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Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi: espaço educador

1. ENCONTRO COM A HISTÓRIA DO (GRUPO) AFRO-BRASILEIRO EM IJUÍ

1.3 Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi: espaço educador

Até então se objetivou trazer estudos que comprovem que o afro-brasileiro morador desta cidade enfrentou muitas barreiras devido à exclusão, ao preconceito e ao lugar de subalternidade que lhe foi imposto. Como já relatado, atualmente o lugar ocupado pelo povo afro quando se trata da contribuição na construção e evolução desta cidade é de invisibilidade. Devido a esse contexto é de extrema importância chamar a atenção à responsabilidade do Grupo Herdeiros de Zumbi no que diz respeito à construção e afirmação das identidades dos seus componentes.

Este sub-capítulo vem mostrar que o Grupo interfere de maneira positiva em relação a construção ou afirmação das identidades e pode ser reconhecido como um espaço educador. Amostras culturais aliam-se a um grande sentimento de orgulho em ser negro e ser representante da Cultura afro-brasileira. Segundo T.C.S, dançarina com 22 anos e 11 anos de convivência com o Grupo:

Eu acho que se eu não fizesse parte do Grupo eu ia ser uma pessoa muito egoísta, individualista. Conviver em grupo me ensinou a respeitar o espaço do outro o que é muito importante, se não fosse integrante do Grupo eu iria ser uma pessoa pobre em relação a cultura afro. Não iria entender, não iria saber de onde eu vim, eu não ia ter este orgulho que eu tenho hoje em ser negra. Tudo que eu sei a respeito da cultura eu aprendi no Grupo. O que a gente dança, o que estamos representando eu aprendo no Grupo. No meu interior eu iria amar, mas, não iria entender o porquê daquela dança. Há muitos negros que não sabem quem foi Zumbi, que não sabem que se ele não tivesse força de vontade, se não tivesse sido guerreiro de lutar pelo sonho de liberdade, talvez a gente não estivesse assim como estamos hoje, livres. Quem da palestras sobre quem foi zumbi é o presidente, ele é o nosso professor, ele nos explica pra que a gente não passe informações erradas. Ele tem conhecimento, e sempre que temos dúvidas perguntamos pra ele pra quando o público perguntar a gente saiba responder. Também aprendemos de forma automática na convivência com o Grupo e também por causa das músicas que trazem a história do negro. (Entrevista com T.C.S)

A fala da integrante do Grupo Herdeiros de Zumbi revela o desejo de buscar conhecimentos sobre a cultura; uma busca por valorização e reafirmação enquanto sujeitos (as) ativos na sociedade, além de resgatar e deixar viva a cultura de seu povo. As palavras de T.C.S chamam atenção quando esta retrata que o povo afro de Ijuí não conhece a sua própria história, e ressalta que se não fosse pela luta de Zumbi, hoje as pessoas de origem afro não estariam felizes e livres. Essa fala remete a pensar sobre o trabalho que vem sendo desenvolvido no Grupo, e que muito do orgulho em ser negro que T.C.S revela, tem a ver com o conhecimento adquirido na convivência com Grupo Cultural. Nas palavras do presidente Grupo:

Resolvi fazer parte do Grupo para ajudar a mostrar a qualidade e a capacidade do negro na construção de Ijuí. Me sinto orgulhoso de ajudar a provar pra sociedade que o negro é tão bom quanto qualquer outra pessoa. Por isso, acredito que a existência do Grupo Cultural mostra que o negro tem capacidade. O Grupo é fundamental para deixar viva a cultura afro. Os integrantes são acolhidos pela casa e instigados a se sentirem valorizados enquanto negro e negra ativos na sociedade, negros importantes. ( Entrevista com Wilmar Costa da Rosa)

A narrativa vem reafirmar a garra desta etnia que se ergueu diante de um contexto excludente. Foram realizadas observações do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi por ocasião da Expoijuí desde 2011, ao fazer comparativos entre o ano de 2011 e 2012, foi possível perceber que aconteceram mudanças de um ano para outro. Em 2011 as danças se voltavam quase que exclusivamente para o Axé, poucas músicas faziam referência a Zumbi. Já em 2012 ocorreu mudanças que dizem respeito às vestimentas, à música que agora faz referência a Zumbi dos Palmares, o que acarretou mudanças na própria dança. Se esclarece que neste ano a ideologia da etnia afro se mostra numa busca à cultura de seus ancestrais. Não que antes não tivesse tal princípio. O fato é que agora, em 2012 parece haver um resgate mais intenso. T.C.S esclarece que:

