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Grupo cultural "Herdeiros de Zumbi" de Ijuí: construção/afirmação das identidades

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

Cláudia Giovana Ferreira da Silva

GRUPO CULTURAL “HERDEIROS DE ZUMBI” DE IJUÍ:

CONSTRUÇÃO/AFIRMAÇÃO DAS IDENTIDADES

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Cláudia Giovana Ferreira da Silva

GRUPO CULTURAL “HERDEIROS DE ZUMBI” DE IJUÍ:

CONSTRUÇÃO/AFIRMAÇÃO DAS IDENTIDADES

Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências, do Programa de Pós- Graduação em Educação nas Ciências. Linha de Pesquisa: Educação Popular em Movimentos e Organizações Sociais, sob orientação da professora Dra. Noeli Valentina Weschenfelder

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Catalogação (provisória)

Catalogação na fonte: (CRB)

S222g Silva, Cláudia Giovana Ferreira da.

Grupo Cultural “Herdeiros de zumbi” de ijuí: construção/ afirmação das identidades. – Ijuí, 2013. –

117 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUI. Educação nas Ciências, 2013.

“Orientadora: Prof. Dra. Noeli Valentina Weschenfelder”.

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Dedico este trabalho a todos os negros e negras, a todos os mestiços (as),

que lutaram pelo direito à cidadania. E da mesma maneira a todos aqueles que continuam lutando para ter seu lugar na sociedade, reconstruindo a história e mostrando a sua capacidade.

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Agradecimentos

Agradeço à minha orientadora, Noeli Valentina Weschenfelder que me fez ir além, me mostrou ser possível e acreditou na minha capacidade, pessoa fundamental para o término desta pesquisa. Agradeço ao professor Paulo Zarth, pelas sábias palavras e pelo empréstimo de livros tão significativos para minha pesquisa. Agradeço aos docentes da linha três do mestrado em Educação nas Ciências “Educação Popular em movimentos e organizações sociais”. Docentes, mestres por excelência, próximos de uma proximidade extrema, obrigada pela possibilidade de tanto embasamento teórico, e também por tantas palavras de incentivo e de solidariedade.

Agradeço em especial ao presidente do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, Wilmar Costa da Rosa, e T.C.S dançarina do Grupo pelo acolhimento e pelo tempo dedicado a mim, pela conversa que se tornou suporte para minha pesquisa. Às meninas, componentes do Grupo que também se mostraram amáveis e dispostas a me auxiliar. Agradeço a Deus pela força que me fez ir em frente.

É com imenso carinho que agradeço à minha querida mãe, Maria Adiles Ferreira da Silva, incentivadora em todas as horas. E com muito orgulho, ao meu filho, Cauê Vinícios da Silva Buêno. Menino, adolescente, homem que é parte de mim, e com quem conquisto mais esta vitória. “Filho amado, menino dos meus olhos, obrigada pela gentileza de inúmeros abraços, pelo carinho escancarado que de maneira tão doce me fez ir em frente. Por tudo, amo-te”.

Ao meu companheiro, Marcelo Limberger pelas palavras de incentivo, pelo aconchego. Em especial a amiga, mestre, incentivadora de todas as horas, Simone Nunes. Obrigada pelo empurrão inicial. Às minhas amigas Patrícia Brito e Cláudia Scherer pela troca de experiências e angústias, pelo abraço, pelo conforto.

Ao meu irmão Eduardo Ferreira da silva por torcer pela minha conquista, pelo brilho nos olhos por cada etapa cumprida. À minha irmã Carla da Silva Destefani por transformar a minha angústia em risos. E em especial ao meu irmão Gilberto Ferreira da Silva incentivador pela simples presença real de mostrar que o irreal está ao lado, basta querer alcançar. Obrigada pelas palavras com embasamento teórico ou não, e pelo apoio e colaboração dedicado a mim desde o início, início mesmo, graduação e agora pós-graduação.

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Inquietação: um pouco de mim

Desde muito tempo penso em voltar, trazer as palavras para perto, tão perto para quase poder tocar.

Porém, trazer as palavras para a folha em branco é um desafio, desafio lento. Sei bem que as palavras se tecem uma a uma, e ganham sentidos.

Sentidos abstratos, pacatos, ousados, e indiscutivelmente livres.

Exatamente por isso as palavras me atraem e me apego a elas como quem busca urgentemente a liberdade, na ânsia de criar um rascunho.

Nas tentativas angustiadas, inquietantes e supremas de conseguir traduzir a inquietação que em mim se agita...

Inquietação! Em mim há muitas! Mas esta que revelo agora vem da lembrança dos mares, da eterna dor das senzalas, do açoite feroz e da lágrima fria.

Existe um silêncio triste nas palavras mudas que ecoam dos livros. A memória esqueceu-se da gente valente que dos mares trouxe a ferro e à corrente.

A palavra, esta sim, tem o poder de desatar os nós, de contar o outro lado da história, e de buscar outras memórias.

Num passado muito branco é preciso mostrar o guerreiro negro soberano que não foi só pranto.

Que do açoite se fez livre e que do amo tirano não se deixou amedrontar. Os mares... é em mim que se agitam agora, com tudo que a história tenta contar.

Mostram muitas dores, repletas de horrores, sem valentias a exaltar.

Devo voltar, devo sim escrever sem vacilo, reescrever com paciência, e deixar que estas letrinhas que me instigam se formem, se intensifiquem e se tornem vivas.

Palmares? Somos todos com histórias pra contar. Sou morena, índia, mulata, mestiça e negra, sem cor alguma para exaltar.

Não há supremacia na cor, quando cheia de horror e dor, li Castro Alves a clamar. Ah! Castro Alves não há mais navios negreiros no mar. Mas estes continuam a navegar.

Por entre pensamentos doentios, que a ti Castro Alves, certamente, iriam causar calafrios e amedrontar.

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“Lembro-me bem da primeira vez que o li! Quem é ele, quem é ele? De onde vem este branir de ventos, este sofrimento doído. Entendo bem. Para mim estas palavras ressoam como um grito, aquele grito que não cala. O que sinto? Sinto que se pudesses, arrancaria dos mares o pranto, e dos escravos... destes não sobraria um tanto sem ter histórias de liberdade pra contar”. (Cláudia G.F. Silva)

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O Navio Negreiro

Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade Tanto horror perante os céus?!

Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas De teu manto este borrão?... Astros! noites! tempestades!

Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão! Quem são estes desgraçados

Que não encontram em vós Mais que o rir calmo da turba

Que excita a fúria do algoz? Quem são? Se a estrela se cala,

Se a vaga à pressa resvala Como um cúmplice fugaz, Perante a noite confusa... Dize-o tu, severa Musa, Musa libérrima, audaz!... São os filhos do deserto, Onde a terra esposa a luz. Onde vive em campo aberto

A tribo dos homens nus... São os guerreiros ousados Que com os tigres mosqueados

Combatem na solidão. Ontem simples, fortes, bravos.

Hoje míseros escravos, Sem luz, sem ar, sem razão. . .

São mulheres desgraçadas, Como Agar o foi também. [Que sedentas, alquebradas, De longe... bem longe vêm... Trazendo com tíbios passos, Filhos e algemas nos braços,

N'alma — lágrimas e fel... Como Agar sofrendo tanto,

Que nem o leite de pranto Têm que dar para Ismael.

Lá nas areias infindas, Das palmeiras no país, Nasceram crianças lindas,

Viveram moças gentis... Passa um dia a caravana, Quando a virgem na cabana

Cisma da noite nos véus ... ... Adeus, ó choça do monte, ... Adeus, palmeiras da fonte!...

... Adeus, amores... adeus!... Depois, o areal extenso...

Depois, o oceano de pó. Depois no horizonte imenso

Desertos... desertos só... E a fome, o cansaço, a sede...

Ai! quanto infeliz que cede, E cai p'ra não mais s'erguer!...

