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3. GRUPO CULTURAL HERDEIROS DE ZUMBI: CULTURA X IDENTIDADE

3.1 Cultura/tradição x cultura/informação: a importância do resgate da cultura através da tradição

3.2.1 Interculturalismo: mudança de atitudes

Como já vem sendo abordado, o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí está em constante busca à aceitação de que a Cultura afro-brasileira é de tamanha importância, tanto no que diz respeito à história da sua contribuição na construção de Ijuí, quanto à história vista de uma maneira global. Isso está incutido nos relatos já ressaltados anteriormente. Para tanto

o Grupo busca dar visibilidade à sua cultura se expressando através da música, da dança, entre outras atividades. Assim, ao mesmo passo em que os componentes mostram a cultura afro, acabam por se fortalecer enquanto sujeitos.

Nesse sentido é preciso reafirmar que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, mesmo não sendo uma instituição escolar, é um espaço educador capaz de fortalecer o conhecimento da história e da cultura africana, afro-brasileira, capaz de formar subjetividades críticas, democráticas e rebeldes. Nilma Gomes (2008) aborda Santos (1996) para afirmar que a escola deveria propiciar aos estudantes um olhar afirmativo que pudesse ser tomado como instrumento para a libertação do racismo. Isso implica em retomar que este é um trabalho desenvolvido junto à casa afro de Ijuí, considerando o orgulho dos participantes em serem negros (as), da mesma forma que sentem orgulho em mostrar a cultura afro. Através das entrevistas foi possível perceber não somente orgulho, mas também o desejo de seguir em frente e manter o Grupo Cultural para dar visibilidade a uma cultura que por muito tempo ficou invisível.

Esta invisibilidade exige um grande esforço da parte dos participantes, assim como de seus dirigentes para manter o Grupo Cultural. Isso já foi relatado nos capítulos anteriores e nos permite lançar a hipótese de que há uma luta no sentido da busca pelo ingresso de novos participantes, ainda mais quando se refere ao gênero masculino. Vale ressaltar que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi quase se extinguiu, porém conseguiu se reerguer devido à força de vontade de alguns participantes. No que menciona T.C.S participante do Grupo há 11 anos:

Eu decidi fazer parte do grupo muito nova, tinha 10 pra 11 anos, a minha prima que estava indo nos ensaios me convidou pra ir porque tinha saído um monte de gente, porque uns haviam constituído família, outros haviam ido embora estudar e para o Grupo não desaparecer era preciso fazer um Grupo novo, havia só dois integrantes do Grupo velho, em três meses foi montado outro Grupo. Os ensaios eram na garagem da casa do seu Wilmar, porque era perto e todo mundo tinha compromisso. Seu Wilmar quase sempre foi o presidente da etnia quando eu entrei ele já era presidente, acho que ele ficou 2 ou 3 anos afastado, digamos como cabeça da etnia afro, mas, por trás de tudo estava sempre tentando ajudar. Em seguida ele assumiu o cargo de presidente novamente. A gente agradece a ele e as duas pessoas do Grupo antigo porque elas que resgataram as músicas antigas e os passos das danças. Foi uma época que o Grupo estava quebrado, todo o pessoal era novo, por isso que a gente agradece a eles. Na direção do seu Wilmar o Grupo cresceu. Nas idas e vindas do Seu Wilmar como presidente houve um momento em que novamente o Grupo decaiu, seu Wilmar reassumiu a direção e agora ele falou que vai ficar enquanto ele puder lutar para mostrar nossa cultura. Nós demos força, o Grupo de dança vende ficha de janta, atende clientes, porque não tem muita gente, são 33 pessoas e tem que se revezar, durante a Expo a gente faz as apresentações e volta para a casa para ajudar, os maiores de idade também ajudam no pagode. (Entrevista com T.C.S)

Nota-se através do relato de T.C.S que não foi fácil manter o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, assim como não deve ser fácil manter qualquer grupo. O fato é que na casa afro Herdeiros de Zumbi ainda há um contexto de subalternização, de exclusão, e como já foi dito pela integrante do Grupo, ainda há quem fale mal da cultura afro-brasileira. Devido a esse contexto é que se buscou trazer algumas características da multiculturalidade e da

interculturalidade para buscar respostas sobre qual seria a teoria mais adequada para que se

chegue à interação a aceitação entre as diversidades culturais, considerando a existência da ideia de que há culturas mais desenvolvidas e importantes o que pode gerar desigualdade entre os grupos culturais.

