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Os movimentos sociais sob o olhar de Boaventura Santos, Shamim Meer, e Alan Touraine

2. O SIGNIFICADO DO MOVIMENTO NEGRO PARA OS AFRODESCENDENTES

2.3 Os movimentos sociais sob o olhar de Boaventura Santos, Shamim Meer, e Alan Touraine

Através do que já vem sendo discutido afirmamos a importância dos movimentos sociais para o afrodescendente. É interessante resgatarmos o fato de as conquistas jurídicas terem dado visibilidade ao povo afro, porém, neste estudo, enfatizamos que isso não é o bastante, pois muito mais do que reconhecer as culturas diferentes, seria necessário incentivar o diálogo entre os diferentes grupos culturais.

Nesse sentido, vale chamar a atenção para o conceito de Santos (2003) quando este define multiculturalismo e interculturalismo. O primeiro diz respeito ao reconhecimento do que é julgado diferente, enquanto o segundo defende a aceitação dessas diferenças, incentivando que é através da troca, do diálogo que há possibilidades de interação. Logo, é possível argumentar que a interculturalidade parece ser uma ideia mais sensata quando se trata das diferentes culturas, assunto este que será abordado no decorrer da pesquisa.

Santos (2001) defende a possibilidade de haver troca de informações entre os Movimentos Sociais e discorre sobre criar redes de inteligibilidade entre os grupos, como por exemplo, o movimento dos sem-terra e o movimento das mulheres, entre o movimento das mulheres e dos negros e assim sucessivamente. Trocar ideias e experiências pode trazer resultados produtivos e, segundo o autor, aceitar que há reconhecimento não significa chegar ao ponto de estabelecer critérios de autenticidade. Isso faria com que as culturas se tornassem apenas culturas de testemunho.

A opressão existe em constelação de opressões e, portanto, eu penso que é fundamental que elas estejam articuladas. E aqui realmente está a nossa inovação: a de que esta articulação se deva realizar, não dando prioridade a uma luta sobre as outras, quaisquer que elas sejam não criando uma grande teoria que em si mesma envolva tudo e todos em certo momento, mas criando aquilo que eu chamo a “teoria da tradução”. A possibilidade de criar inteligibilidade entre os grupos. (SANTOS, 2001, p.23)

Este estudo exige expor sobre a necessidade da união entre os diversos movimentos para alcançar melhores resultados. A partir dessa premissa, enfatizamos que reunir áreas diferentes, trocar ideias, experiências, pode realmente fazer com que os resultados das lutas travadas, idealizadas pelos movimentos sejam mais significantes. Essa troca de informações

acarretaria na ampliação de conhecimentos, num fazer, enfatizando aquilo que vem dando certo em outros movimentos. Quando o autor menciona a rede de inteligibilidade, entendemos que tal rede só existirá através da troca, da interação entre os grupos. Segundo Santos (2001) a ausência de interação entre os grupos poderia gerar o que ele chama apartheid16 cultural, no qual cada um fala por si. Fica explícito que ainda há muito a ser discutido e aprendido sobre as características dos movimentos sociais que hoje se manifestam de diferentes formas.

Nesse contexto, há a possibilidade de enfatizar sobre a década de 80, quando o Brasil passa por um momento de reivindicações do Movimento Negro, que ganha voz diante de algumas conquistas, tais como o reconhecimento da diversidade e da discriminação racial como prática de crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão nos termos da lei, assim como a implementação da Lei 10.639 a partir da qual torna-se obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas.

Em se tratando da importância dos Movimentos Sociais, Touraine (1988) esclarece que estes são fundamentais na vida social, pois no que argumenta o autor o que nos permite viver juntos não é a união de nossa participação no mundo técnico nem as variedades das nossas identidades culturais. Para ele o que nos permite viver juntos é o parentesco dos nossos esforços para juntar os dois domínios da nossa experiência, para descobrir e defender uma unidade que não é a de um ego, mas a de um eu, de um sujeito.

Assim, entendemos que não é a partir da convivência no ambiente de trabalho, tampouco apenas as diversidades culturais, que irão fazer com que seja possível vivermos juntos, mas sim, na afinidade de buscarmos ser vistos como sujeitos. E esta é uma das principais bandeiras de luta de muitos dos Movimentos Sociais.