Nós mudamos porque a gente queria muito homenagear Zumbi, porque se a gente só dança Axé a gente acaba esquecendo e perdendo a história, porque tem toda uma história por trás, e por isso a gente se voltou pra música de raiz, pra resgatar a cultura afro-brasileira e pra mostrar quem foi Zumbi. É música mais instrumental, é batucada e passa uma energia, ao som do batuque e do atabaque. Quando eu começo a dançar acho maravilhoso, a gente se entrega, a gente tenta fazer o melhor, e dá um orgulho, eu não me imagino ser de outra cultura, eu amo ser negra, tenho paixão. Quando alguém pergunta se eu sou morena eu digo que não sou morena, eu sou negra. Às vezes perguntam para uma negra e ela diz que é morena, eu acho errado, tem que dizer que é negra, tem que ter orgulho do que ela é, do lugar

que ela veio. E do que os nossos antepassados passaram pra gente poder estar aqui hoje felizes e livres. (Entrevista com T.C.S)

É preciso enfatizar nas palavras acima expostas, “quando alguém pergunta se eu sou morena eu digo que não sou morena, eu sou negra. Às vezes perguntam para uma negra e ela diz que é morena, eu acho errado, tem que dizer que é negra, tem que ter orgulho do que ela é, do lugar que ela veio”. A fala que se segue também vem ao encontro do que já foi relatado anteriormente e merece vir novamente à tona “se não fosse integrante do Grupo eu iria ser uma pessoa pobre em relação a cultura afro. Não iria entender, não iria saber de onde eu vim, eu não ia ter este orgulho que eu tenho hoje em ser negra. Tudo que eu sei a respeito da cultura eu aprendi no Grupo”. Vale fazer esse resgate para afirmar a hipótese lançada no início dessa pesquisa, de que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi ajuda os seus integrantes a se sentir sujeitos, a ter orgulho da sua cultura e se reconhecer nessa cultura. Dessa maneira o Grupo vai construindo uma consciência crítica. Acredita-se que se apresenta aqui o sentimento de ser mais, de ter orgulho da cultura o que ganha dimensão a partir das ações que fortalecem o Grupo, como a dança e a música.

Durante o ano temos ensaio direto, no início do ano de quinze em quinze dias e depois todo o final de semana pelo fato de que entra gente nova, ai a gente passa as músicas. Tem anos que sai três jantas e outros que sai duas, depende o rendimento do Grupo, o dinheiro a gente usa pra comprar coisas que faltam para a casa, o que a gente ganha nas apresentações fica uma porcentagem pra UETI e o resto fica para o Grupo. (Entrevista com T.C.S)

As músicas escolhidas para a dança são típicas africanas, buscam mostrar a cultura africana dos seus ancestrais o que se reflete também nas roupas confeccionadas de palha e outros adereços que reportam à África. A dança ganhou novos passos para além do Axé e parece ser nesse enlace que a cultura negra se fortalece ao mesmo tempo em que fortalece a identidade dos integrantes do Grupo que tem conhecimento da história. No que aponta T.C.S:

A música desse ano é inspirada em uma tribo chamada Zulu de uma parte da África, na tribo Zulu o que mais valorizam, respeitam e cuidam são as crianças e os idosos, na coreografia tem um casal de crianças que são protegidas o tempo todo pelos guerreiros que ficam cuidando dos escudos. Tem a parte das cabaças que são 4 integrantes que dançam, tem uma parte que é feita a defumação do local onde as crianças estão, pelo fato de proteção, é um símbolo de proteção. Depois as crianças brincam e fazem cambalhotas neste lugar. Em seguida todos dançam no terreiro, é muita festa, todos tem que mostrar que estão felizes por estar protegendo as crianças. Isso porque muitas vezes vinham os estrangeiros e tentavam abusar ou raptar as crianças. Quando os africanos faziam noite de quilombos, de dança

era tudo festa mas simbolizava algo, os preto velhos ficavam sentados e a tribo se divertia para eles que eram os chefes, para tudo tem uma história. A coreógrafa é professora da cultura afro e trabalha no Centro de Cultura em outra cidade por isso a dança não é aleatória, sempre resgata uma história e com isso todos nós vamos aprendendo. (Entrevista com T.C.S)

A realização das observações e entrevistas foi também clareando a ideia de que o Grupo Herdeiros de Zumbi de Ijuí é um espaço educador, de interação entre seus integrantes, de união pela busca em mostrar a cultura, a beleza e a importância do negro (a), e por isso interfere positivamente na construção das identidades. No Grupo nenhum afrodescendente descende de escravos, pois descendem sim, de pessoas que foram escravizadas e subjugadas segundo valores do colonizador e nesse sentido o Grupo Cultural tenta mostrar não somente aos participantes, mas também aos pais destes o quanto é importante resgatar e mostrar a cultura afro. É possível levantar a hipótese de que a tentativa de mostrar que o negro foi guerreiro, que lutou para defender a sua tribo faz com se visualize o outro lado da história, não a história do escravo, mas aquela que exalta a coragem do povo negro. No que menciona T.C.S:

