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Construção político-intelectual do “assalto à pobreza”: teoria e resultados

estrutura e divisão interna de trabalho

3 Crescimento acelerado, diversificação de ações e ampliação do raio de influência – 196-

4.2. Construção político-intelectual do “assalto à pobreza”: teoria e resultados

Até o início dos anos setenta, o Departamento de Economia do Banco Mundial, responsável pela atividade de pesquisa, era “pequeno e subfinanciado”, com pouca ou nenhuma influência no âmbito operacional (Mason & Asher, 1973: 467). A nomeação de Hollis Chenery para o novo cargo de economista-chefe em maio de 1970 foi o início de uma mudança importante nessa área. Chenery havia trabalhado como economista na Europa durante o Plano Marshall, tinha sido funcionário da USAID e também professor de Economia nas universidades de Stanford e Harvard. Em 1972, tornou-se vice-presidente de Política de Desenvolvimento do Banco Mundial, à frente de um departamento de pesquisa agora bastante bem equipado e financiado. Além de estabelecer uma base sólida de dados e conceitos para a formulação mais abrangente de políticas e, assim, proporcionar apoio geral à expansão das operações financeiras, o departamento tinha como uma de suas principais tarefas coordenar esforços para encontrar os meios replicáveis necessários à operacionalização de projetos “sociais”.

Durante o primeiro qüinqüênio da gestão McNamara, o Banco oscilou entre diversos estandartes e instrumentos preferenciais para levar adiante a chamada “cruzada contra a pobreza” (Finnemore, 1997: 214-16). Primeiro, o Banco insistiu no planejamento familiar e no controle populacional. Com um viés agudamente neomalthusiano, McNamara desde cedo afirmou que o crescimento demográfico nos países do Terceiro Mundo condenaria a maior parte da população a perpetuar-se na miséria (McNamara, 1974 e 1974a). Com o apoio de parte da cúpula da ajuda externa norte-americana e da Fundação Ford, o enfoque demográfico parecia oferecer, tal como a Revolução Verde, uma solução simples, técnica e muito eficaz, com a qual se evitava ou se adiava a discussão sobre as causas estruturais da pobreza. Demorou pouco para que a ênfase no controle populacional minguasse frente às dificuldades — incluindo a relutância dos prestatários e a rivalidade com outras agências internacionais —

de traduzi-lo em iniciativas concretas e replicáveis em larga escala. O tema permaneceu na lista de projetos financiáveis do Banco Mundial, mas deixou de figurar no centro do discurso e da estratégia depois de 1970 e gradualmente perdeu espaço na carteira de empréstimos (Kapur et al., 1997: 235-36).

Outros temas despontaram na retórica de McNamara durante aquele qüinqüênio (Finnemore, 1997: 214-16). Nenhum dos quais, porém, desdobrou-se em projetos financiáveis ou operacionalizáveis em maior escala, nem deu origem a um enfoque coerente e funcional à estratégia do Banco Mundial. Foi assim com o “desemprego”, não por acaso surgido ao mesmo tempo em que iniciativas (a seguir comentadas) de certo destaque nessa direção começaram a ser feitas pela OIT. “Nutrição” foi outro tema cogitado, mencionado em 1971 como uma área atrativa ao “investimento produtivo” e, portanto, passível de financiamento pelo Banco Mundial (Kapur et al., 1997: 237-38). “Saúde” também figurou nas opções aventadas pelo staff, embora McNamara temesse que a replicação de serviços de saúde preventiva levasse ao aumento da taxa de natalidade e, por conseguinte, à explosão populacional (Kapur et al., 1997: 250). Na esteira do debate sobre urbanização acelerada, a questão habitacional também apareceu na agenda “social” da gestão McNamara. Em 1972, autorizaram-se os primeiros empréstimos para projetos urbanos de “terrenos e serviços” (sites

and services) no Senegal (Dakar e Thies) e na Nicarágua (Manágua) (Banco Mundial, 1972:

24). Logo depois, o enfoque preferencial passou a ser o da “urbanização de favelas” (slum

upgrading). Enquanto isso, projetos para fornecimento de água e esgoto consumiam, na

prática, a maior parte dos empréstimos etiquetados como urbanos (Kapur et al., 1997: 257). Na área educacional, os empréstimos tiveram expansão notável, passando de US$ 62 milhões em 1968-70 para US$ 194 milhões em 1971-73, e diversificaram seu campo de atuação com projetos para educação primária e alfabetização não-formal para adultos, sobretudo no meio rural. A justificativa oficial para os desembolsos em educação continuava a ser, irredutivelmente, a sua contribuição ao aumento da produtividade da economia, embora um componente político lhes desse motivação (Kapur et al., 1997: 258-59). Em suma, ao lado dos projetos agrícolas, diversos outros projetos em áreas distintas pareceram constituir, em algum momento, o carro-chefe do Banco Mundial no âmbito do “combate à pobreza”, sem se firmarem de fato como tal.