Vaga um lugar na cadeia, Mas o chacal sobre a areia

Acha um corpo que roer. Ontem a Serra Leoa, A guerra, a caça ao leão,

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Sob as tendas d'amplidão! Hoje... o porão negro, fundo,

Infecto, apertado, imundo, Tendo a peste por jaguar... E o sono sempre cortado Pelo arranco de um finado, E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade, A vontade por poder... Hoje... cúm'lo de maldade, Nem são livres p'ra morrer. . Prende-os a mesma corrente — Férrea, lúgubre serpente —

Nas roscas da escravidão. E assim zombando da morte,

Dança a lúgubre coorte Ao som do açoute... Irrisão!... Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus, Se eu deliro... ou se é verdade Tanto horror perante os céus?!...

Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas Do teu manto este borrão? Astros! noites! tempestades!

Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão! ...

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RESUMO

Esta dissertação vem mostrar como a convivência e o pertencimento ao Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí contribui na constituição e afirmação das identidades, no que se refere a instigar nos integrantes o desejo de ser mais, o que para Freire (1974) significa se libertar de qualquer tipo de opressão. Para tanto, é necessário ressaltar que a convivência com o Grupo permite a participação em atividades culturais afirmativas, expressadas através da música, da dança, das vestimentas e dos pratos típicos. Tais atividades passam a ganhar visibilidade por ocasião da Fenadi. Quando tratamos do sentimento de orgulho e da busca por

ser mais, faz-se necessário enfatizar que tal sentimento se tornou também possível devido às

lutas e conquistas do Movimento Negro. Assim, reconhecemos que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi também pode ser efeito das vitórias que vem sendo impulsionadas por este Movimento, como, por exemplo, as políticas afirmativas, a Lei Federal Nº 10.639 de 09 de janeiro de 2003, que regulamentou o ensino de História afro-brasileira no ensino fundamental e médio, assim como a Constituição Federal de 1988, que reconhece a discriminação racial como prática de crime inafiançável e imprescritível. Reconhecer o Centro Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí como um espaço educador só se tornou possível através das observações e da pesquisa que foi realizada junto deste, por ocasião da feira de exposições EXPOIJUÍ. É preciso enfatizar que as identidades são constituídas a partir de elementos acerca da cultura, os quais dizem respeito às vivências e experiências dos componentes do Grupo Cultural. Nesse sentido, para tornar possível este estudo busca-se amparo em autores (as) como Canclini, Hall, Touraine, Silva, zarth, Gomes, Babha, dentre tantos outros. Como metodologia foi utilizada a coleta de dados feita a partir de entrevista narrativa, ou semi-aberta, com quatro pessoas: o atual presidente do Grupo Cultural, seguido de três dançarinas do grupo de dança Charme da Liberdade. Se confirmou através deste estudo o quão significativo é o pertencimento junto ao Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, uma vez que este não faz apenas uma amostra da cultura afro, mas também instiga os seus participantes a se reafirmar enquanto sujeitos (a) numa sociedade excludente, interferindo positivamente na construção ou na afirmação das identidades.

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ABSTRACT

This dissertation is to show how the coexistence and belonging to the Heirs of Zombie Cultural Group from Ijuí contributes to the constitution and affirmation of identities in relation to instill in members the desire to be more, to what Freire (1974) means to break free from any kind of oppression. Therefore, it is necessary to emphasize that living with the Group enables participation in cultural statements, expressed through music, dance, costumes and typical dishes. Such activities are gaining visibility at the Fenadi. When we deal with the sense of pride and the quest to be more, it is necessary to emphasize that this feeling also became possible due to the struggles and achievements of the Black Movement. Thus, we recognize that the Heirs of Zombie Cultural Group can also be an effect of the victories that have been driven by this movement, for example, affirmative action policies, the Federal Law No. 10.639 of January 9th 2003, which regulated the teaching of African-Brazilian history in elementary and secondary education, as well as the Federal Constitution of 1988, which recognizes racial discrimination as a non-bailable and imprescriptible crime. Recognize the Heirs of Zumbi Cultural Center of Ijuí as an educator space became possible only through observations and research that has been conducted with it, at the Exhibition Fair EXPOIJUÍ. It should be emphasized that identities are formed from elements about culture, which relate to the experiences and experiments of Cultural Group components. Accordingly, to facilitate this study seeks to support authors as Canclini, Hall, Touraine, Silva, Zarth, Gomes, Babha, among many others. The methodology was used to collect data made from narrative interview, or semi-open, with four people: the current president of the Cultural Group, followed by three dancers from Freedom Charm group. It was confirmed through this study how significant is the membership with the Heirs of Zumbi Cultural Group, since it is not only a sample of african culture, but also entices participants to reassert themselves as subjects of an exclusionary society, interfering positively in the building or on the assertion of identities.

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LISTA DE IMAGENS

Figura 1: Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí ... 26

Figura 2: Casa do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi no Parque de Exposições de Ijuí ... 26

Figura 3: Grupo de dança Charme da Liberdade ... 47

Figura 4: Grupo de dança Charme da Liberdade ... 47

Figura 5: Foto de Zumbi dos Palmares ... 54

Figura 6: Grupo de dança Charme da Liberdade ... 73

Figura 7: Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi ... 78

Figura 8: A Redenção de Cam (de Modesto Broco, 1895) ... 108

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

EXPOIJUÍ – Exposição-Feira Industrial e Comercial de Ijuí FENADI – Festa Nacional das Culturas Diversificadas SESC – Serviço Social do Comércio

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 16

1. ENCONTRO COM A HISTÓRIA DO (GRUPO) AFRO-BRASILEIRO EM IJUÍ. ... 27

Ijuí: terra das culturas diversificadas ... 27

1.1 A inserção do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi na Expoijuí/Fenadi ... 31

1.2 O lugar ocupado pelo Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi no parque temático Expoijuí/Fenadi..35

1.3 Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi: espaço educador ... 42

1.4 Zumbi dos Palmares: símbolo de resistência para a cultura afro-brasileira ... 48

1.4.1 A Constituição Dos Palmares ... 48

1.4.2 Zumbi: mito, guerreiro, homem. ... 53

2. O SIGNIFICADO DO MOVIMENTO NEGRO PARA OS AFRODESCENDENTES. ... 59

2.1 O mito da democracia racial pós abolição: o recomeço da luta pela igualdade racial ... 59

2.2 As conquistas do Movimento Negro ... 62

2.3 Os movimentos sociais sob o olhar de Boaventura Santos, Shamim Meer, e Alan Touraine ... 70

3. GRUPO CULTURAL HERDEIROS DE ZUMBI: CULTURA X IDENTIDADE. ... 74

3.1 Cultura/tradição x cultura/informação: a importância do resgate da cultura através da tradição. 79 3.2 Multiculturalismo e interculturalismo: reeducação para mudança... 87

3.2.1 Interculturalismo: mudança de atitudes ... 92

3.2.2 Por um pensamento intercultural: Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi ... 97

4. DIFERENÇA, DESIGUALDADE, ESTEREÓTIPO: A CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES NA CONSTRUÇÃO E DESCONSTRUÇÃO DESSES VALORES ... 104

4.1 Mestiçagem, nem um, nem outro, de lugar nenhum: a história sob a visão crítica de kabengele Munanga ... 104

4.2 Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi: reconhecimento e aceitação da cor que lhe foi negada ... 109

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 116

REFERÊNCIAS ... 120

ANEXOS... 124

Anexo 1: Termo de consentimento livre e esclarecido destinado ao presidente do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí. ... 124

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Anexo 2: Termo de consentimento livre e esclarecido destinado as integrantes do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí. ... 127

Anexo 3: Roteiro de entrevista semi-estruturada destinada ao presidente do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí. ... 130

Anexo 4: Roteiro de entrevista semi-estruturada destinada as integrantes do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí. ... 131

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INTRODUÇÃO

Inquietação. Esta é uma palavra que vem me acompanhando desde muito tempo. Volto ao ano de 2006, quando procurava um tema para meu projeto de conclusão do curso de Letras Português e Respectivas Literaturas. Foi justamente nessa época, que através da disciplina de Literaturas Africanas encontrei nas escritas de Mia Couto o que tanto me intrigava. Não houve dúvidas, meu Trabalho de Conclusão de Curso se intitulou “Raça, Colonialismo e Assimilação na obra Cada homem é uma raça, de Mia Couto.”