O presidente do Grupo faz reuniões duas vezes por ano, geralmente no início do ano quando tem integrante novo. Ele senta com os integrantes e com os pais pra explicar como funciona, explica a importância da cultura que os filhos irão representar, não só aqui, mas onde o Grupo for fazer uma apresentação. Eu me sinto muito honrada de participar, eu acho muito importante, acho maravilhoso a importância de representar a cultura afro. Tem lugares que a gente vai que ninguém havia visto um grupo afro dançar. E eles ficam maravilhados pelo gingado, a dança contagiante, a força. A gente tem vida pessoal, às vezes com dificuldades, mas a gente tenta sempre mostrar felicidade. Apesar de todo sofrimento do povo afro brasileiro e o povo, africano na época da escravidão, eram um povo feliz e guerreiro. A gente não pode deixar essa cultura morrer. Tem gente que paga pra gente dançar. Mas isso é indiferente, porque a gente gosta do que faz. A gente tem um sentimento de orgulho de passar a cultura afro-brasileira. O Grupo de crianças foi organizado pelo fato de entendermos que depende deles o futuro do Grupo, eles tem que ter amor e entender o que eles estão fazendo, não podem fazer por fazer. (Entrevista com T.C.S)

“A gente gosta do que faz, a gente tem um sentimento de orgulho de passar a cultura afro-brasileira” (T.C.S). Retoma-se a frase para enfatizar a palavra orgulho, esta foi repetida inúmeras vezes no decorrer das entrevistas. Vale resgatar o já mencionado anteriormente, quando se encontrou em Freire (1974) uma definição para ser mais, quando isso significa se libertar de qualquer tipo de opressão. É com base em Freire que buscamos refletir sobre a palavra orgulho para questionar se essa não poderia estar relacionada com o sentimento de ser

No início eu vi muita coisa de preconceito contra o negro, agora mudou, porque a gente se impõe, a gente procura fazer o melhor a gente conquistou o nosso lugar e temos orgulho da nossa cor, da nossa cultura e isso ninguém tira, ainda mais com esse título que a gente conquistou de melhor Grupo Afro do Rio Grande do Sul, isso ficou para a história, isso é nosso, e a gente vai batalhar e a gente vai fazer sempre o nosso melhor. (Entrevista com T.C.S)

É possível perceber confiança na fala de T.C.S e por isso vale ressaltar alguns fatores que podem estar relacionados a este sentimento. Os integrantes do Grupo participam de diversas tarefas durante o ano que vão desde jantas, ensaios, apresentações e também concursos, sendo importante trazer como exemplo a participação no evento “Encontro da Cultura afro-brasileira” em Santa Cruz do Sul. Nas palavras de T.C.S:

Teve um evento em Santa Cruz do Sul, dia 10 de outubro de 2012, se não me engano este ano foi o 29º encontro da Cultura afro-brasileira. Neste encontro é escolhido o mais belo negro e a mais bela negra do Rio Grande do Sul, à tarde tem apresentação dos grupos de dança. É um evento regional, por isso tem grupos de todo o RS. Cada grupo de dança apresenta sua música em 2 minutos, conforme o regulamento. À noite tem a escolha da mais bela negra e do mais belo negro. Eu representei o grupo em 2005, eu fiquei em quarto lugar como a simpatia negra do RS, eu trouxe o título, este ano eu não consegui fiquei em quinto lugar. São três as etapas, uma delas é uma entrevista sobre a cultura afro, a cidade, um autor ou descendente que admira. Eu gosto muito de Zumbi que foi o líder dos Palmares, eu gosto muito da Margarete Menezes e da Daniela Mercury que não ficam só aqui no país mas levam a cultura pra outros países, do atabaque, do tambor é bem cultura do negro mesmo. Eu adoro o som do atabaque. Mas o que nos deixou muito mais felizes foi o fato de termos conquistado o título de melhor Grupo Afro do RS, ficamos muito felizes. (Entrevista com T.C.S)

Esses relatos permitem-nos acrescentar que as atividades desenvolvidas no Grupo durante o ano são fomentadoras no sentido de entender a importância deste Grupo para os seus integrantes. É um Grupo em movimento, pois está presente e parece ganhar visibilidade ao passo que tem participação dentro e fora do contexto da Fenadi, dando visibilidade àqueles sujeitos também de origem afro-brasileira e que não fazem parte do Grupo.

Nesse viés pretende-se argumentar que o Grupo Afro de Ijuí também é um espaço constituidor e educador capaz de instigar o sentimento de aceitação, reconhecimento e orgulho nos seus integrantes. É importante considerar o que já foi esclarecido sobre este ser ativo não somente durante a feira de exposições, mas também durante todo o ano de maneira a envolver os componentes, seja com palestras, com a dança ou com a música que vem homenagear Zumbi dos Palmares como enfatizou T.C.S uma das participantes do Grupo.

Figura 3:Grupo de dança Charme da Liberdade

Fonte: Cláudia G. F. da Silva.

Roupa e dança de origem da tribo Zulu, simboliza o momento em que os guerreiros estão protegendo as crianças. Expoijuí 2012

Figura 4: Grupo de dança Charme da Liberdade

Fonte: Cláudia G. F. da Silva.