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O lugar ocupado pelo Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi no parque temático Expoijuí/Fenadi

1. ENCONTRO COM A HISTÓRIA DO (GRUPO) AFRO-BRASILEIRO EM IJUÍ

1.2 O lugar ocupado pelo Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi no parque temático Expoijuí/Fenadi

um lugar de subalternização. Isso se esclarece nos relatos que vem sendo apontados desde a introdução. Logo, se entende o porquê desse contexto parecer ultrapassar o Evento Expoijuí. Pode-se pensar que ainda prevalece um olhar de desprezo para o negro (a) o que se explicita no cotidiano desta cidade composta por tamanha diversidade cultural e também com tamanha desigualdade ao se tratar das diferenças.

1.2 O lugar ocupado pelo Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi no parque temático Expoijuí/Fenadi

“Pior a dor física de ser marcado a ferro e fogo quente é a dor de ser despersonalizado e obrigado a negar a sua própria raça, cor, cultura, tradição e modo de vida.” (José Carlos Corrêa)

A construção deste sub-capítulo tem como maior interesse mostrar que apesar de tantas contrariedades e fatores negativos o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi vem buscando dar visibilidade a sua cultura. É relevante resgatar em partes o contexto histórico que mostra exatamente o lugar que foi ocupado pela etnia negra nesta cidade, dentro e fora do espaço da Fenadi.

Como já vem sendo mencionado, não foi tão fácil para a etnia negra se consolidar no parque temático da Expoijuí. São muitos os fatores que interferiram que vão desde a falta de verbas, até a falta de pessoas negras dispostas a fazerem parte do Grupo Herdeiros de Zumbi. Embora já mencionado anteriormente, vale resgatar aqui o fato de Ijuí ser reconhecida como uma cidade de colonização alemã, não pelo número de colonizadores em questão, mas destes ganharem visibilidade devido à hegemonia da língua e também ocuparem os cargos que significam poder no Município.

Assim este sub-capítulo pretende mostrar que nada foi tão simples. Existiram barreiras, tanto no que diz respeito à inserção do negro nesta cidade, quanto a inserção da etnia negra no contexto do parque temático da Expoijuí por meio da Fenadi.

É válido relembrar o lugar onde se encontra a casa típica afro-brasileira no parque de exposições da Expoijuí, ainda mais considerando que este espaço lhe foi destinado no início da Fenadi, quando o parque era bem menos ocupado geograficamente o que nos permite mencionar que talvez este lugar demonstre o preconceito explícito contra os negros (as) desta cidade. A casa afro-brasileira foi uma das últimas a ser constituída e a ela foi reservado um espaço, até então, periférico na geografia do “parque temático”.

Tal fato revela as relações de poder existentes, podendo ainda evidenciar o porquê da etnia afro-brasileira de Ijuí ser uma das últimas no espaço da então conhecida Feira das Culturas Diversificadas, o que parece contraditório, devido à confirmação da existência de negros ainda antes da colonização em Ijuí. O professor Jorge Mello, descendente afro, realizou estudos, entrevistou muita gente e enfatiza em um de seus artigos que:

Não eram proprietários. Eram posseiros, e moravam em ranchos de pau-a- pique cercados de madeira e taquara, rebocados de barro e coberto de capim. Os negros com grupos de índios constituíram-se no primeiro marco histórico da presença humana desta região. (MELLO, 1997, p. 32)

Nesse contexto não há como não interrogar sobre o porquê da casa afro não ter um lugar com maior visibilidade, considerando que foi uma das primeiras etnias a chegar nesta cidade. Isso sem mencionar o fato dos índios serem esquecidos enquanto sujeitos numa cidade que deseja fomentar ao conhecimento das culturas diversificadas.

Muito antes da medição das terras em Ijuí, negros e mulatos já habitavam a região. Moravam, via de regra, como posseiros e vieram para Ijuí no período pré e pós-abolição da escravatura, provindos das regiões missioneira e serrana. Após 1930, com a instalação do Frigorífico Serrano, outros negros vieram para Ijuí em busca de emprego na indústria. Infelizmente continua presente o preconceito racial que condena os negros a uma vida isolada, que buscam se superar pelo recurso ao ensino médio e superior. (Web Site: www.casaafro.rg3.net. Acessado em 05 de julho de 2012)

Importa ressaltar que há estudos que comprovam que os negros, os mulatos, índios, caboclos, já se encontravam em Ijuí antes dos colonizadores europeus, que acabaram por se tornar referencia por serem considerados os desbravadores destas terras.

