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Os funcionários do 2° plano, em sua maioria, foram os primeiros a empunharem a bandeira das mudanças organizacionais internas, ainda que de forma segmentada em um primeiro momento e de forma mais coesa em seguida. Essas mudanças culminaram com o envolvimento formal de outros funcionários como os dos 3° e 4° planos e inúmeros outros, informalmente (não estavam presentes formalmente em nenhum plano), em algum tipo de atividade relacionada diretamente ou indiretamente ao segundo projeto de modernização (cap. 5).

Quando procuramos analisar nas entrevistas como se deu a constituição dos agentes do segundo projeto de modernização de modo a confrontar e validar os dados que temos sobre sua composição formal, nos deparamos com uma divisão do trabalho e a constatação de um conflito. Os funcionários do 2° plano eram os que empreenderam e conceberam o projeto, e convocaram os funcionários do 3° e 4° planos, que, por sua vez, foram os que realizaram os trabalhos.

No conjunto das entrevistas com os funcionários do 2° plano, constatamos indícios de que havia algum tipo de resistência à modernização: por um lado, nem todos eles eram a favor e estavam empenhados para que o projeto fosse realizado e, por outro, havia um tipo de impulso decisivo de alguns deles para a sua concretização. Ou seja, a modernização, não

nasceu do acordo passivo e unívoco dos agentes do alto escalão da empresa. Havia algum tipo de resistência por parte do corpo gerencial no caso do primeiro projeto de modernização (a), e indiferença de alguns funcionários do alto escalão no caso do segundo projeto de modernização (b).

(a) “Tinha 5 projetos ou planos [primeiro projeto de modernização] para que quando o cara comprasse a empresa, ele olhasse e falava: ‘pô essa empresa ela está na parte técnica equacionada, bem na parte comercial, na parte de RH tá bem e ela tem um conjunto de indicadores para aferir produtividade, para estimular o desempenho, inclusive remuneração por desempenho previa lá. Você previa penalizações, responsabilidades […]. O cara tinha que propor metas; se ele não cumprisse seria penalizado, se ele cumprisse seriam premiado. Isso gerou um negócio… incomodava muita gente, falava: ‘e se o sujeito propõem, e não cumpre?’ Bom, de alguma maneira ele tem que ser penalizado. E todo mundo ficava meio assim: ‘como?’ Na cultura da estatal era meio assim; não deu, não deu e vira a página” (Ex-funcionário do alto escalão92).

(b) “Na realidade é complicado o que eu vou falar. Existiam algumas apostas. Existia quem apostava que o projeto... Eu acreditava nesse projeto, dessa reengenharia toda [segundo projeto de modernização]. Eu achava que isso ia ser uma coisa necessária que iria acontecer de uma forma ou de outra. E tinha aqueles que acham que não iria ter nem privatização e que esse projeto iria falir. Então, na realidade existia os que apostavam em ir e os que empurravam os outros para ir entendeu, para não estar dentro […]. Os grandes, essas pessoas que tinham mais influência política na empresa, nenhuma foi. […] As pessoas que eram do corpo gerencial ligada ao partido que governava votaram nos outros. […] O pessoal talvez apostasse que ficando na linha de frente teria maior sucesso: nas regionais, nas áreas descentralizadas, fora do projeto. Porque o projeto estava trabalhando para dentro, quer dizer, a vida da empresa continuou fora” (Engenheiro, funcionário do alto escalão).

Diante do problema constatado, decidimos deixar a apresentação dos indivíduos eficientes e criar uma definição analítica que acreditamos ser capaz de considerar, um pouco pelo menos, a observação de que alguns não eram pela modernização. Isto é, procuramos filtrar alguns agentes da definição formal e chegar a um conjunto mais puro de agentes que desde o início eram pela modernização. Por isso, enveredamos por procurar encontrar o núcleo desses agentes, um conjunto de agentes mais puro do que aquele apresentado pela relação formal. Procuramos delimitar esse núcleo de agentes para trabalhá-lo como bloco

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Usamos a expressão “ex-funcionário do alto escalão” para substituir o nome do cargo mais elevado que o entrevistado atingiu na empresa, pois isso poderia levar à sua identificação. Por alto escalão entendemos gerente de departamento, gerente regional, diretor, assessor de diretor, presidente e assessor da presidência.

analítico mais conciso, um bloco que impulsionou a modernização. A partir dele, vamos procurar o porquê de suas ações e como elas se impuseram sobre o restante dos funcionários.