Tomando como base o exposto acima, buscou-se um diálogo com o estudioso, Shamim Meer (2003). Este defende que para entender a questão dos Movimentos Sociais é necessário analisar a relação Estado/sociedade e a maneira como as organizações-movimento são moldadas pelo Estado no mesmo momento em que se estabelece um conflito entre ambos. Segundo o autor, as políticas dos Movimentos são respostas a políticas do estado. Acrescenta ainda a existência de uma relação dinâmica e dialética entre Estados e Movimentos.

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Apartheid (“vida separada” é uma palavra africânder adotada legalmente em 1984 na África do sul para designar um regime segundo o qual os brancos detinham o poder e os povos restantes eram obrigados a viver separadamente, de acordo com regras que os impediam de ser verdadeiros cidadãos. Este regime foi abolido por Frederik de Klerk, em 1990 e, finalmente, em 1994, eleições livres foram realizadas). (Disponível em: <http://pt.org/apartheid.htm>. Acesso em; 7. Jul. 2012)

Na África do Sul, por exemplo, os Movimentos foram moldados segundo a repressão do Estado Capitalista, colonialista e do apartheid. As histórias de resistência da África do Sul também são moldadas pelas ideologias dominantes acerca do sexo, embora os relatos históricos não enfatizem sobre as questões de subordinação sexual. Porém é necessário acrescentar que a repressão estatal afetou homens e mulheres de formas distintas.

Em se tratando do Brasil não há como não trazer à tona o Movimento Negro, que segundo os pesquisadores Junior e Silva (2010) é um dos mais antigos Movimentos Sociais brasileiros, formado por diversas entidades tais como quilombolas, rurais, urbanas, culturais, políticas, jovens e mulheres, dentre outras. Mesmo na diversidade os pesquisadores afirmam que todos têm em comum duas bandeiras consideradas principais “a luta pela igualdade racial e a defesa da cultura e da identidade negra” (JUNIOR e SILVA, 2010, p. 48).

É importante relembrar, mesmo que de forma breve, que as mulheres tiveram um grande envolvimento na resistência política contra o estado e o apartheid, ainda que tal resistência tenha ocorrido nas organizações dominadas por homens que reconheciam a questão da mulher, mas não consideravam que tal desigualdade fosse algo fundamental a ser extinguido para se conquistar uma sociedade igualitária, Meer (2003).

O autor defende que as mulheres contribuíram no seio das organizações e ergueram-se em protesto ativo. Dentre tantos movimentos e sindicatos que foram se unindo e somando forças os trabalhadores negros resistiram à investida do capitalismo racial. Este fato só vem a concretizar que é unindo forças que os movimentos podem chegar aos seus objetivos, retomando então os ideais de Santos (2001), que buscam o resgate de algumas posturas e ideais que se consolidaram nos antigos Movimentos.

É certo que os países com Novos Movimentos Sociais fortes são aqueles em que os velhos Movimentos Sociais também continuam fortes. Devido a isso é que a América Latina se sobressai aos países periféricos e semi-periféricos (SANTOS, 2001).

A partir do que vem sendo discutido podemos acrescentar que os Movimentos Sociais têm uma grande responsabilidade quanto à formação dos sujeitos em seu interior, considerando que um movimento, independente de qual for a causa da luta, seja contra o racismo, a exclusão da mulher, bem como outros, estão diretamente ligados a fatores que envolvem a cultura em que cada ser esta inserido, e por isso podem ser pensados como um meio para fortalecer ou resgatar a identidade individual enquanto sujeito.

Assim se volta à busca pela reflexão de que as conquistas do Movimento Negro podem instigar a mudança no que tange à visão de subalterno que a maior parte do povo de

origem afro tem de si mesmo. Isso nos reporta novamente as palavras de Freire (1974) ao definir a expressão “ser mais”. Acreditamos que estas mudanças significam que o povo afro vem pouco a pouco, se libertando das opressões a qual foi submetido, passando a se identificar e a se reconhecer na sua cultura. Isso leva-nos a crer que as conquistas do Movimento Negro interferem de maneira positiva na construção das identidades do afrodescendente no Brasil.

Figura 6: Grupo de dança Charme da Liberdade