Ressalto que estar diante da história de como se deu a colonização em Moçambique. Diante do processo bem como das consequências do colonialismo, da questão da assimilação e da exploração de um povo considerado inferior, julgado pela cor da pele, acendeu em mim um senso de justiça e questionamento que certamente me acompanhariam desde então. De fato, em 2010 fui instigada ao Mestrado em Educação nas Ciências e não consegui pensar em algo que me distanciasse deste tema.

“Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí: construção/afirmação das identidades” é o tema norteador do estudo que escolhi para acompanhar meus dias de mestrado. Tal estudo tem como objetivo compreender como se dá a construção/afirmação das identidades dos sujeitos no contexto do Grupo. Interessa interrogar de que maneira este Grupo pode ou não produzir efeitos na construção ou afirmação das identidades.

É necessário esclarecer que foi usado o termo Grupo Cultural com base nas palavras de Loureiro (2004) quando esta argumenta que um grupo é entendido como étnico quando é provido de características, como compartilhar valores culturais, conseguir interagir entre si, se identificar com o grupo e também ser identificado pelos demais como pertencente a um grupo distinto. Segundo Loureiro (Idem, p.65), “como valores culturais explícitos e importantes, gostaríamos de ressaltar que a religião, a moda, a ideologia, a concepção de beleza, os rituais de casamento e as cerimônias fúnebres são alguns elementos que dão ao grupo uma especificidade cultural”.

Acredito ser fundamental acrescentar que este tema ganhou dimensão a partir da hipótese de que o Grupo poderia interferir de forma positiva na construção das identidades, pois mostra a cultura do afrodescendente, seja por meio das danças, músicas ou pratos típicos. Penso que diante de um contexto de exclusão e preconceito contra a cor da pele o Grupo Cultural poderia ser fomentador não somente da amostra da cultura, mas aliar a isso meios para instigar nos seus integrantes o desejo de ser mais, o que para Freire (1974) significa se libertar de qualquer tipo de opressão.

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Aliada a essa hipótese estão as minhas experiências cotidianas através das quais observo comportamentos e falas que explicitam o preconceito existente contra o negro (a) e não somente, pois o índio, o mulato, a moreninha, ou seja, o mestiço, também se enquadram nesse contexto. Por isso retorno às palavras de Loureiro (2004) para acrescentar que é usado o termo afrodescendente ou negro para fazer referencia as características fenotípicas do povo negro africano e de seus descendentes no Brasil que podem ser considerados negros ou mestiços. Dessa forma o termo negro (a) ou afrodescendente aparecerá no decorrer deste estudo.

A partir das experiências cotidianas, como negra, mulher, mãe, docente, profissional, venho me deparando com discursos e com atitudes de homens e mulheres, por vezes de alunos e alunas, que percebo estarem impregnadas de preconceito. Em função disso, dia a dia desperta-me uma sensação de inquietação, de perturbação. Estudos e observações permitem supor que o Grupo Cultural teria uma grande responsabilidade quanto a construção das identidades dos seus participantes no sentido destes se reafirmarem enquanto cidadãos, ou seja, a vivência no Grupo produz efeitos afirmativos; positivos na constituição das identidades, no sentido de ser mais (1974), passando pouco a pouco a se libertar de qualquer tipo de opressão.

É necessário chamar atenção à palavra preconceito e explanar como ela se mostra no cotidiano através de pequenas atitudes ou palavras, no momento, por um lado escuto manifestações de alunos negros, que se sentem excluídos, e de outro, ainda que de forma implícita, observo o descaso, a minuciosa manifestação de preconceito que se mostra nos pequenos discursos, tais como dos exemplos que seguem.

Um aluno negro com 17 anos, ao receber a tarefa de fazer uma pequena representação em sala de aula, na qual deveria se passar por um cliente em uma empresa fez questão de usar óculos de grau. Perguntei o porquê do uso dos óculos, este respondeu que um negro com óculos significa alguém inteligente, estudioso, e sem o mesmo seria somente mais um negro na visão da sociedade.

Ao pedir para os alunos da oitava série do Ensino Fundamental escreverem uma história, um menino com 15 anos escreveu: “vou mostrar como é ser negro, sou acusado de

ladrão e de marginal. Sou negro, mas sou limpo, sou negro, mas não sou ladrão. Sou um negro lindo e quieto. Sou negro, mas não sou animal e não me acho o tal. Sou negro, mas não sou ruim, eu sou legal.” Essa escrita me parece uma defesa pessoal. A questão é que não vejo

normalidade no fato de o aluno defender-se por ser negro. Isso revela o preconceito contra a cor da pele, que de maneira mascarada, exclui e ignora.

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Em outra conversa fora do contexto da escola a respeito da questão do racismo, um aluno branco argumentou não ser racista, e em seguida acrescentou que os negros são relaxados e sem vontade, caso contrário, segundo ele, todos teriam estudo e um bom trabalho. Num bate papo com uma colega de trabalho, esta desabafou que o fato de ter uma filha negra causa muito espanto às pessoas, pois sendo ela branca, não é normal ser mãe biológica de uma criança negra. Ela relata que sua filha já passou por inúmeras situações de preconceito, pois na maioria das vezes passa por filha adotiva.

Da mesma maneira, sinto-me encorajada a expor a minha história de mulher negra, história que me inferiu num contexto, num lugar posto. Não me vejo morena, parda, cor de cuia, me sinto negra e questiono qual seria a diferença em ser considerada negra, parda ou morena. Passeando no shopping da capital com minha cunhada branca, e com meu sobrinho branco, ao conversarmos com uma desconhecida, esta logo concluiu em um de seus comentários, sem titubear, que eu fosse babá do meu sobrinho.

Situações como essa acabam por dar visibilidade ao preconceito, à discriminação voltada para o negro (a) e para o mestiço (a). É este o lugar que assumo como meu. Sou negra, sou mestiça e trago na cor da pele a representação da miscigenação que é característica deste país. Não me refiro a miscigenação no sentido do branqueamento da população negra, me refiro àquela que reconhece e se reconhece através da cultura afro-brasileira. Por isso, retomo que não existe maneira de branquear o tom da pele com expressões apassivadoras já citadas anteriormente. Diante desse tipo de discurso, acredito que o preconceito está presente e se mostra de maneira consciente ou inconsciente.

Em se tratando de preconceito implícito e inconsciente, enfatizo também as expressões usadas diariamente no vocabulário de homens e mulheres no contexto da escola ou fora deste. Penso que em algumas vezes passa despercebida a gravidade do sentido que está incutido em frases feitas e corriqueiras.

Esse contexto que foi ditado pelas convenções sociais mostra uma atmosfera de normalidade, que talvez possa ser uma das responsáveis pelo uso impensado de jargões como: cabelo bom, isso é coisa de preto, a coisa ficou preta, entre tantas outras que de maneira sutil carregam o mesmo contexto de subalternização, exclusão e insanidades.

Refiro-me a história de insanidade da escravidão, que deixou sua marca e difundiu uma pretensa superioridade da cor branca. Devido a isso não há como o Brasil passar imune pelo fato de ser o último a abolir a escravidão. Tal ato é responsável por consequências morais e sociais que se fazem presentes, e se mostram de forma explícita no cotidiano, no que diz respeito a profissões, lazer etc. Tal como preconiza a autora:

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O modelo estético de projeção é ainda branco, quase alvo, louro e, de preferência, com o complemento dos olhos azuis. Afinal se identidade é alter-ativa, o que se verifica é que se joga para o outro o lugar da idealização. Talvez seja por isso que na música, no futebol e no carnaval as personagens sejam majoritariamente negras, nos programas de televisão, no cinema e no teatro ou mesmo no cenário da política, contam-se nos dedos aqueles que não são brancos. (SCHWARCZ, 1999, p. 124) Em consonância, retomo que o preconceito é consequência da tentativa de inferiorizar um povo cuja cor foi discriminada, e neste estereótipo é que se formou em parte a visão das sociedades brasileiras que se mostram preconceituosas. Tomo aqui preconceito como um sentimento preconcebido sobre pessoas, etnias, tradições, culturas que não se tem entendimento, e que numa reação prévia são consideradas “estranhas”.