Esse núcleo mais puro objetivamente começou a se constituir antes mesmo da eleição do governador Mário Covas em 1994 e decantou em um conjunto que, em meados de 1996, era o grupo do alto escalão da empresa empenhado em realizar a modernização. Vamos apresentar 4 pontos modais que nos permitiu fazer essa afirmação sobre a gênese do que vamos chamar de alto clero da modernização, e seus principais cardeais: (a) antes da posse do governador, (b) nos primeiros meses de mandato da nova diretoria, (c) no momento do lançamento do primeiro projeto de modernização e, finalmente, (d) no momento do lançamento do segundo projeto de modernização.

Antes da posse do governador. Desde o início de 1995, um conjunto de funcionários

estava tomando iniciativas para fazer a modernização da empresa acontecer. Uma parte deles vinha se reunindo com seus pares das outras empresas do SEP, com o secretário estadual de energia adjunto e com acadêmicos da Universidade de São Paulo para pensar os rumos das empresas e das mudanças institucionais no SEP, mesmo antes da posse do governador Mário Covas, como nos relatou um cardeal do alto clero.

“O PSDB ganhou a eleição e houve um grupo dentro da [EC] que estava planejando a transição da empresa. Eu fui convidado a participar desse grupo que eu nem sabia da existência […] cujo líder era o […] que depois virou presidente da empresa […] e escolheu as pessoas que iriam gerenciar. Eu fui escolhido para ser gerente regional […]. Como que se formou eu não sei porque eu fui convidado no meio dele, vamos dizer assim, eles não tinham ninguém aqui em [nome de cidade] e me convidaram […]. Isso é transição da empresa do governo Fleury para o governo Mário Covas […]. É neste grupo que começou a se falar em privatizar a empresa. Aí nasceu a privatização num grupo que se reunia lá na USP em São Paulo que era o David Zilbvernstain […] o Bernini […]. Tinha gente de todas as empresas do governo, da Comgás, de todo mundo. O que esse grupo fazia? O que esse grupo pretendia fazer? A transição política e a transição do modelo estatal e monopolizante para o modelo liberalizante. Foi aí neste grupo que surgiu a questão da privatização das empresas, do novo modelo do setor elétrico e de como fazer isso […]. Essa era a missão mais difícil porque você para quebrar a cultura da empresa que era uma cultura forte de política, uma cultura forte de Estado dentro das empresas e passar as empresas para uma cultura empresarial […]. Fui em algumas reuniões lá. Tinha mais gente da [EC]. Nessa época ninguém era nada ainda porque o governo não tinha tomado posse ainda. Na verdade foi antes da eleição até. Era um projeto de em ganhando a eleição fazer as mudanças que achassem necessárias, que o pessoal achava que era necessário naquela época […]. O que se pretendia? Se você fosse vender a empresa como ela estava que era uma empresa com [N] empregados com uma estrutura

antiga, a empresa não valia nada. Porque ninguém compra uma empresa para por tanto dinheiro encima dela, ter que mandar um monte de gente embora, fazer uma reestruturação enorme. Isso vai dinheiro, traz desgaste, tudo isso. Então”, o”. que se pretendia? Preparar a empresa para vender. E isso foi feito […]. Houve interesse pela empresa porque as pessoas viram o fluxo de caixa da empresa. Ela foi avaliada pelo fluxo de caixa, não foi avaliada pelo físico […]. Porque a empresa estava preparada para a mudança já. Então, era isso que se pretendia nesse grupo: ‘o que nós vamos fazer para tornar a empresa viável dentro de um modelo organizacional novo, num modelo organizacional de empresa privada para que haja interesse de compra dessa empresa? Como mudar isso sem que se faça uma carnificina com os empregados, uma transição que seja uma transição digna para todo mundo, uma transição que aliás iria ser feita de qualquer jeito’ […]” (Advogado, ex-funcionário do alto escalão93).

A transição de algo representado como uma mentalidade de uma empresa estatal para uma de empresa privada era uma proposição da nova diretoria da empresa desde o início da sua gestão (cap. 4), e era algo empreendido por um conjunto relativamente restrito de agentes do alto escalão da empresa.

Reunião de cúpula no primeiro trimestre de mandato da nova diretoria. No final do

primeiro trimestre de 1995 houve uma reunião entre o presidente da empresa, o secretário estadual de energia, alguns acadêmicos da Fundação Instituto de Administração da Universidade de São Paulo e gerentes de departamento e assessores da EC (cap. 4). Nessa reunião eles discutiram as novas diretrizes da empresa para os 4 anos subseqüentes. Dela saiu a primeira configuração de agentes encarregados de levar adiante essas diretrizes. Tanto esses agentes como as diretrizes e os planos para executá-las, em grande medida, resultaram posteriormente no conjunto de agentes e planos do primeiro projeto de modernização.

