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Quanto às pessoas jovens que escolheram a pedagogia como profissão, deve-se pressupor que elas próprias tenham sido educadas. Todo o nosso problema educacional tem orientação falha: vê apenas a criança que deve ser educada, e deixa de considerar a carência de educação no educador adulto. Jung

É preciso que fique claro aos que lerem esse trabalho que não ignoro, nem desconsidero, a necessidade de se pensar numa transformação das estruturas no plano exterior – no social, no econômico, no político, no ecológico –, mas vejo também e, principalmente, a urgência de se fazer um trabalho interior. Quero dizer que a educação de si mesmo deve ser constante e contínua, o autoconhecimento, o religamento do interno com o externo remete à mudança radical de atitude, de percepção rumo ao movimento da totalidade psíquica movido

pelo processo de individuação, comprometendo-se como totalidade cósmica.

Acrescento ainda que esse território do autoconhecimento não é do aparentemente dado, mas está em aberto. O que significa mesmo isso? Como se dá o reconhecimento desse processo? A palavra autoconhecimento pode guardar em si um processo vivencial. Como se dá a experiência ao se falar de autoconhecimento? Por esse caminho é possível se chegar à compreensão de determinados níveis da consciência. Coloco uma questão que também implica em estudo, pois é necessário fazer um percurso investigativo, seguir uma trilha, um olhar que exige de nós a ruptura com o preconceito para que se possa ver o mundo com maior amplitude.

Vislumbro o autoconhecimento como eixo e não como abstração que, a partir de uma práxis, resulta numa ciência mais fina como possibilidade de cuidar do humano para não sabotar a consciência e nem se deixar seduzir pela alienação existencial.

Trabalho interior e exterior, subjetivo e objetivo, individual e coletivo devem ser tomados como princípio dialógico que se integram a partir de uma concepção educacional mais ampla para se pensar em redefinir, de forma adequada, o papel do educador tomando como base a identidade profissional consubstanciada pela dimensão transpessoal, a fim de potencializá-lo para ser ator e autor criativo e comprometido com o ato educativo.

Jung (1998) não escreveu diretamente para os profissionais da educação, mas deixou em seus escritos reflexões delineadas por uma concepção transpessoal, insistindo no autoconhecimento do adulto como urgência imediata para o equilíbrio de si mesmo, para saber educar o outro. Ele diz que a pessoa só é capaz de escolher seu próprio caminho quando toma decisão de maneira consciente. Nas palavras do próprio autor:

Somente será possível que alguém se decida por seu próprio caminho, se esse caminho for considerado melhor (grifo do autor). Se qualquer outro caminho fosse considerado melhor, então em lugar da própria personalidade haveria outro caminho para ser vivido e desenvolvido. Os outros caminhos são as convenções da natureza moral, social, política, filosófica e religiosa. O fato de as convenções de algum modo sempre florescerem prova que a maioria esmagadora das pessoas não escolhe seu próprio caminho, mas a convenção; por isso não se desenvolve a si mesma, mas segue um método, que é algo coletivo, em prejuízo de sua totalidade própria (p. 179-180).

Considero essa reflexão de Jung oportuna para o momento, quando falo da escolha que a pessoa faz por uma profissão de maneira inconsciente, guiado pela convenção e necessidade coletiva. “O empreendimento cego deixa prevalecer a voz do coletivo: temores, convicções, leis e métodos” (idem).

Jung (1998, p.181) acrescenta que a pessoa não deve se impulsionar na escolha do seu próprio caminho pela necessidade, porque ela atinge a todos e estes se guiam pelas convenções; tão pouco deve ser pela moral, porque geralmente todos se decidem também por essa convenção. É preciso então se deixar conduzir pela designação. O que significa isso? E o próprio Jung responde: “designação é um fator irracional, traçado pelo destino, que impele a emancipar-se da massa gregária e de seus caminhos desgastados pelo uso”. Ele complementa ao inferir que “quem tem designação (Bestimmung) escuta a voz (Stimme) do seu íntimo, está designado (bestimmt)”.14

Quanto mais inconsciente de si mesmo, mais prevalecerá a voz da sociedade, do coletivo e a pessoa ficará mais distante da própria totalidade, diluindo-se nebulosamente na voz do outro, do grupo social e suas convenções que o impelem a ser impreciso, mais distante do seu íntimo e mais confuso na escolha do seu caminho.

O autoconhecimento é a via que leva à expansão da consciência para uma visão ampliada da inteligência integrando o intelecto, a sensação, a intuição e o sentimento que acessa as diferentes modalidades de conhecimentos, rumo à percepção de si mesmo para assegurar a compreensão da realidade com sua complexidade. O termo pedagógico no sentido ampliado resulta em legitimar as ações e experiências humanas integrando indivíduos e sociedade, educando-os. É nesse sentido que o pensamento de Jung pode contribuir para a educação fundamentada na compreensão do ser humano, vinculada por determinações internas (mundo da psique individual) e externas (mundo da psique coletiva).