Preconceito é um julgamento negativo e prévio de grupos e pessoas. Refere-se a diversos elementos: religião, etnia, cultura, condição social, traços físicos, dentre outros. No entanto, cada forma de preconceito tem suas peculiaridades. Inclui a concepção de que o indivíduo tem de si mesmo e do outro e refere-se à relação entre as pessoas e grupos humanos. Ou seja, é consequência de alguns padrões existentes na sociedade, tidos como modelos de normalidade, quem não está dentro desses padrões sofre preconceito. “[...] Com relação ao preconceito racial, se insere num sistema social racista, que possui mecanismos operadores das desigualdades raciais na sociedade e encontra suas origens na doutrina da supremacia racial”. (GOMES, 1995, p. 06)

Tomando a palavra preconceito como uma visão pejorativa do que não se sabe, vislumbro que talvez existam possilbilidades do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi ao menos instigar a reflexão dos sujeitos, à busca pelo entendimento consciente da sua cultura passando a buscar na valorização desta cultura a autoconfiança que lhe foi negada devido o contexto de exclusão.

Vale supor que há a possibilidade de pensar que muito da autoconfiança do afrodescendente vem sendo resgatada a partir das lutas do Movimento Negro, através das quais algumas conquistas juridicas foram decretadas. Trago como exemplo a discriminação racial como prática de crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão nos termos da lei; o surgimento de um aparato jurídico-normativo que contempla a diversidade como variável nuclear propondo mudanças na proposta curricular, dentre outros (DIAS, 2007). Porém, chamo a atenção para o fato de que as conquistas jurídicas parecem ser somente um passo para a real cidadania do povo afro-brasileiro. Para Munanga:

Não existem leis no mundo que sejam capazes de erradicar as atitudes preconceituosas existentes nas cabeças das pessoas, atitudes essas provenientes dos sistemas culturais de todas as sociedades humanas. No entanto, cremos que a educação é capaz de oferecer tanto aos jovens como

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aos adultos a possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de superioridade e inferioridade entre grupos humanos que foram introjetados neles pela cultura racista na qual foram socializados. (2005, p.17)

Em consenso com Munanga (Idem) parece não haver fórmulas para acabar com o preconceito, porém, entendo ser necessário visualizar possibilidades de chamar a atenção para a aceitação do outro julgado como diferente. Aqui busco confirmação nas palavras de Boaventura (2003) quando define o multiculturalismo e interculturalismo. O primeiro diz respeito ao reconhecimento, enquanto o segundo ultrapassa tal ideia defendendo a aceitação do diferente e lançando um olhar além, na busca das relações entre as culturas, o que talvez pudesse tornar possível um maior entendimento e, consequentemente, a compreensão sobre que é ser diferente, neste caso a cultura negra.

Acredito que a partir do que vem sendo enfatizado se afirma a existência da não aceitação do outro que é julgado diferente, neste caso o negro. É justamente a partir desse contexto de preconceito que busquei entender se o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi poderia ou não auxiliar, contribuir no que diz respeito à construção das identidades daqueles que dele fazem parte. É necessário expor que a convivência no Grupo produz efeitos nas subjetividades de seus participantes, como nos ensinou Freire (1974) um ser mais. Não há como não considerar o fato de que o afrodescendente sofre com um preconceito que tem um contexto histórico como já foi visto anteriormente. Dessa maneira retomamos o quão significativo é o convívio no Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, quando reconhecemos que este pode ser considerado também um espaço educador.

Retomo que houve o desejo de entender a partir do “Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi” de Ijuí, como este poderia ou não se caracterizar como um espaço educador (fortalecido) daqueles que fazem parte do seu contexto. Dessa forma, meu interesse se voltou à pesquisa com anseio de estar em contato com as experiências dos sujeitos vinculados ao Grupo Cultural para entender como se educam como sujeitos a partir das expectativas e experiências vivenciadas no Grupo.

Pensar na metodolgia para alcançar esse objetivo foi o primeiro passo para que este estudo pudesse ser realizado. Percebi de início que seria de grande importância realizar pesquisa de campo com objetivo de melhor entender sobre construção de identidades de alguns participantes do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, tal intenção exigiu presença constante, atenção e interesse em escutar, observar e registrar.

Nessa perspectiva me dediquei a escutar pessoas de diferentes idades, o presidente atual do Grupo Gultural Wilmar Costa da Rosa, uma vez que este entre idas e vindas como presidente líder do Grupo teve muito a contribuir históricamente na construção deste trabalho.

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É preciso enfatizar que o nome do presidente aparecerá nos depoimentos devido seu consentimento, pois o mesmo solicitou que eu não usasse pseudônimos. Manifestou que considerava fundamental a presença do seu nome e argumentou não ser necessário esconder a identidade das pessoas, muito pelo contrário. Falou da necessidade em mostrar que os negros são pessoas inteligentes e ativas na sociedade, tendo sugerido a realização de uma amostra de fotografias do Grupo Cultural. Wilmar Costa da Rosa nasceu em 10/03/1940, é professor aposentado desde 1995. É filho único, seu pai trabalhava na viação Férrea e sua mãe era do lar. Contou que os parentes achavam errado ele estudar, dizendo que seu bom porte físico deveria ser utilizado para o trabalho. Mencionou sua inacessibilidade à escola, e a vontade de seus pais pelos seus estudos, cujo esforço resultou no início do primário aos 12 anos.

Já a escolha pela fala da adolescente dançarina me pareceu importante para a tentativa de entender o porquê da escolha pelo Grupo Herdeiros de Zumbi, bem como da sua auto-concepção em relação a sua identidade. J.J tem dezessete anos, cursa o 2º ano do ensino médio, vem de uma família de 4 irmãos. Contou que a mãe acabou o ensino fundamental e desistiu dos estudos e o pai cursou até a sétima série do ensino fundamental. Há dois anos faz parte do Grupo.

L.L tem 24 anos, tem o ensino médio completo, no momento faz um curso Técnico em Informática. É filha única e seus pais têm ensino médio incompleto. Há dois anos faz parte do Grupo Cultural. Para isso conta com o apoio de sua família, que procura acompanhá-la sempre que possível às apresentações. Acredito que a entrevista com duas componentes do Grupo Cultural com idades diferentes e com o mesmo tempo de convivência no Grupo, poderia trazer evidências sobre a aprendizagem da cultura afro por intermédio do Grupo, pois independente da idade, ambas poderiam ter algum conhecimento sobre a cultura representada.

Entrevistar uma dançarina com mais de 20 anos de idade e com muitos anos de convivência com o Grupo me pareceu fundamental, pois esta poderia retratar com propriedade sua vida antes e depois de pertencer ao Grupo Cultural; as mudanças ocorridas; a visão que tem de si mesma dentro e fora do Grupo, o que poderia levar ao entendimento se o Grupo poderia ser considerado como um espaço educador. T.C.S tem 22 anos, há 11 anos participa do Grupo, estudou Administração até o segundo semestre pela Unijuí, tem seis irmãos por parte de pai e de mãe e mais alguns por parte de pai, tem uma família grande e mantém contato com todos os irmãos, cada um no seu espaço e com uma boa convivência.

Duas das pessoas integrantes do Grupo que participaram da pesquisa foram procuradas também em 2011. Já com as outras duas tive contato somente neste ano de 2012 durante o evento Expoijuí/Fenadi. Para a realização da pesquisa foi feito registro das

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entrevistas narrativas de quatro participantes assíduos do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi do município de Ijuí. As falas foram gravadas e em seguida transcritas, e o registro seguiu um roteiro previamente elaborado com algumas questões para servirem de base às entrevistas. Vale expor que observações já vinham sendo feitas, pois estive em contato com o Grupo Cultural afro pela primeira vez em 2011, com a intenção de construir uma aproximação com o campo e os sujeitos da pesquisa. Essa busca de interação aconteceu durante o evento Expoijuí/Fenadi. Em 2012, retornei ao evento para o término da pesquisa.