Agentes formais no momento do lançamento do primeiro e do segundo projeto de modernização. Os agentes autóctones presentes na reunião supracitada, constituíram a cúpula

de agentes que empreenderam os planos do primeiro projeto de modernização. Em seguida, um ano depois, esses agentes constituíram a cúpula dos planos do segundo projeto de modernização.

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Vamos tomar como uma construção analítica que a constituição do alto clero resultou de uma decantação de agentes que ocorreu desde o final de 1994 (antes da posse da nova diretoria), passou por uma reprodução na reunião referida, constituiu a cúpula do primeiro projeto de modernização e subseqüentemente emigrou para a cúpula do segundo projeto de modernização. Objetivamente, vamos identificar esses agentes como sendo os que estavam presentes nos postos de comando, direção e coordenação dos planos do primeiro projeto de modernização e migraram para postos homólogos no segundo projeto de modernização.

O presidente e os diretores da empresa são do alto clero sem equívoco. Basta dizer que foram nomeados pelo governador para cuidar de realizar mudanças nas empresa e prepará-la para uma eventual privatização (cap. 03). Resta-nos explicar como chegamos aos outros agentes de carreira na empresa que também constituem o bloco analítico alto clero da modernização. Para isso, a digressão explicativa que segue é necessária.

Tomamos os seguintes passos. Na primeira etapa, consideramos os funcionários que formalmente estavam presentes no primeiro projeto de modernização, exceto o presidente do CRE, o presidente da empresa e os diretores adventícios. Chegamos a 47 funcionários de carreira na empresa. Em seguida, fizemos o mesmo com os funcionários que formalmente estavam no segundo projeto de modernização. Nisso desconsideramos, além dos já citados, o representante da empresa de consultoria, o representante da SEESP e os já citados na primeira etapa. Dessa forma, restaram 105 agentes.

Na terceira etapa, cruzamos os nomes dos agentes do primeiro e do segundo projeto de modernização e consideramos do alto clero somente aqueles que estavam presentes nos dois. Chegamos, então, a 20 agentes94 (Quadro 09 e 10).

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Formalmente o número de indivíduos eficientes do 2º plano é 23. Entretanto, em nossa criação do conjunto analítico alto clero, desconsideramos 5 deles e acrescentamos 2 que formalmente pertenciam a outros planos: desconsideramos 1 porque ele era o presidente do CRE; desconsideramos 4 porque estavam presentes formalmente somente na lista de agentes do segundo projeto de modernização e não estavam presentes formalmente na lista dos agentes do primeiro projeto de modernização; e acrescentamos 2 pela razão inversa, isto é, porque estavam presentes na lista formal dos agentes do primeiro e do segundo projeto de modernização.

No primeiro projeto de modernização, eles eram da equipe que dirigia o projeto como um todo e eram das coordenações dos grupos de trabalho. E, no segundo projeto de modernização, eles estavam presentes, em sua maioria (18), no 2° plano e alguns (2) no 3°

plano. O alto clero era representante da presidência e das diretorias, seja como assessores, seja

como gerentes de departamento e gerentes regionais.

Sendo, a maioria do alto clero, do 2° plano do segundo projeto de modernização, esclarecemos que 4 dos que eram oficialmente desse plano não estão na nossa classificação de alto clero; três eram gerentes regionais e um era funcionário de carreira. Isso não significa que esses agentes não eram do alto escalão e não eram pela modernização, mas significa que, como não estavam presentes oficialmente no primeiro e segundo projeto de modernização, vamos tomar, como um dado, que não eram do núcleo mais puro dos agentes do alto escalão que começaram a empreender a modernizaçãodesde 1995.

Da mesma forma, ficaram fora da nossa delimitação de alto clero alguns agentes que estavam no primeiro projeto de modernização e tinham cargo de nível de gerente de departamento, mas não estavam no segundo projeto de modernização. Entretanto, eles estavam na empresa e participaram de iniciativas posteriores da modernização. Enfim, tivemos que adotar um critério de delimitação de um núcleo de agentes do alto escalão da empresa que empreendeu a modernização.

O importante analiticamente é que os agentes relacionados no Quadro 09, constituem o que pudemos objetivar como os do núcleo da modernização, os do alto clero da modernização, brevemente: aqueles que desde o início da gestão iniciada em 1995 objetivamente estavam tomando posições pela modernização, eram funcionários de carreira e faziam parte do alto escalão da empresa.