Da mesma maneira Sonza e Lechat (1997) descrevem Ijuí como sendo um município de colonização européia. Estes argumentam também que os caboclos6 já viviam nestas terras muito antes da colonização, e se ocupavam da extração da erva mate nativa.

Ijuí era uma região de mata ocupada por caboclos que viviam da extração da erva mate nativa. As antigas regiões escravistas, ocupadas a mais de duzentos anos por espanhóis e portugueses, situavam-se à margem do futuro município de Ijuí, como Cruz Alta ao sudeste e Santo Ângelo ao oeste. Mas como nesta região a mata subtropical estremeia-se com campos, os contatos entre as duas regiões eram constantes, permitindo que elementos negros já estivessem presentes antes dos colonizadores e continuassem chegando depois de sua instalação. (SONZA e LECHAT, 1997, p. 37)

Partindo desse pressuposto, por um lado o evento Fenadi pretendeu unir as etnias, mas, de outro lado parece distanciá-las, considerando que algumas casas típicas ganharam maior visibilidade que as outras. E é assim também que podemos perceber as diferenças étnicas fora do contexto da Expoijuí. Para tanto, é importante trazer à tona a questão de que ainda existem barreiras preconceituosas em relação à aceitação do outro julgado diferente. Voltando a atenção para a questão do Grupo afro. Segundo o presidente:

De início eu era contra as casas típicas no parque, porque acreditava que isso iria significar uma separação, divisão de culturas. Porém estudei e entendi que as casas poderiam resgatar a cultura de seu povo. Inclusive a etnia afro- brasileira poderia ter muito a ganhar, pois iria contar a história do afro- descendente, que muito fez para a construção desta cidade e que mesmo assim era marginalizado, rotulado por alguns. (Entrevista com Wilmar Costa da Rosa)

Nessa fala parece estar implícita a questão de que o povo Ijuiense não reconhece, ou até mesmo desconhece a contribuição do negro na evolução desta cidade. Fica claro também o preconceito existente com relação à cor da pele. É coerente afirmar que a fala do presidente do Grupo Cultural acaba por fazer um resgate daquilo que já vem sendo discutido. Retoma o fato de que os afrodescendentes residentes nesta cidade sofreram com a discriminação, considerando que se tornaram invisíveis diante da homogeneidade das etnias germânicas tão difundidas no município.

É preciso relembrar também que estas etnias se tornaram visíveis e homogêneas devido ao forte jogo de poder existente no social. Com isso vale lembrar o que Bhabha (1998) diz sobre o colonizado e o colonizador.

O objetivo do discurso colonial é apresentar o colonizado como uma população de tipos degenerados com base na origem racial de modo a justificar a conquista e estabelecer sistemas de administração e instrução. Apesar do jogo de poder no interior do discurso colonial e das posicionalidades deslizantes de seu sujeito (por exemplo, efeitos de classe, gênero, ideologia, sistema diversos de colonização, e assim por diante), estou me referindo a uma forma de governamentalidade que, ao delimitar uma “nação sujeita”, a própria, dirige e domina suas várias esferas de atividades. (BHABHA, 1998, p.111)

A partir do que o autor descreve como sendo o objetivo do discurso colonial, instiga a fazer referência à forma como aconteceu a colonização em Ijuí, ainda mais no que diz respeito ao lugar destinado ao afro-brasileiro. Isso chama a atenção para a reflexão sobre o lugar do colonizado e colonizador no Rio Grande do Sul, e também em Ijuí, pois é notório que o negro ocupa o lugar do colonizado como em toda a sociedade brasileira. Assim, o discurso colonial se fez e faz presente no cotidiano, e parece ganhar forças diante de fatores como o preconceito. E desta maneira o colonizador continua dominando através das relações de poder.

Nesse contexto, vem à tona a questão histórica da tentativa de inferiorização do povo negro no Rio grande do Sul. Há estudos e pesquisas que comprovam que houve descaso sobre a contribuição deste povo no crescimento do estado. “Historiadores e ideólogos dos grandes proprietários rurais procuraram minimizar a presença dos africanos na formação social do Rio Grande do Sul.” (ZARTH, 1997, p.19)

Porém, existem evidencias que comprovam que os negros muito fizeram para o crescimento do município de Ijuí. Vale relembrar que com a chegada do Frigorífico Serrano após 1930, muitos negros seduzidos pela possibilidade de venda da sua mão de obra se instalaram nesta cidade. Segue o relato do presidente do Grupo:

Em Ijuí haviam muitos negros que vieram como escravos, e outros que aqui chegaram para trabalhar no frigorífico Serrano. Havia o Pepito, neto de um escravo. Este foi uma figura muito importante na construção de Íjuí. Foi um dos primeiros negros a conquistarem um cargo político nesta cidade. Pepito foi vereador. (Entrevista com Wilmar Costa da Rosa)

A fala do atual presidente do Grupo vem ao encontro do que Mello (1997) descreve ao relatar que uma das famílias que conseguiram emprego no frigorífico foi a de Eugênio Laureano Neto, mais conhecido como Pepito. O autor apresenta um relato deste negro sobre a vida dos afro-brasileiros em Ijuí.

