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1. ENCONTRO COM A HISTÓRIA DO (GRUPO) AFRO-BRASILEIRO EM IJUÍ

1.4 Zumbi dos Palmares: símbolo de resistência para a cultura afro-brasileira

1.4.1 A Constituição Dos Palmares

Os negros foram trazidos aos milhares para o Brasil devido à necessidade do trabalho nos engenhos de cana de açúcar. Quanto mais o mercado prosperava, maior o número de negros trazidos de diversas regiões do continente africano.

Negros...negros...negros...Os colonizadores queriam negros, e estes, com efeito, foram chegando, primeiro às centenas, e depois aos milhares. Fecundadas pelo trabalho negro Pernambuco e Bahia ganharam vida. Na orla litorânea floresceram os canaviais, multiplicaram-se os engenhos. Pelos fins do século XVI, Pernambuco e Bahia já despontavam no mercado mundial como os maiores produtores de açúcar. (FREITAS, 1984, p.12) Segundo análise do historiador, para continuar ocupando o primeiro lugar na produção de cana de açúcar, havia a necessidade de trazer cada vez mais negros para o Brasil,

para que estes se ocupassem do trabalho braçal nos canaviais. “Para tornar possível essa produção, os traficantes descarregavam na costa brasileira, cada ano, uma média de cinco mil negros”. (FREITAS, 1984, p.12)

Porém, diante das condições de vida e de trabalho forçado ainda no final do século XVI em Pernambuco, alguns negros se rebelaram contra a condição de escravo e reagiram contra os senhores de um grande engenho de açúcar que se localizava ao sul da Capitania de Pernambuco. Dominando-os, se tornaram senhores no lugar onde eram submetidos à escravidão, mas, depois deste ato, não sabiam como continuarem livres sem serem caçados e capturados pelos capitães do mato. Houve então, a tentativa de se embrenhar na região dos Palmares. 7

A região recebera esse nome devido à abundância de palmeirais. Um documento do século XVII descreve-a como “um sítio naturalmente áspero, montanhoso e agreste, com tal espessura e confusão de ramos, que em muitas partes é impenetrável à toda luz; a diversidade de espinhos e árvores rasteiras serve de impedir os passos e intrincar os troncos”. Um mundo animal de onças, chacais, serpentes e mosquitos, todos uma ameaça mortal para o homem ocultava-se naquelas hostis e incógnitas paragens. (FREITAS, 1984, p.9)

Justamente pela dificuldade de adentrar nessas matas é que os negros viam ai uma possibilidade de continuarem livres da escravidão, da vida dura nos engenhos, a qual eram submetidos. Segundo Freitas (1984, p. 9) “no topo dessa serra abriram clareiras e levantaram choças cobertas de palha, chamaram as choças de mocambos – do quimbundo mukambu”. Este termo, explica o autor, passou a ser usado pelos portugueses para generalizar, nomear os povoados que se constituíam nas matas a partir da fuga dos escravos que se rebelavam contra o terror da escravidão. 8

É certo que a formação de quilombos não tenha sido a única resistência do povo negro na luta pela liberdade, mas, foi de fato a que ganhou maior visibilidade, pois foi um movimento típico dos escravos, (REIS, 1996). Logo, Palmares significou um refúgio seguro

6 Palmares- imensa selva virgem que principiava na parte superior do rio São Francisco e ia terminar sobre o sertão do cabo de Santo Agostinho. “Palmares. A guerra dos escravos” (FREITAS, 1984).

8 Reduzido à qualificação de coisa, o escravo podia ser vendido, alugado, penhorado, testado e, finalmente morto. (...) O Padre André João Antonil, provincial dos jesuítas e reitor do colégio da Bahia no começo do século XVIII colocava em pé de igualdade escravos, cavalos, éguas e bois. (...) Os senhores de escravos haviam criado um sistema de terror maciço e permanente que obedecia ao duplo propósito de julgar rebeldias e assegurar o normal funcionamento da organização econômica. Os castigos e tormentos infligidos aos escravos não constituíam atos isolados de puro sadismo dos amos e seus feitores, mas uma necessidade imposta irrecusavelmente pela própria ordem escravista, que de outro modo entraria em colapso (Idem).

para aqueles que conseguiam fugir dos engenhos, assim, o número de refugiados aumentava consideravelmente.