Os agentes do alto clero, desde o início da gestão em 1995 e, especialmente com a modernização, estavam afinados com as diretrizes do governo estadual para o SEP e

investiam trabalho e tempo em iniciativas e projetos de mudança organizacional; que não só realizavam as prescrições da SEESP, como iam além delas (cap. 4). Essa afinidade e auto- impulso foram objetivados com a criação e implementação do primeiro e do segundo projeto de modernização, que foi realizado em grande parte com a ajuda da Andersen Consulting, como ilustra o caso de um dos principais cardeais do alto clero:

“Logo à primeira vez que eu vi o modelo que a Andersen apresentou tal, eu me lembro que eu fui o primeiro que se assustou. Isso aqui é um negócio, vai haver um enxugamento brutal, quando eu comecei a ver o modelo. E depois eu fui um dos primeiros que comecei a defender o modelo. Eu me lembro na primeira reunião que a gente fez, gerencial, para discutir o modelo. Tinha um monte de gente contra. Eu, tiveram poucos que foram lá na frente e disse não isso é assim e tem que ser assim mesmo” (Engenheiro, funcionário do alto escalão95).

Segundo o que consta nas entrevistas, o alto clero era uma equipe distinta porque eram depositários de conhecimentos técnicos, administrativos, comerciais, financeiros, etc. das atividades e práticas, rotineiras e funcionais da empresa, assim como dos funcionários e das suas relações com seus pares, seus cargos e suas funções96. Em complemento, como constatamos na objetivação de suas características pertinentes, esses agentes eram membros dessa equipe porque vinham ascendendo aos cargos de alto escalão da empresa desde, pelo menos, a primeira metade os anos 80, e porque uma parte deles tinha relações políticas com agentes de fora da empresa do âmbito político-partidário — que eram recursos que se entrefiavam e entrefortaleciam. O trecho de uma entrevista nos ilustra bem a combinação do conjunto de recursos que eles possuíam e que, em parte, definiram sua posição nessa equipe.

“A escolha dos [alto clero] teve 2 motivos. Foi escolhida pela diretoria que procurou pessoas que representava … não. Primeiro, tinham conhecimento das técnicas e dos procedimentos da empresa, uma escolha técnica. E também uma escolha política porque precisava. Não pode esquecer que a empresa era uma estatal, e assim tinha muita influência política. Então, precisava escolher pessoas que também eram líderes dentro da empresa, líderes de funcionários. Com esse enfoque a diretoria escolheu todos os gerentes regionais, porque são pessoas que têm duas qualificações: têm força política muito forte porque representa uma região e pela própria função deles tem contatos políticos muito fortes com prefeitos e todas as áreas, empresários,

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Idem nota n° 35.

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Muitos eram funcionários autóctones que atuavam como assessores de diretores adventícios que eram pouco socializados com as rotinas e processos de trabalho da empresa e com o seu corpo de funcionários.

grandes consumidores, a população; e têm também o conhecimento técnico […] Além disso foram escolhidas pessoas de dentro da sede; gerentes da engenharia, da manutenção, do planejamento, de recurso humanos, presidente do CRE” (Engenheiro, ex-gerente regional — alto clero).

“Aí teve o [segundo projeto de modernização, onde viriam para o projeto de modernização algumas pessoas indicadas. E eu não fui indicado. Fiquei na regional com a missão de fechar a portinha e ser mandado embora depois […]. Quem veio para o [segundo projeto de modernização] via de regra, salvo algumas exceções de reconhecida capacidade técnica, eram pessoas do PSDB ou ligadas ao PSDB, ou ligadas aos dirigentes do PSDB” (Engenheiro, funcionário do alto escalão97).

O alto clero se representava como sendo “um grupo de gerentes de alto nível da

empresa”, como os “visionários” da modernização, como os que “olhavam, discutiam e analisavam com os consultores” os estudos que eram feitos pela “consultoria e as pessoas das áreas”, isto é, pelo baixo clero (Engenheiro, ex-gerente regional — alto clero). Enfim, estes agentes estavam encarregados de “acompanhar todas as atividades do Projeto, aprovando a

seqüência das iniciativas e o cronograma de sua execução” (Fita Cassete de Apresentação do

segundo projeto de modernização).

Em conclusão, procuramos demonstrar que, desde o início da modernização, havia um núcleo de agentes do seu alto escalão que estava tomando decisões e impondo iniciativas para levá-la a uma transformação. Em nosso bloco analítico, eles são 20. Mas, por fim, o número de agentes do alto clero decresceu para 17. Isso porque 3 deles foram constituir outro grupo analítico que, forçosamente, tem que ser distinguido, como vamos explicar a seguir.