessoas, portanto um valor associado à imagem que querem ter de si?” (p. 210). Para o autor as duas alternativas apresentadas se colocam como afirmativas.

Quanto às formas de violência que tem como objetivo se apoderar de bens alheios, estas se referem à busca de reconhecimento e valorização. Já a violência como um valor associado à identidade se refere à moralidade, pois, em alguns casos, empregar a violência é afirmar a própria identidade, “ser violento é ser alguém” (LA TAILLE, 2009, p. 212). Neste último caso, a violência se associa à autoestima e, portanto, não há o “respeito de si”, necessário à construção de uma personalidade ética. A violência é percebida como um meio de se tornar visível.

Desse modo, o autor questiona porque haveria de ser pela violência que alguns indivíduos procurariam essa visibilidade social. Como resposta, La Taille (2009) afirma que parte da violência atual é decorrência de dois traços de uma “cultura da vaidade”. O primeiro, como apontado acima, é a necessidade de associar à representação de si uma imagem de “vencedor”, impondo ao outro tal imagem positiva para ser admirado; o problema aqui é que tal imagem pode ser obtida pela prática da violência ou fruto de roubo, por exemplo. O segundo traço da “cultura da vaidade” se refere ao lugar problemático de outrem: “a vergonha de ser um ‘perdedor’, ao orgulho de ser um ‘vencedor’, associa-se a necessidade de humilhar o outro, de subjugá-lo para se melhor realçar a própria força, sobretudo se esse outro se recusa, ou parece se recusar a entrar no jogo do vaidoso” (ibid, p. 216).

Para melhor compreender tal posição do autor retomaremos alguns conceitos fundamentais sobre o desenvolvimento moral.

La Taille (2006, 2009) defende que a Educação em Valores tem como finalidade a construção da personalidade ética. Segundo ele, para compreendermos o comportamento moral do sujeito, precisamos conhecer quais opções éticas ele assume.

O autor aponta uma diferenciação entre os termos moral e ética, entendendo que “falar em moral é falar em deveres, e falar em ética é falar em busca de uma ‘vida boa’, [...] uma vida que vale a pena ser vivida” (LA TAILLE, 2006, p.27). A personalidade do indivíduo é constituida pelo plano moral e pelo plano ético. O plano moral é definido pelo sentimento de obrigatoriedade (“como devo agir?”), isto é, referem-se aos deveres para consigo e com outrem. O plano ético refere-se a definição e busca da “vida boa” (que vida eu quero viver?) e tem como invariante a busca de expansão de si próprio. Os sentimentos de obrigatoriedade e expansão de si próprio são os dois processos psicológicos apontados pelo

autor como centrais para a moral e a ética. Nesse sentido, a escolha por uma “vida boa” deve considerar o outro como alguém cujos direitos devem ser respeitados.

La Taille (2006) lembra que o sentimento de obrigatoriedade – o “dever” – equivale a um “querer”; nesse sentido “age moralmente quem assim o quer” (p. 53). Então, questiona o autor: o que leva algumas pessoas a quererem agir moralmente e outras não? Para responder tal questionamento explica que o querer agir depende do “ser”, ou seja, da personalidade do indivíduo. Para ele a personalidade é constituída por um conjunto de representações de si, isto é, a imagem e o juízo que cada pessoa tem de si. As representações de si são revestidas de valores e são elas que dão origem à personalidade.

Piaget (1932/1994) entende valor como um investimento afetivo do sujeito sobre o exterior, objetos ou pessoas; já os valores morais são pautados em atos, sentimentos, princípios ou regras consideradas como boas ou justas. As representações de si como valor positivo podem conter valores morais e não morais. Valores como justiça, generosidade, honestidade são morais; porém, se a imagem positiva de si não incluir a dimensão moral, o indivíduo pode ter uma identidade associada a valores não-morais, como a beleza, a riqueza, a violência, enquanto os valores morais permanecem periféricos (LA TAILLE, 2009)

Segundo La Taille (2006), é a busca pela representação de si como um valor positivo que move as ações do plano moral ao plano ético: “a energética do sentimento de obrigatoriedade, essencial ao plano moral, deve ser procurada no plano ético, na busca de representações de si como valor positivo” (p. 56). Nesse sentido, o autor apresenta os conceitos de autoestima e autorrespeito (ou respeito de si) para explicar que toda experiência de valorização de si próprio é autoestima e as experiências que contemplam valores morais são definidas como autorrespeito.

