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Pretendo tecer, nesta exposição teórica, algumas considerações sobre o pensamento sistêmico, a partir da ideias de Fritjof Capra (1996), Ilya Prigogine (1996), Maria José Vasconcellos (2002) e Edgar Morin (2000).

A terminologia “sistema” tem sido empregada com muita frequência, cabendo então compreender o sentido atribuído ao novo paradigma da ciência que tem significativa presença no cenário científico, com vastas pesquisas nas mais diversas áreas do conhecimento, cuja finalidade é a de investigar acerca dos princípios gerais do funcionamento nos variados sistemas humanos e naturais.

Vasconcellos (2002) infere que o que pode ser tomado como sistêmico encontra-se na literatura científica como atividade circunscrita às dimensões da epistemologia, da teoria e da prática. Para essa autora, o pensamento sistêmico tem ligação com o paradigma da ciência da atualidade. O termo paradigma, amplamente utilizado, tem o sentido atribuído à forma

como percebemos e atuamos no mundo. Filtramos e selecionamos os dados incompatíveis com nossas expectativas e reconhecemos as coisas por meio de nossos paradigmas que tanto influenciam nossa percepção quanto nossas ações.

Na ciência, o termo paradigma tem sido usado como teoria, passando a se associar a diferentes teorias sobre fenômenos particulares dentro de uma mesma disciplina, sendo o seu uso intradisciplinar ou intratemático. Também inclui esse termo as crenças e os valores subjacentes às práticas, amplamente partilhadas por diferentes comunidades científicas (VASCONCELLOS, 2002).

Capra (1996) esclarece que antes da década de 1940, os termos “sistemas” e “pensamento sistêmico” já estavam sendo usados por vários cientistas, “mas foram as concepções de Bertalanffy (1901-1972) de um sistema aberto e de uma teoria geral dos sistemas que estabeleceram o pensamento sistêmico como um movimento científico de primeira grandeza” (p.53).

Do mesmo modo, Vasconcellos (2002) afirma que o biólogo Bertalanffy rompeu com as fronteiras disciplinares ao apontar a necessidade de novas categorias de pensamento científico que não se prendessem mais em compartimentos estanques em oposições, ou seja, as ciências físicas e biológicas, por um lado, e ciências naturais e sociais, por outro. Era preciso perceber os acontecimentos nos diferentes níveis de domínios, a partir das interações, ao que ele considerou como uma “teoria interdisciplinar”, constituída por “conceitos e modelos aplicáveis tanto a fenômenos materiais quanto a fenômenos não-materiais” (p.196).

O olhar que Vasconcellos (2000) verte sobre a concepção sistêmica tem um matiz mais extenso, com ressonância na ciência contemporânea, a partir de três dimensões epistemológicas: a complexidade, a instabilidade e a intersubjetividade. Essas dimensões, segundo Vasconcellos (2002), se contrapõem ao paradigma da ciência tradicional. Esclarecendo melhor, a autora diz que enquanto a dimensão da complexidade da ciência novo-paradigmática transita pela contextualização mediante relações causais recursivas, a dimensão da simplicidade da ciência tradicional obscurece as inter-relações existentes entre os fenômenos do universo, fazendo análise por relações causais lineares.

Por outro lado, a nova ciência defende o pressuposto da instabilidade do mundo, permitindo o reconhecimento do mundo em processo de tornar-se, cabendo a necessidade de se considerar a indeterminação-imprevisibilidade e a irreversibilidade-incontrolabilidade de alguns fenômenos. O pressuposto da ciência tradicional se sustenta na estabilidade tangenciada pela determinação-previsiblidade e pela reversibilidade-controlabilidade do fenômeno, ou seja, algumas condições antecedentes definem ou determinam a trajetória

seguinte dos fenômenos. Essa constatação remete ao corolário da previsibilidade. (VASCONCELLOS, 2002). Portanto, o fenômeno pode ser controlado e manipulado. Nessa concepção, conhecer se identifica com o saber controlar. Na ausência de controle corre-se o risco de uma evolução indesejada, seja nos sistemas artificiais ou nos naturais. Essa crença tem sobrevivido até hoje na física clássica e na física quântica.

A partir do pensamento do cientista russo, ganhador do prêmio Nobel de Química em 1977, Ilya Prigogine, descortinou-se a abertura de uma física do devir e de processos, a qual naturalmente provocou modificação conceitual na formulação de leis da natureza. Prigogine (1996) brilhantemente nos convida a desconstruir uma visão determinista na maneira de descrever a natureza, quando abre uma saída para compreender as propriedades da natureza a partir da formação de estruturas dissipativas de não-equilíbrio. A natureza pode ser descrita pelo sistema dinâmico instável. Esse cientista passa a ter seu nome associado à termodinâmica do não-equilíbrio, cujo sistema se mostra instável com flutuações de ordem interna (geradas pelo próprio sistema) ou de origem externa ao sistema (causada por um ambiente com fortes flutuações, acontecidas ao acaso), podendo representar perturbação para o sistema.

Ocorrida a flutuação, o sistema deixa seu curso normal de funcionamento e escolhe, dentre as alternativas disponíveis, outro regime de funcionamento, dando assim uma nova forma de funcionamento do sistema – ocorre o que se chama de morfogênese ou nova gênese. Frente à instabilidade, à desordem, o sistema passa pelo processo de auto-organização, a partir das múltiplas soluções possíveis. Cabe dizer também que as escolhas não se dão de forma aleatória. Prigogine ainda constatou que as escolhas que o sistema físico-químico fez nos pontos de bifurcação no momento anterior vão influenciar a escolha no presente.

