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O mito da democracia racial pós abolição: o recomeço da luta pela igualdade racial

2. O SIGNIFICADO DO MOVIMENTO NEGRO PARA OS AFRODESCENDENTES

2.1 O mito da democracia racial pós abolição: o recomeço da luta pela igualdade racial

O capítulo anterior pretendeu mostrar as dificuldades e superações do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi para se fazer presente no evento Fenadi. Já foram mencionados fatores negativos como a dificuldade do ingresso de novos participantes devido ao preconceito, a dificuldade em manter a casa dentre outros. Porém, os estudos levam a supor que há possibilidades de enfatizar que os fatores positivos superam as dificuldades e aspectos negativos, uma vez que foi possível compreender através das entrevistas com os participantes do Grupo, a existência da partilha na busca do conhecimento da cultura dos seus ancestrais e o compartilhar informações e conhecimentos entre os jovens do Grupo. Isso implica em entender que a casa afro de Ijuí constituiu-se num espaço que também produz identidades, pois fortalece e educa por meio das diferentes atividades desenvolvidas.

Como já vem sendo observado, neste ano o Grupo Cultural afro de Ijuí adotou mudanças principalmente no que diz respeito às músicas e as danças, segundo relata uma das entrevistadas, seria necessário exaltar o que Zumbi significa para os integrantes do Grupo, chamando atenção para o movimento feito por Zumbi a partir do ano de 1670 quando fugiu para os Palmares para lutar pelo direito à liberdade e a cidadania, o que evidencia o interesse por que quase todas as músicas trazem o seu nome.

No Grupo sabem e compartilham que zumbi dos Palmares se tornou símbolo de resistência, pois foi um dos pioneiros na luta pela liberdade do povo negro. Esta luta ganhou dimensão com o passar do tempo através do Movimento Negro, pois este tem como ideal à cidadania, o que Zumbi dos Palmares já almejava na época da escravidão. Este pensamento se consolida quando o Movimento Negro intitula alguns eventos, como a marcha de 20 de novembro de 1995 com o nome “Zumbi dos Palmares”.

O início séc. XX registra a irrupção no espaço público e na agenda política do país, de um vigoroso debate acerca da oportunidade, necessidade e tipologia de políticas públicas de promoção da igualdade racial na sociedade brasileira. Medidas administrativas palpáveis, embora desprovidas de uma política governamental começaram a proliferar fortalecendo a reivindicação por medidas positivas voltadas para a promoção da igualdade, há décadas pleiteadas pelo Movimento Negro. (...) Em 20 de novembro de 1995, a

marcha “Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida” reuniu cerca de 30 mil pessoas em Brasília. (Hédio Silva Junior, 2010, p.21) O autor ressalta que os coordenadores da marcha “Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida” conseguiram se reunir com o presidente da República, na época Fernando Henrique Cardoso, entregando a este um documento escrito pelas principais lideranças e organizações negras do país, no qual estava escrito: “Não basta, repetirmos a mera abstenção da prática discriminatória: impõem-se medidas eficazes de promoção da igualdade de oportunidade e respeito à diferença (...) adoção de políticas da igualdade” (JUNIOR, 2010, p.21). Nesse pressuposto argumentamos que se hoje existem mudanças no que diz respeito ao reconhecimento do afrodescendente, isso se deve as batalhas travadas pelo Movimento negro.

Este estudo permite enfatizar que não é possível apresentar a luta pela igualdade racial como se esta fosse reconhecida somente a partir do Movimento Negro, quando sabemos que esta luta se manifestou de forma intensa há muito tempo, sendo que uma das manifestações é reconhecida através dos ideais de Zumbi dos Palmares. É necessário chamar atenção para a abolição que de um lado pode ser vista como uma típica revolução de caráter social, pois teve a participação de inúmeros setores da sociedade civil, bem como dos intelectuais negros alforriados . De outro lado, com o fim da escravidão, o negro se torna livre, porém a abolição nada teve de democrática, pois os ex-escravos foram largados à própria sorte, a eles não era reservado um espaço enquanto categoria social.