O autorrespeito é o sentimento que une os planos moral e ético, pois é “por um lado, expressão de expansão de si próprio – portanto, elemento da ‘vida boa’ – e, por outro, causa essencial do sentimento de obrigatoriedade – portanto, motivação para a ação moral. [...] respeita a moral quem, ao fazê-lo, respeita a si próprio.” (LA TAILLE, 2006, p. 56). No entanto, algumas vezes, o sentimento de obrigatoriedade não é suficiente para dirigir uma ação moral, portanto, a autoestima se sobrepõe ao autorrespeito.

La Taile (2006, 2009) explica que em pessoas moralmente heterônomas os valores morais (justiça, solidariedade, honestidade, entre outros) têm menos força motivacional e os valores não-morais (vaidade, espetáculo de si, individualismo) acabam sendo mais centrais no seu sistema de representações de si. Já em pessoas moralmente autônomas, os valores morais estão mais integrados entre si, influenciando suas escolhas e atitudes.

Na sociedade atual a construção da personalidade, segundo La Taille (2009), tem se dado, em partes, pela “cultura da vaidade” em que predomina a valorização da aparência e espetáculo de si, ou seja, valores não-morais. Portanto, se justifica a tese do autor de que a violência atual pode ser atribuída à “cultura da vaidade”, isto é, “à vontade de dar um espetáculo de si, ao apego a marcas superficiais de destaque, ao orgulho de ser visto como ‘vencedor’, à vergonha de ser julgado como ‘perdedor’, à necessidade de se destacar perante os olhos alheios e de subjugar outrem” (LA TAILLE, 2009, p. 216).

Nessa direção, podemos supor que, por vezes, a violência entre alunos que a escola busca combater pode se apresentar aos mesmos alunos como um valor a perseguir. Se isso ocorre, uma educação frente a violência pode ser uma educação para a mudança de valores com os quais os jovens se identificam.

O autor propõe, então, que os valores sejam pensados no sentido de serem selecionados, de forma refletida e autônoma, para orientar as escolhas das pessoas sobre a vida que querem viver; ou seja, auxiliando na constituição dos sentidos dados à vida, pensada com e para o outro. Nesse contexto, La Taille (2006, 2009) defende a importância da formação de personalidades éticas na escola.

Para tanto, a instituição escolar deve se constituir como um ambiente justo e democrático, evitando a profusão e imposição de regras, em que as relações de convívio sejam permeadas por valores morais. Também deve ir contra a competitividade e valorização de autoestimas superficiais, não reduzindo o valor das pessoas ao seu desempenho (LA TAILLE, 2009).

Concordando com as ideias apresentadas pelo autor, concluímos este item retomando suas palavras:

Em escolas onde há vida coletiva, onde há relações de cooperação, princípios evidenciados, virtudes valorizadas, sentimentos morais acolhidos, o mérito exigido, o ser humano respeitado, a “cultura da vaidade” pode recuar. Em escolas que são reais instituições justas, são maiores as chances de os alunos se convencerem de que a vida vale a pena ser vivida para e com outrem, maiores chances de quererem ser inspirados pelo “respeito de si”. E, como para valer a pena ser vivida, a vida também deve ser “vida

boa”, uma educação para uma “cultura do respeito de si” deve vir

acompanhada de uma educação para uma “cultura do sentido”. (LA TAILLE, 2009, p. 307, grifos do autor)

Apresentado essas possíveis formas de relação entre Educação em Valores, violência e indisciplina, nos questionamos: como as escolas as trabalham em seus projetos? Pretendemos responder a esse questionamento analisando os projetos de Educação em

Valores voltados ao enfrentamento da violência e da indisciplina realizados em escolas públicas brasileiras.

Para tanto, faz-se necessário, também, analisar qual é a formação que os docentes têm recebido a respeito do tema da Educação em Valores.