Trilhar pelo caminho da interioridade é suscitar reflexões acerca de si mesmo e das próprias escolhas ou estilos de vida adotados de forma consciente ou inconsciente. Para esse processo é interessante perceber os caminhos que escolhemos e como nos percebemos no próprio caminhar. Comumente queremos uma coisa, pensamos outra e fazemos tudo diferente do que pensamos e sentimos. Falta-nos, muitas vezes, um eixo psicológico, não porque queremos que seja assim, mas porque não aplicamos a auto-observação contínua por meio do exercício da reflexividade. Essa prática não é comum no ser humano e, por isso, normalmente as ações e os estados internos não se combinam, o que ocasiona muitas vezes uma dissociação de si mesmo com o mundo exterior.

Penso que o exercício da autoanálise demanda do sujeito abertura psíquica e despojamento do falso self que foi se construindo nos anos vividos, o qual se configura numa

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Grifo e tradução da palavra Bestimmung feita pelo tradutor da obra de Jung, justificando o emprego da palavra alemã com tradução mais próxima ao português que é palavra designação, dando o sentido de uma voz vinda do interior da pessoa.

identidade mascarada pelas exigências do mundo externo, deixando na sombra elementos significativos que precisam ser conhecidos para garantir o equilíbrio do self.

Desvelar o mundo interno demanda do indivíduo passos exploratórios no tocante à sua natureza psíquica. Para começar a dar os primeiros passos de acesso ao próprio inconsciente, primeiro é preciso reconhecer a limitação do ego que só dá conta de propor experiências concernentes à adaptação ao mundo exterior. É preciso dar-se conta também que a zona psíquica do inconsciente retém um bom número de choques e embates dolorosos que levam o indivíduo a se sentir traído ou enganado por suas próprias atitudes.

Arroyo (2004) faz uma descrição muito acertada da imagem cristalizada na memória do docente que se choca ou se decepciona com o tipo de aluno que hoje se depara na sala de aula, não se sentindo confortável em contato com alunos que há muito tempo mudaram suas imagens. Entretanto, o docente ainda não se lançou para mudar a sua própria imagem. Ele diz que é preciso fazer a nossa docência, sermos mais autores, cultivando um olhar profissional sobre a realidade dos alunos com os quais estamos lidando.

Concordo com o autor e acrescento que ao docente cabe também estar se dispondo a olhar para dentro de si mesmo, a título conhecer seu mundo psíquico, tornar-se sabedor de sua própria história de vida, suas fraquezas e contradições. Eu só posso acreditar na humanização do olhar docente, na medida em que este se defronta com sua própria realidade interna. Esse proceder ajuda a reconstruir suas vidas, a partir do itinerário humano em que estará mapeando experiências do âmbito pessoal, familiar, sua própria itinerância, enquanto alunos ou alunas com seus professores que deixaram marcas positivas ou negativas; enfim, fazer esse percurso para potencializar um olhar sensível em relação ao outro, reeducando-se a cada dia para que o convívio diário com a profissão não o endureça com condutas programadas e sentenciadoras.

Há que se ter momentos em que um se propõe a conhecer mais de si mesmo, se abrir mais, estar mais flexível para saber mais do outro e querer entender o mundo do outro. Esse proceder já poderia começar nos cursos de formação docente. Acredito que é bem pertinente trazer mais uma vez Arroyo (2004, p. 64) para finalizar provisoriamente essa discussão:

Não há como ficar neutros quando o ponto de mira são seres humanos, sobretudo em traumáticos processos de humanização. Nossos convívios cotidianos são com seres humanos. Os saberes escolares podem ser coisificados e ficamos neutros. [...]. Em cada aluno(a) há uma história pessoal, grupal, de gênero, raça, classe ou idade. Percursos singulares e coletivos que se entrelaçam com seus percursos escolares.

identidade profissional uma vivência transcendente que recusa terminantemente uma identidade alienada e/ou de assujeitamento. Ao contrário, criará coragem para Ser e conceber sua autonomia pensante, porque se percebe como profissional que está a serviço de uma educação em comunhão com a comunidade humana, planetária e cósmica. Se um sabe pouco de si, como saber e entender as condições e necessidades do coletivo?

5 O PERCURSO TOMADO PARA DESVELAR OS RELATOS AUTOBIOGRÁFICOS DOS ATORES DA PESQUISA

[... ] a verdade exclusivamente objetiva é uma ilusão. Melhor seria dizer que a ciência elabora uma realidade simbólica, que mistura sujeito e objeto e os vai desvelando relativamente. Byington