No relato, Pepito esclareceu que devido ao preconceito, os negros se privavam de ir à praça, que era frequentada por pessoas de origem alemã, polonesa, italiana, etc., e mencionou também que havia dificuldades em frequentar bailes e outros eventos sociais no município de Ijuí. Nesse sentido torna-se importante trazer o relato do presidente do Grupo, este expõe uma lembrança que mostra o preconceito contra o afrodescendente.

Em Ijuí sempre houve preconceito contra a cor da pele, eu lembro que um tenente negro foi barrado na entrada do Clube Ijuí. Para conseguir entrar no clube, ele precisou mostrar a carteira de tenente para mostrar quem era, porque na época o homem negro era visto como ladrão. Somente depois de ter provado que assumia um lugar considerado nobre teve sua entrada liberada. (Entrevista com Wilmar Costa da Rosa)

Diante do exposto confirma-se que o afrodescendente morador do município de Ijuí, passou a ser reconhecido apenas como classe de trabalhador, o que o distanciava de fazer parte da sociedade como sujeito, pois era visto apenas como objeto e mão de obra, com exceção da sua contribuição no esporte que lhe era concedido.

Com o transcorrer do tempo, no Frigorífico Serrano, em função do esporte, principalmente o futebol, formou-se uma sociedade, o Esporte Clube Serrano. Mais tarde passou a ser um clube recreativo para festas e bailes. Conforme palavras de Laureano Neto, tudo transcorria muito bem, até que em determinado momento foi eleita uma diretoria que introduziu na mesma elementos que não gostavam de mulatos e negros e começaram a impedir a participação destes nos eventos sociais. Para eles só era permitido a prática esportiva. (MELLO, 1997, p.35)

Tal fato só vem a resgatar a história de exclusão e subalternização do afro- descendente, o que comprova que Ijuí contribuiu na tentativa de inferiorizar a cultura negra. Isso se esclarece também a partir de uma notícia do jornal Correio Serrano citada pelo pesquisador Zarth:

Em 19 de novembro de 1933, mesmo ano em que circula o artigo fazendo apologia à diversidade étnica de Ijuí, o Correio serrano publica em primeira página uma matéria sobre a prisão de pais de santo (sacerdotes) que celebravam “o estranho ritual das macumbas e batuques”. O texto intitulado“ nos domínios da macumba”, é totalmente desrespeitoso em relação às práticas culturais e religiosas dos afrodescendentes em Ijuí. Em tom de deboche, o autor da matéria escreve que “Os pais de santos não lhes disseram que iriam acabar no xadrez”, pois “os búzios não disseram ao pai de santo que a polícia ia visitar o batuque. (ZARTH, 2010, p. 127)

Nesse sentido é válido mencionar que o município de Ijuí muito contribuiu para fazer com que a cultura do negro se tornasse invisível, pois como aponta Zarth (Idem) a cultura afro era tratada com deboche e desrespeito. Assim como já foi relatado anteriormente, desde a

colonização de Ijuí a população branca se sobrepôs sendo reconhecida devido ao jogo de poder.

Há que se enfatizar que este lugar de invisibilidade vem entrelaçado com a história de escravidão do negro no Rio Grande do Sul, pois há pouco conhecimento sobre a origem do movimento negro, e sobre a maneira destes pensar e entender a sociedade opressiva, no que diz respeito à questão do preconceito.

As razões para a história dos afro-brasileiros ser pouca conhecida se deve, ao fato dos negros não terem produzido suficiente material escrito a respeito de suas próprias vidas e, principalmente, ao descaso dos historiadores, sociólogos e escritores literários que, por muito tempo ignoraram preconceituosamente essa população. (ZARTH, 1997, p.9)

Esses acontecimentos só vem a expor o quanto a história da formação de Ijuí é marcada com fatos impregnados de preconceito contra o afrodescendente não somente moradores, mas sim, trabalhadores desta cidade. E é nesse contexto que se retoma a formação do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, que em meio a preconceitos e a toda essa desigualdade, consegue se manter no espaço da Fenadi e dar visibilidade a sua cultura por meio da dança, da música, dos pratos típicos, das apresentações e reuniões que acontecem no decorrer do ano, que também acabam por fomentar nos seus integrantes o desejo de mostrar que foram e são sujeitos ativos na construção do município de Ijuí.

