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De modo geral, as respostas à crítica artística trouxeram de volta a ordem na produção e permitiram maiores vantagens para os patrões no que tange à divisão da renda em lucros e salários. Isso foi favorecido pela cooperação dos empregados que, de um lado, estavam constrangidos pelo medo do desemprego e, de outro, estavam auferindo benefícios diferenciados.

No que tange à desconstrução do mundo do trabalho, (Boltanski e Chiapello, 1999: 291-343) um dos eixos principais das novas estratégias das empresas foi a flexibilidade. Ela lhes permitiu passarem as incertezas do mercado para os assalariados e para outras empresas menores; seja por via das flexibilidades internas, que se referem às transformações na organização do trabalho e das técnicas utilizadas (polivalência, autocontrole, autonomia, etc.), seja por via das flexibilidades externas, que se referem a contratações de empresas ou a subcontratações de mão-de-obra abundante no mercado. Em ambos os casos, passou a ser corrente a utilização de empregados em condições precárias — maleáveis conforme o tempo, com direitos contratuais precários, sem seguridade social, etc.

No plano das transformações na organização interna do trabalho, têm origem situações híbridas, basicamente em relação ao taylorismo. Por um lado, as rupturas com o taylorismo: o advento dos grupos polivalentes e autônomos que deliberam aos trabalhadores tarefas que eles não tinham antes, como de manutenção e controle de qualidade; o crescimento da autonomia dos assalariados em relação ao horário de trabalho e aos postos de trabalho; a supressão de níveis hierárquicos, etc. Por outro lado, o enrijecimento do taylorismo: a manutenção da separação quase estanque entre concepção e execução do trabalho; o aumento da cadência das tarefas; a eliminação de tempos mortos; etc. No plano das transformações no tecido produtivo, foram engendradas iniciativas como a terceirização de atividades, a redução do tamanho dos estabelecimentos, a concentração sobre as atividades mais rentáveis e de maior vantagem competitiva, a subcontratação de diversas formas, o trabalho provisório, dentre outras.

Ambas as transformações tiveram impactos negativos sobre o trabalho: implicaram em precarização do emprego; facilitaram maior seletividade do pessoal que, de diversas formas, prefere homens, jovens, brancos, escolarizados, qualificados, não sindicalizados, dóceis, etc.; levaram à dualização dos assalariados (pessoal em que se investe com políticas de fidelização e pessoal que permanece sob as condições precárias) que tem como conseqüência situações

diferentes em relação à jornada de trabalho, a salários, a direitos trabalhistas e sociais, a status, à estabilidade no emprego, às condições salubridade no trabalho, etc.; implicaram em aumento da intensidade do trabalho em menor proporção que o aumento dos salários (pagamento só pelo tempo trabalhado, eliminação de tempo morto, aumento da cadência das tarefas, etc.).

Os impactos negativos sobre o mundo do trabalho, especialmente o aumento da intensidade do trabalho sem aumento salarial, foram reforçados e viabilizados também pelos novos métodos de gestão como a contabilização individualizada de diversos grupos ou equipes autônomas. Dessa forma, elas têm que prestar contas de suas performances econômica, produtiva, etc., vis-à-vis aos seus pares que são concorrentes, clientes internos, ou financiadores. Isso, por sua vez, implica em uma situação de controle intra e entre equipes e grupos. Os impactos negativos foram reforçados também pela utilização de novas tecnologias, notadamente a da informática que permite controlar melhor as relações de trabalho — suprimir intervalos, conhecer exatamente as performances, as distâncias, calcular tempo de operação das atividades, comparar o desempenho das diferentes unidades, diminuir o número de supervisores, etc., sobretudo via o ERP (Entreprise Resources Planning). E, ainda, tais impactos negativos foram avigorados pela individualização da situação de trabalho, de remuneração e de competência. De uma forma ou de outra, ela coloca os trabalhadores sob tensão o tempo todo e faz de cada indivíduo o responsável por seu destino.

A causa do enfraquecimento das defesas do mundo do trabalho, (Boltanski e Chiapello, 1999: 344-419) é fundamentalmente o enfraquecimento dos sindicatos e de outras organizações de voz dos empregados de modo geral. Os fatores principais da debilitação sindical foram: o aumento do desemprego e a ampliação dos empregos precários que causaram maior mobilidade das pessoas e a desintegração das comunidades de trabalho locais; “o contornamento dos sindicatos pelo neogerenciamento”, isto é, a individualização

dos assalariados implicou em aumentar e reforçar o papel do chefe hierárquico sobre a avaliação dos assalariados (muitas vezes em conjunto com seus pares) quanto à remuneração fixa, às gratificações, às complementações por objetivos atingidos, à evolução em postos e posições na hierarquia, etc. Em conjunto, esses fatores aumentaram o comprometimento das pessoas no trabalho, aumentaram a competitividade entre elas e implicaram no atrofiamento das possibilidades de solidarização, de formação de espírito de corpo e de ações coletivas de resistência. Ao contrário, as pessoas passaram a recorrer mais aos superiores na hierarquia que aos sindicatos para defender, resolver ou ampliar seus interesses. E, desta forma, em grande medida, privam os sindicatos de meios e informações para perceber e capitalizar sobre pontos de conflito.

De fato, os novos dispositivos, as novas mudanças na organização e na gestão do trabalho foram surpresas para os sindicatos que não sabiam bem como se posicionar e como enquadrá-las; contrapor-se a elas porque eram partes de uma iniciativa patronal, ou juntar-se a elas porque eram partes de suas reivindicações. Eles tinham posições ambivalentes e conflituosas sobre as iniciativas patronais como a flexibilidade, a participação, a qualidade total, os rearranjos e reduções do tempo de trabalho, dentre outras. Isso implicou em problemas para formarem uma frente única e implicou em oportunidades diferentes para os assalariados comporem ora com os sindicatos, ora com a empresa. Essa dupla oportunidade para os assalariados reforçou a ambivalência e o enfraquecimento dos sindicatos, especialmente porque eles temiam arriscar a perda de confiança dos filiados, além do que já tinham perdido e estavam perdendo em relação a determinados segmentos de trabalhadores, de sindicalizados e em relação à sociedade mais geral — sindicalistas profissionais, assalariados, burocratas, pelegos, afastados da base, etc.

Conseqüentemente, tanto a desconstrução, como o enfraquecimento do mundo do trabalho promoveram a diminuição das críticas dos trabalhadores junto às empresas,

implicaram em assimetria de informações, em favor da empresa e dos gerentes, sobre a empresa e sobre as inquietações e insatisfações dos trabalhadores, redundaram em dificuldade de resistência política às hostilidades praticadas contra sindicalizados e sindicalistas. Este conjunto de acontecimentos, em parte, tiveram ainda um efeito em cascata sobre o enfraquecimento do sindicalismo.