Silva (2003) aponta que expressão multiculturalismo se origina das lutas contra o racismo20 cultivada pelos negros norte-americanos. E se há um tempo este assunto parecia estar limitado às preocupações da América do Norte, hoje é de preocupação não só dos países europeus, mas também dos países menos desenvolvidos, o que é o caso das nações latino- americanas.

Com conotações diferenciadas, a discussão vem ganhando novos acréscimos teóricos, seja por parte das especificidades nacionais e regionais, seja pelos novos contextos socioculturais que se configuram de forma hibrida, já não mais somente no mundo ocidental, mas também no oriental. (SILVA, 2003, p.17)

O que antes era enfatizado somente por países desenvolvidos, agora também passa a ser motivo de constantes preocupações para os países subdesenvolvidos e neste caso os que fazem parte das nações latino-americanas. No que discerne o autor o multiculturalismo tem como berço os Estados Unidos da América, e esta, por sua vez, tinha como maior interesse fazer com que as distintas culturas existentes no interior do seu território se assimilassem à cultura dominante, ou seja, a cultura norte-americana.

Foram então introduzidas muitas estratégias políticas para ratificar a visão

assimilacionista, entre elas aparece a educação compensatória, que servia como um reforço

para os filhos de imigrantes, ou seja, crianças que tinham dificuldade para aprender a língua e a cultura dominante. Silva (2003) pontua ainda que a educação compensatória tinha também

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Racismo, no Dicionário Aurélio, significa: “Uma doutrina que sustenta a superioridade de certas raças. Preconceito ou discriminação em relação a indivíduo considerado de outra raça”. Portanto, partindo deste conceito, podemos constatar que o racismo é a representação de uma desigualdade étnico-racial que atinge o Brasil de forma vergonhosa e assustadora desde o período colonial. A raça negra foi cruelmente massacrada, humilhada e escravizada com base no racismo. (Disponível em: http://www.artigonal.com/educacao-artigos/racismo-no-brasil- 1119632.html> Acesso em 10. Set. 2012).

outro interesse que era nivelar em especial a população negra no mercado de trabalho e na educação com os índices de empregados e de alunos brancos.

O ano de 1965 pode ser considerado um marco na implantação de políticas que visavam à justiça social e à igualdade para os negros. Além da educação e do trabalho, uma série de outras medidas foi tomada para combater a pobreza, que acabou diminuindo também, e a discriminação racial sofrida pelos negros. Um exemplo é o lançamento de programas de saúde (medicare) para idosos e assistência aos pobres, a proibição da lei que discriminava os negros na aquisição de moradia e a aprovação da legislação sobre os direitos civis. (SILVA, 2003, p.20)

Essa política acabou de um lado ajudando a população negra e de outro lado, partes da sociedade que estavam à margem do sistema educacional e econômico. Silva (2003) aponta ainda que tais medidas contribuíram significativamente no que diz respeito ao bem estar social da população e ao repudio à discriminação contra o negro. O autor menciona o documento “O status social e econômico dos negros nos Estados Unidos”, de onde foram retiradas algumas cifras que demonstram que as medidas políticas implantadas significaram um crescimento econômico para os pobres e negros.

No entanto, Silva (2003) lembra que Nathan Glazer (1981) questiona esta realidade, sobre até quanto os negros foram inseridos de forma igualitária na sociedade, pois ainda que alguns estudos tenham mostrado a ascensão do negro e inserção deste nas universidades, muitos ainda vivem em péssimas condições, tanto sociais quanto materiais. Tais medidas também foram implantadas em alguns países da Europa como Grã-Bretanha e Holanda.

Seguindo a percepção de Mary A. Hepburn (1992), Silva (2003) menciona que nos Estados Unidos as diferentes concepções que dirigiram o debate sobre

multiculturalismo/pluralismo cultural podem ser reunidas em quatro aspectos teóricos e

admite uma distinção entre pluralismo cultural e multiculturalismo, na qual este busca a compreensão à formação das sociedades multiculturais, enquanto aquele a compreensão dos ideais assimilacionistas.