Antes da descoberta deste refúgio as fugas não significavam libertação, pois não havia para onde fugir. Por isso, a formação dos quilombos foi fundamental para aqueles que se rebelavam contra a escravidão. “Um quilombo constava de sete quarteirões, para cada um dos quais era nomeado um oficial como chefe. No centro erguia-se a habitação do chefe – que os portugueses na sua concepção feudal, denominavam de senhor dos quilombos”. (FREITAS, 1991, p.32)

Crescia então, o número de refugiados nos Palmares, que de tempo em tempo, acabavam voltando aos engenhos na busca de armas e ferramentas de trabalho, não perdendo a oportunidade de se vingar dos feitores. “Os palmarinos faziam excursões para se prover de armas, pólvora e ferramentas de trabalho. Como se pode imaginar, não perdiam oportunidade de exercer sua vingança depredando engenho, ateando fogo em plantações e justiçando feitores”. (FREITAS, 1984, p. 29)

Além disso, os palmarinos disseminavam a ideia de liberdade para os negros que se encontravam nos engenhos. Também há relatos de que levavam para os Palmares mulheres negras, índias, mulatas e brancas: “um documento fala que os palmarinos voltavam a serra, depois de uma incursão, levando mulheres e filhas donzelas dos moradores. Mas, há notícias também de mulheres brancas que fugiam espontaneamente para o asilo selvático dos negros”. (FREITAS, 1984, p. 28)

A vida dos negros nos Palmares se deu através de muito trabalho, principalmente em se tratando da agricultura que foi fundamental para sua sobrevivência.

Na África haviam sido acima de tudo, homens da terra: a agricultura parece impregnar toda a história do Continente Negro. O cativeiro obliterara essa rica experiência agrícola. Ao passo que na África haviam praticado uma policultura baseada em técnicas complexas, no Brasil se tinham vistos rebaixados a uma monocultura primária. Neste aspecto, como em tantos outros, a escravidão significou para o negro, não um progresso, como se pretende, mas uma regressão brutal. (FREITAS, 1984, p.35)

Outro processo de regressão se evidencia no uso de madeiras como instrumento para o trabalho agrícola, sendo que alguns grupos étnicos já conheciam a metalurgia, ou seja, o trabalho com o ferro. Foram estes negros da Serra da Barriga9 que utilizaram o ferro não só como instrumento de produção, mas também como instrumento de ataque contra as

propriedades que mantinham escravos. “Há indicações de que o trabalho do ferro assumiu entre os Palmares o mesmo caráter honroso, quase sagrado que tinha na África”. (FREITAS, 1984, p.35)

A Serra da Barriga abrigava negros de diversas etnias africanas, o que acabou por constituir um “mosaico étnico cultural”, devido ao fato da diversidade cultural. (FREITAS, 1984, p.39) discute que, “Apenas porque os documentos aludem a negros da “Guiné”, “Ardas”, “Congos”, “Angolanos”, “Minas”, “Cafres”, de “Cabo Verde” ou “São Tomé” não se deve supor que eles possuíam uma origem étnica ou cultural comum”.

De um lado, toda essa diversidade étnica significava segurança para os colonos, bem como para os traficantes que temiam rebeliões. De outro lado, a diversidade étnica só veio a se alastrar no “cadinho palmarino”. Em consonância com Freitas, Reis (1996) também discute que os negros foram trazidos de diversas partes do continente africano, o que tornou possível entender que Palmares tenha se transformado num “cadinho de grupos” que se originaram do centro-sul da África, com tamanha diversidade linguística.

A confusão étnica aumentou ainda mais no cadinho palmarino. Os negros não apenas se misturaram entre si – misturaram-se também com índios, mulatos e mesmo brancos. A massa palmarina, portanto, longe de constituir um todo compacto e homogêneo, formava um complexo composto étnico. A mescla desvaneceu ou enfraqueceu muitos dos traços étnicos originários dos negros. (FREITAS, 1984)

Justamente através dessa heterogeneidade é que houve possibilidades de compreender o movimento palmarino. No que menciona Freitas (1984) a base desse movimento não se fundava em questão de uma cultura incomum. Era antes de tudo alicerçada no sofrimento em comum, havia de fato um vínculo de sofrimento, de agonia.