Durante as entrevistas foi possível perceber que a escolha e o cuidado ético com as perguntas são importantes, porém, isso só passa a ganhar dimensão quando se aprende a escutar. Por vezes através de uma única pergunta, todas as outras acabavam sendo consequentemente respondidas. Para Rosália Duarte (2004) o uso de entrevistas como fonte de pesquisa torna-se fundamental ao entendimento dos significados e das relações que se estabelecem no grupo pesquisado. Isso acontece quando a entrevista vem entrelaçada com o desejo de mapear práticas, crenças, mais ou menos bem delimitados em que os conflitos não estejam claramente explicitados.

Se as entrevistas forem bem realizadas, elas permitem ao pesquisador fazer uma espécie de mergulho em profundidade, coletando indícios dos modos como cada um daqueles sujeitos percebe e significa sua realidade e levantando informações consistentes que lhe permitam descrever e compreender a lógica que preside as relações estabelecidas no interior daquele grupo, o que, em geral, é mais difícil obter com outros instrumentos de coleta de dados, valores e sistemas classificatórios de universos sociais específicos. (DUARTE, 2004, p.205)

Nesse contexto, a escolha pela fonte de pesquisa através de entrevistas é justamente voltada também à necessidade de interação e de observação, além de tornar possível a coleta de informações para o desfecho do estudo. Acredito que estar diante dos entrevistados, percebendo seus gestos e expressões foi fundamental para conseguir entender o significado das falas, pois é preciso uma reflexão sobre os significados existentes na linguagem corporal o que exige atenção de quem esta realizando as entrevistas.

Brandão (2004, p.26) define que “entrevista é trabalho, e reclama uma atenção permanente do pesquisador aos seus objetivos obrigando-o a colocar-se intensamente à escuta do que é dito, a refletir sobre a forma e conteúdo da fala do entrevistado”, acrescentando ainda a necessidade de atenção aos tons, ritmos e expressões gestuais que acompanham ou mesmo substituem essa fala, o que para o autor exige tempo e esforço.

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Tempo e esforço. Este foi um dilema que acompanhou todos os passos desta pesquisa, considerando que muito dela foi registrada na casa afro “Herdeiros de Zumbi de Ijuí”, o que não foi tão simples, pois o evento exige muito da atenção das casas típicas e de seus integrantes. Foi uma busca contínua que se deu através de observações, fotos, entrevistas e esperas. E é justamente por ter escolhido trabalhar com entrevistas e observações que posso enfatizar o caráter qualitativo da pesquisa. Segundo Duarte:

De um modo geral, pesquisas de cunho qualitativo exigem a realização de entrevistas, quase sempre longas e semi-estruturadas. Nesses casos, a definição de critérios segundo os quais serão selecionados os sujeitos que vão compor o universo de investigação é algo primordial, pois interfere diretamente na qualidade das informações a partir das quais será possível construir a análise e chegar à compreensão mais ampla do problema delineado. A descrição e delimitação da população base, ou seja, dos sujeitos a serem entrevistados, assim como o seu grau de representatividade no grupo social em estudo, constituem um problema a ser imediatamente enfrentado, já que se trata do solo, sobre o qual grande parte do trabalho de campo será assentado. (DUARTE, 2004, p.205)

Foi justamente com a preocupação na qualidade das informações que retomo a escolha de trabalhar com pessoas de diferentes idades e gênero, já explicitada anteriormente. Tal decisão deu-se com base no fato de buscar entender se o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí auxilia ou não na construção/afirmação das identidades daqueles que dele são integrantes. Acredito que estar em contato com etnia afro de Ijuí, sem restrições a tempo, foi fundamental para a construção deste trabalho, pois não haveria como prever a partir de que momento as entrevistas passariam a ganhar densidade. E foi em momentos imprevistos que as informações mais instigantes e surpreendentes foram colhidas.

À medida que se colhem os depoimentos, vão sendo levantadas e organizadas as informações relativas ao objeto da investigação e, dependendo do volume e da qualidade delas, o material de análise torna-se cada vez mais consistente e denso. Quando já é possível identificar padrões simbólicos, práticas, sistemas classificatórios, categorias de análise da realidade e visões de mundo do universo em questão, e as recorrências atingem o que se convencionou chamar de "ponto de saturação", dá-se por finalizado o trabalho de campo, sabendo que se pode (e deve) voltar para esclarecimentos. (DUARTE, 2004, p.17)

Assim, a pretensão de querer entender se o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi pode influenciar ou não na construção das identidades dos seus integrantes, passou a ganhar sentido a cada observação e a cada diálogo, ou seja, passou a ganhar densidade, sendo necessário voltar para o campo teórico.

Para explicitar a fundamentação teórica desta pesquisa é válido mencionar que de início fiz um breve resgate da história da inserção do afro-brasileiro em Ijuí, vindo a

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mencionar também como este Grupo se tornou a etnia hoje vigente. A construção deste capítulo se justifica pelo fato da construção de Ijuí ter como paradigma a visão do colonizador, o que acredito ser um fator que pode desencadear conflitos no que diz respeito à construção da identidade do afrodescendente. Logo, o primeiro capítulo discute o estudo de pesquisadores como: Paulo Afonso Zarth, Regina Weber, Adelar Francisco Baggio, Mário Osório Marques, Jorge Mello, Sonza e Lechat e Paulo Freire.

Ainda nesse capítulo, foi necessário trazer à tona a importância do personagem histórico Zumbi, assim como a formação do “Quilombo dos Palmares”, que acabou tornando-se o refúgio de tantos escravos. Este referencial de estudo é importante tendo em vista que o Grupo Cultural afro desta cidade é representado com o nome de Zumbi dos Palmares. Para dar ênfase a este assunto reportei-me a Décio Freitas e João José Reis.

No segundo capítulo, intitulado, O Significado do Movimento Negro para os

afrodescendentes, busco ressaltar as conquistas proveniente das lutas do Movimento Negro,

assim como a importância do que significou o Protesto Negro, e o Movimento Negritude, dentre tantas outras discussões voltadas à questão da importância e das diversas características que fundam os movimentos sociais. Estudiosos como Kabengele Munanga, Florestan Fernandes, Luciane Ribeiro Dias, Luiz Etevaldo da Silva, Paulo Afonso Zarth, Boaventura Santos, Alan Touraine e Shamim Meer são norteadores da escrita deste capítulo.

Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi: cultura x identidade é o título que apresento no

terceiro capítulo, com a necessidade de buscar mais conhecimentos nesta área de estudo, pois há a discussão sobre fatores culturais que interferem na construção das identidades. Neste capítulo também volto minha atenção para o debate entre multiculturalismo e

interculturalismo. A escrita deste capítulo dar-se-á a partir de conceitos dos escritores como:

Stuart Hall, Néstor García Canclini, Alan Touraine, Gilberto Ferreira da Silva, Jean Pierre Warnier, Boaventura de Souza Santos, Roberto Cardoso de Oliveira, Stefânie Arca Garrido Loureiro, Jacques Adesky e Homi Bhabha.

O quarto e último capítulo apresenta o título Diferença, desigualdade, estereótipo: a

construção de identidade na construção e desconstrução desses valores. Penso que essas

questões se relacionam com o termo “mestiço”. Por isso é de meu interesse buscar identificar e entender sobre a origem da expressão “mestiçagem”. Logo, este também é um assunto que irá permear este último capítulo, construído com base em Paulo Freire, Kabengele Munanga e Stuart Hall.

Amparada nas palavras dos teóricos mencionados pude encontrar possibilidades de chegar ao término deste trabalho. Penso que a sobrevivência da negritude está além do que os

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pretensos “pesquisadores” mostram a partir da história, pois acredito que está presente nos movimentos, na cultura, bem como no “Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi” de Ijuí. É embasada nesse pensamento que este estudo se apresenta. O mesmo se preocupou em buscar evidencias que apontem para a certeza de que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi do município de Ijuí auxilia e contribui na construção ou afirmação das identidades dos seus integrantes.