A partir de 13 de Maio de 1888 o negro foi colocado como igual perante a lei, entretanto, lhe foi imposta à submissão cultural, uma vez que inúmeros elementos de sua cultura foram proibidos por lei, como a capoeira e o candomblé. Nesse contexto é possível argumentar que não foi considerado o sistema de marginalização social em que predominava a lei de uma sociedade competitiva, o que fez o povo negro permanecer no lugar de submissão, e por isso exposto à exploração. O fato de o negro ter sido colocado como igual em termos de lei segundo Chaves (2010, p.32) não passou de “um mito protetor para esconder as desigualdades sociais, econômicas e étnicas”.

Nesse sentido, é possível entender que o negro ficou em total desvantagem, pois, como seria possível ser comparado a outros grupos sociais, quando a ele já era imposto um lugar nas camadas consideradas subalternas. Logo, é importante enfatizar que a abolição gerou o mito de que o ex-escravo seria considerado cidadão, isso induz a pensar que a marginalização do negro era algo desejado pela classe social dominante, pois havia democracia somente para os

indivíduos brancos.

No que afirma Fernandes (1989) a democracia racial era apenas um mito, pois a revolução social ligada à desagregação da produção escravista e da ordem social não era válida para toda a sociedade brasileira. Os limites da revolução social eram extremamente fechados, e neste não cabiam nem o escravo, nem o liberto, nem o negro ou o branco pobre, como categorias sociais. Na visão de Chaves:

Vê-se que o negro foi obrigado a disputar a sobrevivência social, cultural e mesmo biológico em uma sociedade racista e colocado, desde o princípio, em condições desiguais em comparação a outros grupos sociais, na qual as técnicas de seleção profissional, cultural e política e étnica são feitas para que ele permaneça imobilizado nas camadas mais oprimidas, exploradoras e subalternizadas. Podemos dizer que os problemas da raça e classe se imbricam nesse processo de competição do negro, pois nos parece que o interesse das classes dominantes é vê-lo marginalizado. (CHAVES, 2010, p.32)

Nesse contexto não é difícil compreender que a democracia racial tratava-se de uma revolução das elites, pelas elites e para as elites. No plano racial de uma revolução do branco para o branco, Fernandes (1989). É nesse sentido que se dá a importância do mito para sustentar a falsa ideia da democracia racial, na qual se ocultavam valores arcaicos que privilegiava a cor branca dominante e eram a essas classes sociais a quem se destinava os melhores trabalhos e condições de vida. Não podemos esquecer que com o decreto abolicionista, outra mão de obra barata se instalou no Brasil, eram os imigrantes europeus, na maioria camponeses sem terra, artesãos falidos, desempregados em geral, marginalizados e excluídos do processo da revolução industrial que vinham buscar trabalho, porque crescia no Brasil a produção do café.

Com o passar do tempo alguns imigrantes tem êxito, enquanto que os negros permaneciam no lugar de subalterno, destinados ao trabalho braçal e a condições de vida cada vez mais precárias, o que para Fernandes (1989, p.36) “confirma o estereótipo de que o negro não serve mesmo para outra coisa”. Entretanto, este mesmo negro jogado a sorte e destinado ao trabalho braçal passou a se interrogar sobre esta condição.

O negro entrou na corrente histórica e interrogava-se por que o imigrante tivera êxito e a massa negra continuava relegada a uma condição inferior e iníqua. Surgem assim as primeiras sondagens espontâneas do meio negro feitas por intelectuais negros e os primeiros desmascaramentos contundentes. O preconceito de cor entra em cena, na consciência social negra, como uma formação histórica [...]. Os próprios negros ganharam condições materiais e intelectuais para erguer o seu protesto. Um protesto que ficou ignorado pelo meio social ambiente, mas que teve enorme significação histórica, humana e

política. De fato até hoje, constitui a única manifestação autentica de populismo, de afirmação do povo humilde como agente de sua própria auto liberação. (FERNANDES, 1989, p. 15)

Segundo o autor o Protesto Negro apareceu realmente na década de 30, deixando de ganhar dimensões maiores logo em seguida. Tal fato aconteceu devido à precariedade da vida do povo negro, bem como a indiferença do branco e a não aceitação do governo para tudo que era estruturado de maneira democrática. Ainda assim, o protesto negro deixou ganhos para a sociedade, pois era autêntico e revolucionário, no sentido de que lutava pela democratização da ordem republicana através das raças e contra os preconceitos raciais. No que ressalta Fernandes (1989) o protesto negro significou a exigência de uma segunda abolição, pois o negro protesta pela revolução social que não o atingiu, e assim assume o seu lugar de conquistador.