Da mesma maneira, Reis (1996) escreve que não eram somente negros a viver nos Palmares. Mas, também brancos em fuga devido à deserção do exército, ou fugitivos da lei eclesiástica, entre tantos outros que acabavam compondo uma enorme diversidade cultural. É claro que se evidencia que o número de africanos e seus descendentes imperava.

Esta população não era constituída apenas de escravos fugidos e seus descendentes para ali também convergiam outros de trânsfugas, como soldados desertores, os perseguidos pela justiça secular e eclesiástica, ou simples aventureiros, vendedores, além de índios pressionados pelo avanço europeu, mas predominavam os africanos e seus descendentes, ali africanos de diferentes grupos étnicos administravam suas diferenças e forjavam novos laços de solidariedade, recriavam culturas. (REIS, 1996, p.16)

Na África os negros eram providos de uma rica tradição artística, como esculpir a madeira e a cerâmica, porém essa tradição acabou por se apagar diante do cativeiro. Para Freitas (1984) toda essa mistura étnica trouxe consequências pejorativas para os negros rebeldes. Principalmente em relação à linguagem e a religião, considerando que havia dificuldades para interação e troca de ideias. Tais fatos segundo o autor fizeram com que o negro tivesse que remendar suas culturas que devido ao tráfico foi dilacerada.

Mais à frente, os negros dos Palmares vivenciaram muitos conflitos e lutas, pois aconteceram invasões em Pernambuco, resgatando a dos holandeses que aconteceu no dia 14 de fevereiro de 1630. Tal invasão se deu com aproximadamente três mil homens, os quais invadiram uma praia nomeada Pau Amarelo, nas proximidades de Olinda.

Em meio a conflitos, rebeliões e vitórias, é escolhido um líder para os palmarinos. Ganga - Zumba. “Ao que tudo indica Ganga - Zumba chegou à Serra da Barriga no tempo da ocupação holandesa. Nada se sabe de sua vida pregressa, até o momento em que aparece como chefe, empenhado em celebrar um pacto de ajuda militar recíproca entre os diversos mocambos” (FREITAS, 1984, p.93). Sabe-se que este era provindo do povo arda que se constituía como civilização superior. Segundo o teórico:

Estes ardas possuíam civilização superior, organização militar severa e notável talento artístico. Identificavam-se em Pernambuco por certas características bem definidas, ostentavam grande robustez física e se mostravam capazes de aprender qualquer trabalho mas exibiam também uma obstinação e uma rebeldia incorrigíveis, não raro atacavam os feitores e os moíam a pancadas falavam uma língua ininteligível para os demais escravos. (FREITAS, 1984, p.93)

Na Serra da Barriga havia vários mocambos, cada um com um líder, e diante desse contexto, não é de se estranhar o porquê do líder dos macacos10, Ganga – Zumba ser reconhecido como um líder maioral de todos os palmarinos.

Muitas foram às lutas dos palmarinos para defender a sua liberdade, uma vez que os portugueses não se cansavam de procurar maneiras para exterminá-los, porém, Palmares resistia. “Um dos fatores da resistência palmarina era a prática militar, aguerrida na disciplina do seu capitão e general Zumbi, que os fez destríssimos no uso de todas as armas, de que têm muitas em quantidade, assim de fogo, lanças e flechas” (FREITAS, 1984, p.103).

10 Cidadela da Serra da Barriga – batizada pelos palmarinos de Macaco – nome surtido da morte que naquele lugar

Posteriormente Ganga - Zumba era destituído do poder de chefe. A decadência deste se deu devido a derrotas que acabou por descontentar os palmarinos. Não somente, pois isso teve repercussão em todos os mocambos, salvo Macaco. De fato, a maioria dos mocambos responsabilizou o então líder pelo fracasso.

Zumbi foi o mais engajado na deposição de Ganga – Zumba. No que relata Freitas (1984, p.115) “Porta voz da oposição, Zumbi denunciou não apenas a inépcia militar, mas também a corrupção de Ganga – Zumba”. Logo, Zumbi passou a assumir o poder na confederação palmarina.