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Figura 1: Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí

Fonte: http://www.expoijuifenadi.com.br/temp/f_publicacoes/imagem/149-1080x320-5.jpg acessado em 21 de janeiro

Figura 2: Casa do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi no Parque de Exposições de Ijuí

Fonte: http://www.expoijuifenadi.com.br/temp/f_publicacoes/imagem/149-1080x320-5.jpg Acessado em 21 de janeiro de 2013

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1. ENCONTRO COM A HISTÓRIA DO (GRUPO) AFRO-BRASILEIRO EM IJUÍ

Pelo fato deste trabalho ter como objetivo entender sobre como acontece a construção ou afirmação das identidades dos sujeitos negros e negras no ambiente do Grupo Cultural “Herdeiros de Zumbi” de Ijuí, faz-se necessário trazer alguns fatos históricos sobre a inserção dos negros (as) nesta cidade. Torna-se importante entender como se instituiu em Ijuí a Fenadi1 junto à Expoijuí2. Da mesma maneira é importante trazer um estudo sobre a inserção do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi no evento Fenadi.

De início, este capítulo visa fazer um resgate histórico do porquê da cidade de Ijuí ser reconhecida como a terra das culturas diversificadas e qual o lugar destinado à etnia negra no Parque temático, ressaltando também a história do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi.

É indispensável explicitar o porquê deste estudo, uma vez que se entende que sendo o Grupo Cultural responsável pela construção ou afirmação de identidades, é preciso mostrar o quanto essas identidades ainda trazem as marcas da opressão, da subalternização e do contexto da escravidão. Vale a pena ressaltar que, apesar de tais fenômenos, o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi foi umas das formas de se fazer presente e mostrar a cultura afro no contexto da Fenadi.

Para tanto, este capítulo segue alicerçado em outros subitens que irão tratar exclusivamente desses assuntos para trazer evidencias sobre a importância deste Grupo para as pessoas de origem afro, tanto para os moradores de Ijuí, quanto para aqueles que dele são integrantes.

Ijuí: terra das culturas diversificadas

Antes de 1890 Ijuí era habitado pelos povos indígenas, tanto que seu nome emerge da língua Guarani. Ijuí significa “Rio das Águas Claras”, ou “Rio das Rãs”. Consolida-se assim, que os índios foram os primeiros moradores da região, seguidos pelos imigrantes de origem afro-brasileiros, luso-brasileiros, e descendentes de imigrantes europeus poloneses, alemães,

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FENADI- Festa Nacional das culturas Diversificadas é o maior evento local, organizada a partir de 11 grupos étnicos, representado num parque temático construído para esse fim e composto de “casas típicas”, nas quais grupos folclóricos realizam danças tradicionais dos respectivos países de origem e servem comidas típicas.

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italianos, austríacos, espanhóis, árabes e libaneses, o que faz com que Ijuí se caracterize pela diversidade étnica.

O município se caracteriza como um laboratório para tratar a questão, considerando a história de sua formação multiétnica e pela importância das etnias na história e na cultura local. Ao mesmo tempo espelha em boa medida o conjunto do estado, ocupado por povos oriundos dos mais diversos locais do mundo e cuja historiografia atribui às etnias em lugar central e em sua formação. (ZARTH, p. 117, 2010)

Como aponta Zarth, o estado foi habitado por povos de diferentes locais do mundo e Ijuí é um bom exemplo dessa ocupação pela sua diversidade étnica. Vale expor que Ijuí também foi habitado por outras etnias, embora em menor número, russos, lituanos, húngaros, franceses, romenos, rutenos, tchecos, finlandeses, gregos e japoneses. No entanto, toda essa diversidade étnica só ganhou maior visibilidade midiática e comercial na década de 1980.

No que se refere à Fenadi, Baggio (2002) registra que foi a partir do período de 1980 que começam a ser realizadas reuniões nas quatro principais organizações estratégicas: Prefeitura Municipal, ACI, FIDENE e COTRIJUÍ, propiciando intenso debate na comunidade. Observa que logo foi concretizada a criação de 10 Comissões Interinstitucionais de Trabalho para estudo de prioridades municipais: solo, diversificação, comércio, saúde, indústria, desenvolvimento urbano e segurança.

Assim, a diversidade cultural passa a ser discutida com interesses específicos em Ijuí, embora, como aponta Weber (2002), esta seja uma cidade reconhecida como sendo de colonização alemã. Para a autora isso se deu através da cultura e da língua germânica que era falada por alemães, teuto-russos, teutos-brasileiros, poloneses, húngaros e austríacos. Da mesma maneira, o fato de Ijuí ter no posto de poder os descendentes destas etnias também contribuiu para que se sobressaísse a cultura germânica.

A imagem de Ijuí era até pouco tempo atrás, a de uma cidade de colonização alemã. A etnia alemã (ou comunidade linguística) nunca deve ter passado dos 30% da população de Ijuí. O caráter germânico talvez dado a Ijuí deveu-se, muito mais, pela língua falada (a cultura) tanto por alemães natos, quanto por teuto-russos, austríacos, teuto-húngaros, teuto-poloneses, teuto-romenos e teuto-brasileiros. Mas o caráter germânico foi também resultante do fato dos descendentes destas etnias ocuparem quase todos os postos em evidência na administração pública, no comércio, na indústria, nas escolas e nas profissões liberais. (WEBER, 2002, p. 20)

Mesmo que os grupos germânicos tivessem costumes diferentes, a língua os unificava e esta unificação garantia-lhes certa hegemonia cultural. Mas Weber, em sua análise, também aponta que nas décadas de 30 e 40 do século passado se visualizava Ijuí como uma

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configuração tripartite. Na década de 90 o discurso da diversidade cultural é retomado com força e desta forma se consolida, se transformando imediatamente em movimento amplo.

Devido ao discurso sobre a diversidade cultural, esta passa a ganhar visibilidade e é nesse contexto que emerge a União das Etnias3, que é uma Entidade Civil de caráter cultural com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos. Como afirma Marques (1985, p.11), “o significado do pluralismo étnico presente na colonização de Ijuí torna-se significativo a partir do caráter relacional da etnia”. Para o autor é na relação com as demais etnias que surgem as diferenças, e é no convívio em espaço e tempo social comum que se configura uma unidade original de culturas diversificadas.

Ainda segundo Marques (1985) a retomada da diversidade cultural no movimento das etnias em Ijuí tem a ver com a necessidade destas se reencontrarem para se somarem como forças renovadas às outras formas de agrupamentos e aos setores da economia e vida locais. O autor afirma que uma peculiaridade do movimento das etnias é que existe razoável abertura na formação dos grupos que se envolvem na sua organização.

O significado do pluralismo étnico, que caracteriza a formação colonial de Ijuí, não está nos aspectos específicos de cada etnia considerada em si mesma, como fator de unidade e identidade grupal à base de procedência geográfica ancestral determinada, fato sócio-cultural de especificidade própria, não, porém de alcance maior quando tomado em si mesmo, isoladamente. É o caráter relacional da etnia que a torna significativa a partir do momento em que surgem as diferenças e, por aí, o dinamismo dos contrários em luta por superarem-se no processo pelo qual o convívio em espaço e tempo social comum termina por configurar uma unidade original de culturas diferenciadas, diversificadas, ricas pelo seu poder de relativizar todo o seu mundo, de se contrapor aos mecanismos de mando e controle unitários, despóticos”. (MARQUES, 2002, p. 11)

Segundo Marques (2002) Ijuí seria a “terra das culturas diversificadas”. Para o estudo aqui em questão é importante ressaltar que este é o segundo slogan que surge após a ideia de trabalhar as culturas diversificadas dentro do espaço da Expoijuí por meio do evento chamado Fenadi - Festa Nacional das Culturas Diversificadas.

