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Abro esse parágrafo falando de nascimento. Esse é um arquétipo que traduz as diversas maneiras de representar a criação da vida. O nascer resulta da espera ansiosa ou tranquila de quem está gestando um estranho já conhecido, porque pulsa na ligação amorosa do já criado. Exprime um rito de cumplicidade e troca silenciosa do alimento nutridor de cada átomo, de cada célula. O Ser que vai nascer antes fica em estado de repouso ativo, está em estado de latência, mas aí a vida já é um acontecimento embrionário. Quem está gerando experimenta os mais diversos sentimentos – alegria, ansiedade, insegurança e desvelo pelo novo Ser que a qualquer momento será convidado a passar pelo portal da vida.

O nascimento também exprime sentido no mundo das ideias, do conhecimento, das palavras que na fase embrionária ressoam como lampejos desconexos. Gestar conhecimento não é tarefa fácil. É preciso entrar em acordo com a rebeldia da mente que não obedece ao comando ordenador do tempo. A gestação do conhecimento é empreitada laboriosa, é intencional e intensa, é deixar livre o voo imaginativo para que ao final se possa brindar com o riso contemplativo de quem soube esperar, mas não se desalentou na espera.

Recordo nesse momento uma passagem vivida entre tantas que marcaram minha trajetória no desenlace dessa pesquisa. Tinha uma ideia, um grão, a semente que gestaria esse saber. Falava para todos o que queria, mas, era como se tratasse de um ser “andrógeno”, uma espécie rara e estranha sem lugar definido; não coincidia com o pensamento da maioria. Sempre me cansou fazer parte da maioria. Antes que me interpelem, já adianto dizendo que mais palatável é fazer diferente em diálogo com o igual, porque um apoiado apenas em si

mesmo não basta, pois é incipiente, assim como engessar-se na repetição de vozes é insípido, pois não acrescenta.

Assim, em minha caminhada de aprendiz precisava de alguém que acreditasse e me ajudasse a plantar para germinar e gestar o fruto dessa semente. Foi então que, dentre muitas vozes que exprimiam o convite sedutor para conduzir-me por outro caminho, escutei as seguintes palavras: “Deixem-na parir o filho que está querendo! É preciso experimentar, arriscar, se desafiar”. O que antes me afligia por não ser compreendida se transformou em alívio ao escutar as palavras firmes do meu orientador, Professor Dante Galeffi. Esse momento foi decisivo para mim.

Com essa vivência narrada identifico essa fase do trabalho como “Nasce uma flor de lótus”. Esse é o nome do/a filho/a gestado/a, um Ser que é “andrógino”, porque é resultante do encontro da minha anima com o meu animus. As duas partes se necessitaram, ora o pensamento, a lógica, a obediência para o cumprimento do instituído que me acordava sobre o que tinha a fazer, ora também me pegava embalada pelo sentimento que teimava em me levar pela imaginação, pela linguagem dos que vivem na cálida dimensão do poetizado.

Alguns poderão perguntar: “por que Flor de Lótus?” Então respondo, de forma simples e direta, que essa flor tem na superfície a suavidade e a leveza de suas pétalas e na parte mais profunda guarda a firmeza de suas raízes misturadas no lodo da terra banhada pelas águas. A Flor de Lótus é filha da água, da terra, do fogo e do ar. Certo dia, esses quatro elementos resolveram criar algo novo que pudesse inspirar o humano, já tão distante da natureza, a ponto de não saber mais dialogar com ela. A ideia era deixar algo que perpetuasse pela eternidade o enlace amoroso entre eles.

Pois bem, a partir do que cada um tinha a oferecer, somaram suas partes e criaram algo novo. A terra serviu de berço para repousar as raízes da planta, deixando extrair de suas entranhas o alimento para mantê-la forte e saudável, a haste ficou sob o lago alimentando-se das melhores linfas do seio das águas, garantindo crescimento suficiente para sustentar suas folhas e flores repousadas na superfície de águas cristalinas. O ar encarregou-se de exalar a brisa suave a fim de tonificá-la. E o fogo? Este deu o seu calor para as suas corolas obterem as cores mais delicadas e formosas. Quando então chegou o grande dia, a Flor de Lótus foi recepcionada pelo brilho do sol dando-lhe as boas-vindas à sua vida vegetal.

Fiz a narrativa de uma lenda que se tem perpetuado na memória coletiva, outorgando a essa flor o símbolo da pureza e perfeição, sendo, pois, uma imagem arquetípica. Os orientais, no culto budista, adotaram a Flor de Lótus em homenagem a Buda como símbolo da pureza que emerge delicadamente do lodo das águas. Encontrei nas palavras de Byington

(2008, p.6) também um interpretante simbólico de cunho arquetípico para a flor de Lótus quando ele diz que: “(...) a flor de lótus, que uma tarde desponta na superfície do lago é arquetípica porque sua raiz mergulha e se alimenta no tempo primordial da vida, no mítico illud tempore, o tempo sem tempo, que se revela sempre e de novo no tempo da vivência.

O sentido simbolizado desta flor exprime o nascimento dos interpretantes que deram sentido à pesquisa. Após proceder a análise cuidadosa, tensa e intensa, apresento-lhes abaixo, em forma de mandala, o que pude perceber a partir dos discursos dos participantes da pesquisa. Enfatizo que cada ator, ao aportar com suas histórias de vida, cumpriram um papel de grande importância para o nascimento da Flor de Lótus.

Figura 3: Mandala da Flor de Lótus – categorias e subcategorias desveladas.

No contexto desse estudo, a Flor de Lótus não nasceu ao acaso, mas gestada no lodo das entranhas do pensamento desordenado. Ela exprime o sentido da totalidade na unidade. Cada participante ocupou um importante papel para o nascimento da flor como unidade múltipla complexa e constituída pelo processo de interrelações. A história de cada participante resultou no material interpretativo discorrido nas páginas sehuintes.