Isso se comprova na afirmação de uma das integrantes da casa afro, L.L, dançarina com 24 anos, que fala sobre seu sentimento em relação a sua participação no Grupo. Esta diz saber da importância do afro para a construção desta cidade e menciona que é integrante do Grupo a dois anos, esclarecendo que houve mudanças positivas na sua vida por fazer parte deste Grupo étnico, do qual se diz descendente por parte de avô.

A minha vida mudou muito, pois antes de fazer parte do Grupo eu era uma pessoa muito tímida. Perdi a timidez, estou fazendo algo que eu gosto, e o mais importante, estou ajudando a resgatar a história do negro que foi tão importante na construção da nossa cidade e que continua sendo importante até hoje, ainda que muitas pessoas não reconheçam. (Entrevista com L.L) Vale salientar que a partir dessa fala se percebe a necessidade em mostrar a importância em fazer parte do Grupo, não só por perder a timidez, mas também, para ajudar a resgatar a história do negro que ajudou na construção de Ijuí. Esse depoimento pode significar que mesmo diante do preconceito, ser integrante do Grupo Cultural, é ter visibilidade enquanto sujeito que se reconhece na sua cor, além de dar visibilidade à cultura afro, assim como relembrar a contribuição do negro (a) na construção de Ijuí. Nesse sentido reconhecer

que a colaboração do trabalho do afrodescendente foi e é importante, poderia ser um passo para desmistificar o contexto histórico da construção desta cidade que mostra claramente a tentativa de subjugar a importância dos afro-brasileiros.

J.J, uma menina com 17 anos, também fala sobre a importância em fazer parte do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi. Esta ressalta que há dois anos faz parte do Grupo. Contou que sua família a apóia, sua tia faz parte do Grupo há oito anos e que seus avós foram aqueles que mais a incentivaram a fazer parte do Grupo. J.J assume-se como descendente de negros.

Escolhi ser integrante do Grupo afro por ser descendente de negro. Minha família me apóia. Minha tia faz parte do Grupo há oito anos, mas foram os meus avós que mais me incentivaram a fazer parte desta etnia. É importante fazer parte do grupo, porque gosto de dançar, e principalmente, representar o povo negro, que sofreu tanto. (Entrevista com J.J)

A partir dessas falas é possível afirmar que estes integrantes do Grupo, independente da idade tem o desejo de ressaltar o valor da etnia afrodescendente. É viável ressaltar que além de entrevistas, também foram feitas observações, e através dessas foi possível perceber que o os componentes do Grupo Herdeiros de Zumbi não somente fazem uma amostra cultural por ocasião da Fenadi, através da dança, da música, das vestimentas, da comida típica, mas também buscam dar visibilidade a sua cultura e desta forma a si mesmos. Essa busca pela visibilidade só esclarece que por muito tempo a etnia negra se encontrou invisível tanto em relação à história de Ijuí, quanto na visão que tinha se si própria.

Nesse sentido há possibilidades de inferir que a Fenadi contribui para que o afrodescendente se torne visível perante a sociedade, embora tenha características afins do comércio, esta foi também pensada com o propósito de interação cultural, o que poderia buscar no diálogo e na relação entre as diferenças a fraternidade entre os povos. Porém parece que a visitação entre uma casa cultural e outra só acontece durante o evento Fenadi. Isso implica em entender que há um longo caminho a ser conquistado, para se chegar a aceitação das diferenças.

No entanto, não há realidades implícitas, quando está explícita historicamente, pois é preciso considerar o contexto da escravidão que subjugou a capacidade do negro, a história tornou o negro (a) invisível, a não ser quando o trata como escravo ou descendente de escravos. E justamente por isso é necessário entender que o fato de a Fenadi ter proporcionado um espaço para a construção da casa afro “Herdeiros de Zumbi”, é um

pequeno, mas significativo passo para que o Grupo possa mostrar a cultura e se tornar visível mesmo em meio à desigualdade social e racial que ainda emerge nesta cidade.

Para tanto é viável chegar ao ponto de reconhecer que, mesmo a casa afro tendo ganhado um lugar com pouca visibilidade dentro do parque de exposições, esta se consolidou e criou raízes. Tais raízes estão presentes na dança, na participação assídua do Grupo em eventos culturais, nas comidas típicas, bem como nas falas dos integrantes.