Vasconcellos (2002) acrescenta que cabe ao cientista conhecer a história anterior desse sistema que a autora reconhece como “determinismo estrutural”. A que se destina essa larga descrição das descobertas de Prigogine? Vasconcelos então nos ajuda a pensar sobre o comportamento dos sistemas naturais nos termos do fenômeno de bifurcação também nos sistemas familiares em crise, sendo a crise o ponto de bifurcação que permite um salto qualitativo para uma nova forma de funcionamento.

Considero, nessa mesma perspectiva, que a construção identitária do profissional não acontece de forma mecânica e linear, mas é resultante de um complexo entrelaçamento dos acontecimentos na história de vida do indivíduo, tendo como referência as condições internas (sistema psíquico) e condições externas (sistema familiar, social, cultural) que fazem parte desse processo numa dinâmica de contínuas mudanças. As crises e incertezas – como ponto de bifurcação – desafiam o indivíduo a experienciar a instabilidade que implica um novo

olhar sobre si mesmo e sobre o mundo.

O pressuposto da intersubjetividade, também concernente ao pensamento sistêmico, propõe uma abertura no tocante à constituição do conhecimento do mundo, em que a realidade é percebida a partir de um observador e o conhecimento científico do mundo é uma construção social realizada por diferentes sujeitos em espaços consensuais. Enquanto a subjetividade é negada pela ciência tradicional que se sustenta pela objetividade, ao se firmar numa visão uni-verso, a objetividade é colocada “entre parênteses” na ciência contemporânea que trabalha pela visão multi-versa – a realidade aparece por múltiplas versões em diferentes domínios linguísticos. (VASCONCELLOS, 2002).

O pensamento sistêmico, como o novo paradigma da ciência, amplia o foco de observação, podendo o observador perceber em que circunstâncias o fenômeno acontece numa teia recursivamente interligada que resulta na complexidade do sistema. Quando o observador distingue o dinamismo das relações presentes no sistema, percebe-se a ocorrência de constantes mudanças e evoluções, não podendo o observador ter uma interação instrutiva, mas terá que assumir a instabilidade, a imprevisibilidade e a incompatibilidade do sistema. Ao adotar a postura participativa na constituição da realidade em que trabalha, o observador se inclui no sistema que distinguiu, passando a se perceber em “acoplamento estrutural”, atuando nesse espaço de intersubjetividade (ibidem).

Capra (1996) acentua que um dos principais problemas de nossa época é a percepção reduzida e isolada sobre o que o planeta está sofrendo; com isso, defrontamo-nos com problemas globais que afetam a biosfera e a vida humana. Sob esse prisma ele esclarece que: “são problemas sistêmicos, o que significa que estão interligados e são interdependentes. Cabe a nós uma mudança radical de percepção, pensamento e de nossos valores. A atenção sobre o problema já está acontecendo, mas, ainda de maneira tímida, pois a profunda mudança de percepção, pensamento e atitude ainda está por acontecer” (p.23).

Vasconcellos (2002) acrescenta que pensar sistemicamente implica mudança de atitude:

Ao falarmos de um pensamento sistêmico novo paradigmático, estaremos falando de uma epistemologia que implica distinções do observador nas três dimensões: de um cientista que pensa – ou distingue – a complexidade, sem tentar simplificar ou reduzir, buscando entender as conexões; de um cientista que pensa – ou distingue – a auto-organização com características de todos os sistemas da natureza e assume as implicações de distingui-la; de um cientista que se pensa – ou se distingue – como parte de todo e qualquer sistema com que esteja trabalhando, o qual constitui (ou se constrói) para ele, a partir de suas próprias distinções. (p.169)

Portanto, quando o cientista assume a posição de observador da realidade e considera as três dimensões – complexidade, instabilidade e intersubjetividade – se verá implicado na realidade observada e trilhará o caminho da “objetividade em parênteses”; o observador não ficará distante do observado, mas adotará a posição da inclusão de si próprio como observador trabalhando com sua própria epistemologia.

A partir do exposto, proponho o pensamento sistêmico como abordagem epistemológica para este trabalho, por considerar um olhar mais radicado no entendimento da construção identitária do docente, a partir de sistemas complexos em que não existe uma razão ou um motivo causante ou estruturante da identidade, mas, sim, redes sociais, familiares, institucionais que não atuam diretamente na psique, entretanto corroboram direta ou indiretamente para a sua estruturação.

Em se tratando do complexo humano, não posso percebê-lo isolado do contexto, mas a partir de interações “intersistêmicas” (VASCONCELLOS, 2002), compondo-se a partir de padrões interconectados que alteram o modo de ver e agir das pessoas no mundo. Quando assumo essa visão de ciência é porque acredito que posso também desenvolver uma atitude com o olhar sobre os acontecimentos com maior plasticidade, constelando concepções, valores e ações compartilhadas para uma transformação cultural muito mais profunda.

Nesse sentido, falar sobre a formação identitária do profissional docente implica na tomada de consciência do que é atributo deste, respaldando a construção identitária em termos de “conexidade, de relações e de contexto” (CAPRA, 1996, p.40).

3.2 PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS DA TEORIA JUNGUIANA E A ÓTICA DO