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Uma pesquisa que tem o trânsito pelos meandros da subjetividade humana requer do pesquisador romper com os pressupostos epistemológicos e regras metodológicas imbuídas de certezas, à luz do determinismo mecanicista, tendo como certo a forma de conhecimento que se pretende utilitário e funcional. As reflexões de Santos (1999) em torno do “Discurso sobre as Ciências”, que descreve a crise do paradigma dominante de ciência, permite-nos ver a fragilidade dos pilares em que esta se funda. Ele diz que mais vale conceber a visão científica sustentada no conhecimento prudente e num paradigma social que restaura a vida decente.

Nessa perspectiva, não tem mais utilidade a separação entre ciências naturais e ciências sociais. O referido autor remete suas ideias a uma ciência sistêmica orientada para superar o princípio da separatividade. O sentido de tempo e espaço não é mais possível ser passado pelo rigor da medição, mas tão somente aspirar resultados aproximados. Por outro lado, a distinção sujeito/objeto perde os seus contornos dicotômicos e assume a forma de um continuum:

Assiste-se a um renovado interesse pelo “inconsciente coletivo”, imanente à humanidade no seu todo, de Jung. Aliás, Capra pretende ver as ideias de Jung confirmadas pelos recentes conceitos de interações sociais e não locais na física das partículas. Tal como na sincronia junguiana, as interações não locais são instantâneas e não podem ser previstas em termos matemáticos precisos (SANTOS, 1999, p.39).

Desponta o interesse por uma ciência não dualista, acenando para o entendimento dos fenômenos naturais e sociais convergentes e no que concerne ao campo da mente cabe ampliar o entendimento sobre os acontecimentos que se estendem para além dos individuais e humanos.

autoconhecimento. Assim, “a ciência não descobre, cria; e o ato criativo protagonizado por cada cientista e pela comunidade científica no seu conjunto tem de se conhecer intimamente antes que conheça o que com ele se conhece do real” (p.52). Mais assertivo é propor um conhecimento compreensivo e íntimo que não separa o pesquisador do estudado ressubjetivado numa concepção científica que ensina a viver e traduzir o investigado num saber prático.

Acrescento a essas reflexões as contribuições de Macedo (2004, p.159) que acredita numa ciência elegida pela produção do saber, exigindo do pesquisador a elucidação de sua relação com o objeto, como condição de compromisso com a verdade. Daí emerge uma nova subjetividade na produção do conhecimento em que o pesquisador se vê implicado a nível “psicoafetivo, histórico-existencial e estruturo-profissional”.

Essa pesquisa, portanto, se configura num caminhar epistemológico pelo paradigma sistêmico na transversalidade com o pensamento junguiano, enlaçados numa abordagem qualitativa. Percorrer tal caminho é enveredar sob o olhar na complexificação, na subjetividade e intersubjetividade, no contexto das inter-relações humanas e na humildade, reconhecendo a delicadeza e sutileza da escrita para a construção e validação do conhecimento científico.

Sendo, pois, uma pesquisa de cunho qualitativo concordo com González Rey (2002) quando este assinala que a atitude participante do pesquisador faz-se necessária, já que este está envolvido com a situação de pesquisa, tendo que estar atento à dinâmica que envolve as ações da investigação. Esse autor acredita que este proceder numa pesquisa qualitativa favorece aos participantes experienciar acontecimentos e emoções. Além disso, o convívio permite enxergar cada um como ser constituído por sua própria singularidade e este aspecto, para a pesquisa qualitativa, é considerado importante na produção de conhecimento.

A expressão individual do sujeito adquire significação conforme o lugar que pode ter em determinado momento para a produção de ideias por parte do pesquisador. A informação expressa por um sujeito concreto pode converter- se em um aspecto significativo para a produção de conhecimento, sem que tenha de repetir-se necessariamente em outros sujeitos. (p.35)

Portanto, em uma pesquisa que leva em consideração a subjetividade e o entrelaçamento entre sujeito e objeto, o pesquisador não se coloca fora do seu campo de estudo. Este é, antes, parte essencial e constitutiva do processo da pesquisa, desde a eleição do objeto até a análise conclusiva sobre o mesmo. Isso significa estar implicado como bem

pertinentemente destaca Macedo (2004).

Para trilhar tal caminho, necessário se fez recorrer à construção das narrativas, do movimento dialético da interioridade com a exterioridade, e promover uma abertura para a escuta no processo de formação dos indivíduos, como foi se constituindo cada experiência e fazer desse caminho o fundamento interpretativo de suas histórias de vida. Josso (2004, p.119) refere que “com efeito, entrar na lógica do outro e apropriar-se de sua narrativa exige, em si mesmo, uma grande concentração, pois, em contraponto, o trabalho interior em torno da própria biografia prossegue, sendo necessária uma atenção global para o que se passa no exterior e no interior de si.”