A primeira Fenadi foi realizada em 1987 em conjunto com a III Expoijuí. Transformou-se imediatamente em movimento artístico-cultural e foi assumido pela população de Ijuí de todas as idades, etnias e segmentos

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É regida por Estatuto e pelas leis aplicáveis, registrada no Livro A-1, às folhas 197, sob número 344 nos Registros de Sociedade Civis, e no CNPJ sob o número 01.635.128/0001-94 e, tem como objetivos: Promover a União Étnica de Ijuí; Coordenar Eventos, Projetos e Atividades de interesse comum dos Centros Étnicos-culturais e estimular o intercâmbio com Entidades Congêneres (WEBER, 2002).

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sociais com muita força, como algo promissor e com potencial de diferenciação frente às demais feiras, exposições e movimentos étnicos. (BAGGIO, 2002, p.59-60)

Ainda segundo o autor, as etnias passaram a se reunir em Centros Culturais com o objetivo de manter as tradições e costumes de cada país representado. Assim é que se constituíram os Centros Culturais, dentre estes o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi fundado em 1987, e foi através deste movimento que com o passar do tempo, as diferentes etnias se transformaram numa grande atração turística pela construção das casas típicas que representam tanto a arquitetura quanto os costumes do seu país de origem.

A festa Nacional das culturas Diversificadas é o maior evento local, organizada a partir de 11 grupos étnicos, representado num parque temático construído para esse fim e composto de “casas típicas”, nas quais grupos folclóricos realizam danças tradicionais dos respectivos países de origem e servem comidas típicas. (ZARTH, 2010, p.121)

Em contraponto aos estudos de Marques e Baggio, Zarth argumenta que a consolidação das casas étnicas num parque de exposições, constituído enquanto feira comercial acaba também a virar comércio. Nessa premissa as casas típicas foram criadas para fins também comercias. Isso implica em entender que a organização sócio-econômica do setor cultural tem a ver com as características da cultura industrial, que se manifesta com a finalidade de lucro. Segundo Warnier (2000) o que os estudiosos chamam de cultura industrial, cultura de massa, pode acarretar uma padronização, porém, apenas de maneira ilusória, pois ao mesmo tempo em que aproxima também afasta as pessoas, sociedades, países, ou nações.

Fazem parte das indústrias culturais as atividades industriais que visam produzir, e comercializar discursos, sons, imagens e artes, e qualquer outra habilidade ou hábito obtido pelo homem como parte da sociedade. Nesse contexto é possível retomar que também houve o interesse da Fenadi se tornar vigente no parque de exposições Expoijuí, para torná-lo mais atraente, o que nos remete a pensar que havia como interesse a possibilidade de dar maior visibilidade ao parque temático, com a finalidade de expandir o comércio.

Nesse sentido, assim como Zarth, Sonza e Lechat (1997) também vem mostrar que havia outro interesse na consolidação da Fenadi na Feira de Exposições, quando afirmam que se buscava possibilitar visibilidade, fazendo que a Feira se tornasse mais atrativa ao público, objetivando o destaque nacional e até mesmo internacional. Ou seja, com eventos artístico- culturais havia possibilidade de um crescimento comercial da Expoijuí.

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1.1 A inserção do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi na Expoijuí/Fenadi

Como já vem sendo discutido anteriormente, a FENADI ganhou dimensão no ano de 1987 devido às práticas discursivas e não discursivas como apresentações de danças, de roupas e das comidas típicas de cada casa. Essas práticas deram visibilidade a algumas das diferentes etnias desta cidade, porém, é preciso resgatar que fulminava o objetivo de trazer uma nova possibilidade de atração artístico-culturais para a festa comercial, através da qual se vislumbrava o destaque nacional e até internacional. Logo, as primeiras etnias a se organizar foram os alemães, os italianos e os poloneses, dando sequência a outras etnias, dentre elas a etnia afro-brasileira de Ijuí (SONZA e LECHAT, 1997).

Como se pode imaginar, não foi tarefa fácil reunir os moradores de origem afro de Ijuí. É preciso mencionar o fato de que o frei Jenésio Pereira da Silva, pároco da Igreja São Geraldo e também afrodescendente, teve que fazer todo um trabalho de conscientização, da busca por um sujeito que pudesse dar voz e visibilidade à cultura afro-brasileira, mas nem sempre tinha bons resultados, pois os moradores não compareciam às reuniões que tratavam sobre a inserção da cultura afro na I Fenadi.

Mesmo com essas adversidades se deu continuidade aos contatos com pessoas de origem afro. Como já foi mencionado, o frei Jenésio Pereira da Silva se ocupava na tentativa de convencer os afros de que “são gente e de que suas expressões e manifestações são

importantes” a fim de que estes optassem por serem integrantes do Grupo Cultural (SONZA e

LECHAT, 1997, p.64). Na época as reuniões aconteciam no SESC – Serviço Social do Comércio. E por meio dessas reuniões que foi acordado que o Grupo participaria da primeira Fenadi. Se iniciando também discussões sobre a construção de uma casa típica.

O Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, no início de sua caminhada estava bem articulado, mas foi difícil reunir as pessoas, o trabalho inicial foi no sentido de registrar estatutos e conseguir a colaboração das pessoas. Para isso estabeceram-se contatos com pessoas moradoras do bairro de Ijuí, mas elas prometiam, comprometiam-se em aparecer nas reuniões e não apareciam e, assim, a participação nas atividades do Grupo geralmente ficava a nível de diretoria. Havia o Departamento Cultural, Social, da Memória, o presidente e o vice-presidente, dois secretários e dois tesoureiros. (SONZA E LECHAT, 1997, p. 65)

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“Em 20 de novembro, dia Nacional da Consciência Negra foi fundado o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, tendo seu estatuto4 aprovado em 27 de fevereiro de 1988” (SONZA E LECHAT, 1997, p. 59). Há possibilidades de inferir que a escolha do nome do Grupo foi com a intenção de aclamar o líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi que lutou contra a escravidão, em favor da liberdade para o povo negro escravizado. Neste dia houve a projeção de filmes para posterior debate sobre o dia Nacional da Consciência Negra.

Durante os anos de 1988 a 1990 foram construídos os primeiros módulos da casa típica. Estes foram pensados segundo a arquitetura africana de Dacar no Senegal, por influência do frei Jenésio Pereira da Silva que havia visitado o continente africano. O terreno para a construção da casa afro, assim como os demais foi doado pela prefeitura. Houve na época um discurso de que o espaço da casa afro seria ampliado e ganharia um lugar com mais visibilidade dentro do parque de exposições, porém isso não aconteceu. Para que a casa afro pudesse ser construída houve a mobilização dos componentes da diretoria que organizaram campanhas e promoções na busca de arrecadar fundos para a compra do material de construção.

Vencido este desafio, outros viriam certamente. Mas o maior dentre eles foi o de conseguir fazer com que o afrodescendente de Ijuí quisesse fazer parte do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi.

O fato da diretoria do Grupo ter sido, em alguns momentos, muito fechada a sugestões foi uma das dificuldades encontradas pelo Grupo. Outra dificuldade encontrada, desde a época de sua fundação, é o sentimento de inferioridade por parte de muitos membros, pelo fato de que o negro sempre foi desprezado, sempre ficou posto à parte, como uma pessoa de última categoria. Muitas pessoas introjetaram este tipo de coisa e não acreditaram numa condição de vida melhor. Algumas pessoas de etnia negra, que estavam em melhor posição ou casadas com pessoas de outras etnias, não quiseram participar porque, consideravam, de certo modo, humilhante participar da etnia negra. (SONZA e LECHAT, 1997, p. 66)

Ainda segundo a pesquisa de Sonza e Lechat (1997) com o passar do tempo esse problema enfrentado pelo Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi foi sendo superado, é evidente

4 O Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi teve seus estatutos aprovados em assembleia geral, realizada no dia 27 de

fevereiro de 1988. Esses estatutos foram registrados no Cartório de Registro Civil, no livro A-1, folhas 135, número 266, em 6 de maio de 1991, o que lhe valeu a obtenção do registro no Cadastro Nacional de Pessoas Juridicas – CNPJ, sob número 91.261.800/0001-11; registro na Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social, sob número 300563; e sendo declarado de utilidade pública, conforme decreto executivo número 1.900, de 4 de novembro de 1994. (BINDÉ, 2006, p.88)

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que não ao todo, mas em partes. Sendo que muitos negros (as) passaram a lançar novo olhar para si mesmo, bem como à cultura afro que se encontra no parque de exposições.