Na visão de Santos (2003) o termo multiculturalismo institui a coexistência de culturas diferentes no meio das sociedades modernas. Para ele existem muitas definições para

multiculturalismo, porém nem todas são de sentido emancipatório. “O termo apresenta as

mesmas dificuldades e os mesmos potenciais do conceito de “cultura”, um conceito central das humanidades e das ciências sociais e que, nas últimas décadas, se tornou um terreno explícito das lutas políticas” (SANTOS, 2003, p.26).

O teórico resgata a ideia de cultura, e acrescenta que tal expressão esta ligada a um dos campos do saber institucionalizados no Ocidente, segundo ele as humanidades. Nesse enfoque a cultura é vista como um repositório de tudo que de melhor foi pensado pela humanidade e por isso tem como base critérios de valor, estéticos, morais etc.

Partindo desse pressuposto a humanidade pode se auto-definir como universal. Para Santos (2003, p.27) “o cânone é a expressão por excelência desta concepção de cultura, estabelecendo os critérios de seleção e as listas de objetos especialmente valorizados como patrimônio cultural”, que são as artes, a música, filosofia, dentre outros.

No entanto existe outra percepção de cultura que de forma simultânea está ligada a visão anterior. Esta outra percepção reconhece a pluralidade de culturas, e as define como sendo totalidades complexas que acabam por se confundir com as sociedades o que segundo ele comporta a caracterizar estilos de vida baseados em condições materiais e simbólicas.

Estes dois modos de definir a cultura permitiam estabelecer uma distinção entre as sociedades modernas – as sociedades coincidentes com espaços nacionais e com os territórios sob a autoridade de um estado – estruturalmente diferenciadas, que tem “cultura”, e as “outras” sociedades “pré-modernas” ou “orientais” que são culturas. Essas duas formas foram consagradas e reproduzidas por instituições típicas da modernidade ocidental como as universidades, o ensino obrigatório, os museus e outras organizações, e exportadas para os territórios coloniais ou para os novos países emergentes dos processos de descolonização, reproduzindo nesses contextos concepções eurocêntricas de universalidade e de diversidade. (SANTOS, 2003, p.27)

Afirma-se a visão de maioridade dos países desenvolvidos ao se tratar do termo cultura, sendo que de uma forma ou de outra sempre houve a tentativa de mostrar a cultura ocidental como sendo dominante, ou seja, superior. Essa ideia vem reforçar o que já foi discutido anteriormente, sendo necessário expor que o pensamento voltado à alteridade da cultura ocidental, se espalhou com a imigração para outros países. Nesse sentido há a possibilidade de enfatizar sobre a construção da branquitude que segundo Nilma Gomes (2008, p. 73) “é a produção de uma identidade racial que toma o branco como padrão de referencia de toda uma espécie”.

Em 1980 estudos realizados pela área das Ciências Humanas e Sociais se concentraram a estudar o campo transdisciplinar dos Estudos Culturais na tentativa de pensar a cultura como um fenômeno ligado a repertórios de sentido ou de significado. Para Santos (2003) estes são partilhados pelos componentes de uma sociedade. No entanto, também se associa na diferenciação e hierarquização no âmbito de sociedades nacionais, de contextos

locais ou espaços transacionais. Com isso o autor nos mostra que a organização se dá de acordo com diversos graus de poder e subordinação.

Para o autor a cultura passou a ser vista como um conceito estratégico para definir alteridades e identidades no mundo moderno. Também pode ser vista como um auxilio para afirmar a diferença e a reivindicação de seu reconhecimento em campos de lutas e de contradições.

Multiculturalismo então tem um conceito que é de fato “controverso e atravessado por

tensões” e remete de forma simultânea ou alternada para uma descrição e para um projeto. Logo, o teórico nos remete a pensar em versões emancipatórias do multiculturalismo acrescentando que estas “baseiam-se no reconhecimento da diferença e do direito à diferença e da coexistência ou construção de uma vida em comum além de diferenças de vários tipos”. (SANTOS, 2003, p.33). É importante mencionar que esta visão de multiculturalismo emancipatório vai para além do reconhecimento das diferenças como supõe o autor, pois se preocupa também com as questões da aceitação das diferenças e das possibilidades da convivência de sociedades que tenham culturas diferenciadas.