Para tanto, ao pesquisador, torna-se imperativo considerar as narrativas dos atores da pesquisa e levar em consideração os elementos encobridores do seu discurso interior, com vistas a desvelar o conteúdo latente que aparece à primeira vista controlado pela racionalidade do discurso. A lógica de quem fala tem a intenção (ainda que inconsciente) de assegurar a proteção de si mesmo, de resguardar sua autoimagem. No entanto, ao sentir-se confiante, esse ator permite aberturas e deixa-se ver para além da racionalidade, quando lhe apraz, e acionar o seu eu imaginativo, revelando-se.

Outro ponto a destacar quanto à pesquisa qualitativa diz respeito aos dados que se pretende obter com a investigação. Segundo González Rey (2002, p. 107), numa pesquisa qualitativa “os dados aparecem como uma linguagem própria, que devem ser “respeitados” pelo pesquisador para garantir o caráter objetivo da pesquisa”. Vale fazer aqui uma ressalva para a visão do autor ao sentido atribuído por ele sobre o que vêm a ser os dados da pesquisa. Ele enfatiza que numa pesquisa qualitativa aceitar o conceito de dado tem pertinência aos elementos que adquirem significação teórica e são identificáveis como elementos concretos na análise. Sua sugestão é empregar o conceito de “indicadores” para designar os elementos que adquirem significação a partir da interpretação do pesquisador. Como assim? A significação não é obtida diretamente da experiência nem pelo sistema de correlações. Nesse sentido, o objetivo (o que provém do objeto) e subjetivo se integram, e o seu valor como indicador só tem sentido enquanto está dentro dos limites do processo em que é produzido na pesquisa. O indicador não é conclusivo ao que foi estudado pelo pesquisador, mas representante de um momento no processo de produção da informação, podendo ser definido por um elemento ou por um conjunto de elementos. Para entender melhor como González Rey (2002, p.113) define dado e indicador, apresento seu próprio discurso:

que o pesquisador estabelece entre um conjunto de elementos que, no contexto do sujeito estudado, permitem formular uma hipótese que não guarda relação direta com o conteúdo explícito de nenhum dos elementos tomados em separado. O dado, no entanto, é utilizado em seu conteúdo explícito, ainda que esse caráter explícito sempre seja definido dentro do marco teórico em que o dado adquire sentido. Entre um dado e um indicador não há correspondência biunívoca: o indicador está sempre associado a um momento interpretativo irredutível ao dado.

Desse modo, os indicadores assumem a posição de representar um momento dentro de um processo que passa a dar sentido a outros indicadores integrando-se para dar sentido à interpretação realizada durante a pesquisa. Por esse caminho o pesquisador deixa de seguir um caminho linear do investigado que remete a conclusões de correlações impessoais, sem produção de novos conceitos, além do nível tangível, para vivenciar uma pesquisa contextualizada, tendo os indicadores como categorias que facilitam o surgimento dos complexos processos no estudo da subjetividade humana. Os indicadores aparecem nos instrumentos, nas relações entre eles e nas diferentes situações que constituem o campo da pesquisa.

Como já fiz ver em outros momentos, tenho como princípio teórico uma pesquisa apoiada pela visão sistêmica, cujo trânsito se sustenta pela circularidade e pela complexidade como abordagem epistemológica. Ao me inteirar do pensamento de González Rey (2002), localizei em sua proposta de pesquisa qualitativa outro ponto substancial para o que venho propondo – ele pressupõe uma abertura de novas zonas de sentido ao âmbito da pesquisa. Sua visão apóia-se na epistemologia qualitativa, não se orientando para a produção de resultados finais, mas para a produção de novos momentos teóricos na construção de conhecimento.

Desse modo, ele defende os processos envolvidos na produção de conhecimento com base numa lógica configuracional e coloca o pesquisador no centro do processo produtivo estando este ligado aos diferentes processos do problema pesquisado e, com isso, se torna importante considerar a articulação do processo e o contexto em que é realizado o estudo. A lógica configuracional orienta para a definição dos complexos processos intelectuais concernentes ao conhecimento da subjetividade. Com essa lógica, o pesquisador deixa de ser seguidor de regras para se tornar um sujeito ativo que constrói as diferentes opções no curso da pesquisa, a exemplo do caminhar metodológico no estudo que se apresenta. Pressupõe, nesse caso, a imprevisiblidade no curso de sua elaboração que desafia o pesquisador a encontrar sentido em relação aos aspectos estudados, e concentrar sua atenção no momento da pesquisa de cunho complexo, sem regras a priori que possam seguir. Essa lógica não

representa um processo consciente e intencional do pesquisador, mas um processo que o instiga a ser criativo, que organiza a diversidade do estudado e de suas ideias em “eixos” de produção teórica e promove uma continuidade na construção do estudado (ibidem).

Portanto vejo que a contribuição desse autor valeu para respaldar meu percurso investigativo, sem perder de vista o sentido atribuído ao que até agora venho delineando. A seguir, descrevo os momentos que me levaram ao campo, provida de expectativa quanto ao que poderia encontrar.