É partindo desse contexto que se voltam às atenções para o presente, para o ano de 2013, tendo consciência das muitas barreiras que poderiam impedir o crescimento ou até mesmo a existência da casa típica lar “Maria Augusta” (nome dado a casa em homenagem àquela que era uma das fundadoras da etnia, e também a mais idosa entre os afro-descendentes). É preciso apresentar que atualmente a casa leva o nome de Centro Cultural Herdeiros de Zumbi, isso devido a um estatuto que definiu as etnias como Centro Culturais. Já foram levantadas aqui algumas dificuldades em manter o Grupo, porém é preciso mencionar também os possíveis fatores que fizeram com que este Grupo se mantivesse.

Muitas foram as diretorias que passaram pelo Grupo desde sua fundação em 1987 sendo que José Carlos Corrêa foi apontado como um dos fundadores. Segundo o Blog5 do Grupo, este atualmente tem como Presidente: Wilmar Costa da Rosa; Vice Presidente: 1- Ademar Ferreira Barreto, 2-Darcy Prado da Rosa; 1º Secretario: Carlos Figueira, 2ª Secretaria: Juliana Barreto; 1º Tesoureira: Queli Cogo Barreto, 2ª Tesoureiro: Fabio Fin Krott; Diretora Cultural: Queli Cogo Barreto; Diretor Patrimonial: José De Oliveira; Conselho Fiscal: Cleusa Natalia Cogo Barreto e Teresinha de Oliveira.

Ainda com base no Blog, no momento são 33 as pessoas envolvidas com o Grupo Herdeiros de Zumbi. O Grupo de Dança Charme da Liberdade com 16 dançarinas; o Grupo de Dança Zumbi Erê com 7 crianças e a Diretoria com 10 integrantes. Vale trazer o relato do presidente atual do Grupo Cultural:

A casa afro foi fundada em 20 de novembro de 1987. Passei a ser integrante em 1988, vindo a assumir a presidência da casa afro em seguida, onde permaneci por alguns anos. Já nem lembro ao certo o tempo que permaneço como presidente da casa afro. No ano de 2011 outro componente do Grupo havia assumido, porém neste ano assumi novamente. Entendo que a grande importância das casas típicas é mostrar a dança, a religião e a gastronomia. (Entrevista com Wilmar Costa da Rosa)

A partir do relato do atual presidente do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, é que se pretende trazer alguns fatores, os quais levantam a hipótese de como o Grupo vem resistindo como Grupo Cultural durante todo o tempo de sua existência. O presidente atual diz ser

5

http://www.ijui.com/blog/blog-da-marli/39503-folclore-etnia-afro-basileiros , acessado em 18 de novembro de 2012.

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importante mostrar a dança, a religião e a gastronomia. Segundo ele seriam essas as atividades que podem propiciar a visibilidade à casa afro.

Acredita-se que tais atividades realizadas pelo Grupo durante todo o ano e mostradas por ocasião das feiras anuais acabam por fortalecer o Grupo, além de ajudar os seus componentes a assumir uma consciência crítica, a ser mais, a ser confiante. Segundo Freire (1974) ser mais, diz respeito a libertar-se de qualquer tipo de opressão. O autor menciona que por meio da dolorosa comprovação da desumanização histórica é que os seres humanos vão se questionando sobre outra expectativa, que é a sua humanização.

Ambas, na raiz de uma inconclusão, que os inscreve num permanente movimento de busca. Humanização e desumanização, dentro da história, num contexto real, concreto, objetivo, são possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão. Mas, se ambas são possibilidades, só a primeira nos parece ser o que chamamos de vocação dos homens. Vocação negada, mas também afirmada na própria negação. Vocação negada na injustiça, na exploração, na opressão, na violência dos opressores. Mas afirmada no anseio de liberdade, de justiça, de luta dos oprimidos, pela recuperação de sua humanização roubada. (FREIRE, 1974, p. 30)

É essa busca pela humanização roubada, busca pela liberdade, pelo anseio de justiça, mencionada por Freire (1974) que talvez possa fazer com que as reuniões, os debates, a organização para construir e manter o Grupo, assim como, a dança, a comida típica, (de uma parte do continente africano, considerando que este possui uma grande diversidade de línguas, religiões, etc.) bem como o vestuário inspirado na tribo Zulu escolhido para ser usado pelo Grupo Herdeiros de Zumbi simbolizem parte dos processos da conscientização em ser mais, em buscar sair da condição de oprimido para mostrar uma cultura que foi subjugada historicamente. O estudo realizado permite afirmar que as atividades desenvolvidas no Grupo aliadas às reuniões e eventos fora do contexto da Expoijuí, produzem efeito na construção das identidades dos seus componentes.

Vale ressaltar que tal observação só foi possível por entender, mesmo que vagamente como aconteceu a inserção do afro-brasileiro nesta cidade. Como já foi mencionado não foi nada fácil o processo de construção da casa típica no parque, sendo ainda mais difícil a participação dos primeiros afrodescendente no contexto do Grupo Cultural, por motivos antes já mencionados.

Interessa ao estudo interrogar se a participação no Grupo Cultural permitiria a conscientização, a mudança no que diz respeito a visão que os negros tem de si mesmos e de sua cultura, de sua história. Também importa saber se os integrantes do Grupo se fortalecem e

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se reconhecem enquanto etnia específica e se é isso que faz com que seja possível a sobrevivência do Grupo, ainda mais quando se trata do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, o qual enfrentou diversas barreiras, que vão desde a questão econômica, até a questão do preconceito contra a cor da pele. Vale relembrar o lugar destinado à casa afro, ou seja, a última casa dentro do Parque de Exposições.

De fato, as etnias dão continuidade às peculiaridades de cada país que representa, entretanto, este lugar reservado à etnia afro só vem mostrar que algumas casas típicas tiveram desde sua origem maior visibilidade e intensidade que as outras. Isso não é inerente à Expoijuí/ Fenadi, quando se trata da população negra dessa cidade que em partes ainda ganha um lugar de subalternização. Isso se esclarece nos relatos que vem sendo apontados desde a introdução. Logo, se entende o porquê desse contexto parecer ultrapassar o Evento Expoijuí. Pode-se pensar que ainda prevalece um olhar de desprezo para o negro (a) o que se explicita no cotidiano desta cidade composta por tamanha diversidade cultural e também com tamanha desigualdade ao se tratar das diferenças.

1.2 O lugar ocupado pelo Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi no parque temático Expoijuí/Fenadi

“Pior a dor física de ser marcado a ferro e fogo quente é a dor de ser despersonalizado e obrigado a negar a sua própria raça, cor, cultura, tradição e modo de vida.” (José Carlos Corrêa)

A construção deste sub-capítulo tem como maior interesse mostrar que apesar de tantas contrariedades e fatores negativos o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi vem buscando dar visibilidade a sua cultura. É relevante resgatar em partes o contexto histórico que mostra exatamente o lugar que foi ocupado pela etnia negra nesta cidade, dentro e fora do espaço da Fenadi.

Como já vem sendo mencionado, não foi tão fácil para a etnia negra se consolidar no parque temático da Expoijuí. São muitos os fatores que interferiram que vão desde a falta de verbas, até a falta de pessoas negras dispostas a fazerem parte do Grupo Herdeiros de Zumbi. Embora já mencionado anteriormente, vale resgatar aqui o fato de Ijuí ser reconhecida como uma cidade de colonização alemã, não pelo número de colonizadores em questão, mas destes ganharem visibilidade devido à hegemonia da língua e também ocuparem os cargos que significam poder no Município.

Referências

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