Ao mesmo tempo, o grosso da atividade política e financeira do Banco continuava orientado para questões macroeconômicas e para a promoção do “crescimento”. Cada vez mais, essa atuação se dava também pela via da “assistência técnica”, mediante formação e treinamento de quadros, aconselhamento e provisão de expertise, ligados ou não a projetos

específicos. Dava-se, também, por meio da “construção institucional”, organizada, fundamentalmente, sob quatro modalidades: a) criação de novas instituições nacionais, predominante até meados dos anos sessenta e cada vez menos usual; b) criação de novas unidades de projeto (enclaves) dentro de ministérios já existentes; c) reorganização de instituições; d) fortalecimento de instituições (administração e organização gerais, finanças e treinamento) (Ayres, 1983: 46-47). Em grande parte, a ênfase no “diálogo político” e na “assistência técnica” buscava potencializar os efeitos dos empréstimos, cuja importância financeira era, na média, quase insignificante diante da magnitude dos gastos governamentais com “desenvolvimento” e do crescimento acelerado dos fluxos de capital privado. Com efeito, McNamara logo descobriu que a atuação do Banco só poderia provocar impacto considerável no âmbito da formação de idéias e da assistência técnica. O financiamento, na prática, funcionava mais como um sinal, veículo ou alavanca para a remodelagem das políticas estatais, do que propriamente como a sua força-motriz (Kapur et al., 1997: 271).

A “luta contra a pobreza”, assim como a criação da AID, tinham raízes diretas nas injunções da guerra fria. Ambas foram enxertadas no Banco a partir do governo norte- americano, não sendo, portanto, resultantes de uma evolução institucional endógena. Mas havia uma diferença importante: a AID veio como uma mudança definitiva e peremptória, de uma só vez; o programa de McNamara não (Kapur et al., 1997: 222). Enunciada em 1968, a consiga da “luta contra a pobreza” careceu, durante o primeiro qüinqüênio da gestão McNamara, de dois elementos importantes: um enfoque que lhe desse suporte e racionalidade e um instrumento operacional que permitisse a sua replicação em larga escala. O Banco não tinha uma abordagem que conferisse coerência, para fora e para dentro, aos projetos que a instituição já vinha executando em agricultura, educação e desenvolvimento urbano. Também não tinha um instrumento preferencial que nucleasse a sua “cruzada contra a pobreza” e permitisse a aferição estatística dos seus resultados. Ou seja, não havia uma teoria nem um meio passível de replicação e avaliação “econômica” de resultados. Ambos surgiram somente no biênio 1973-74 com a definição da “pobreza rural absoluta” como alvo principal da intervenção do Banco, por meio dos novos projetos de “desenvolvimento rural integrado” (DRI), e com a publicação do livro coordenado por Hollis Chenery “Redistribuição com

crescimento”. Daí nasceu o enfoque “orientado à pobreza” (poverty-oriented approach) a

partir do qual o Banco firmou-se como patrocinador da bandeira da “luta contra a pobreza” no plano internacional. Cabe analisar esse processo mais detidamente, tendo em vista três ordens de fatores.

Em primeiro lugar, não é demais insistir que a construção de tal enfoque esteve diretamente ligada à macropolítica da guerra fria. Somados à derrocada dos EUA no Vietnã, outros acontecimentos ocorridos durante o qüinqüênio 1968-73 empurraram o governo estadunidense e seus aliados mais próximos à busca de novas estratégias de atuação, pressionando as organizações que integram a sua rede de poder externo, como o Banco Mundial, a fazerem o mesmo. A lista é longa: eleição, governo e derrubada de Allende no Chile, eleição de Indira Gandhi, guerra entre Índia e Paquistão e fundação de Bangladesh, nacionalização do petróleo e reforma agrária no Peru, entre outros (Kapur et al., 1997: 251- 52). Em todos os casos, políticas de cunho distributivo e redistributivo eram objeto de forte apelo popular, com freqüência embalado pelo nacionalismo. E o fiel da balança era, na leitura do stablishment norte-americano, o campesinato. Por essa razão, ganhar o apoio desse segmento, ou pelo menos desativar o seu protesto social, era prioritário (Goldman, 2005: 68- 69). As palavras de Samuel Huntington, em seu clássico da teoria da modernização publicado originalmente em 1968, resumiram bastante bem o tom das preocupações daquela época:

Para o sistema político, a oposição dentro da cidade pode ser perturbadora, mas não é letal. A oposição no interior é, porém, fatal. Quem controla o interior controla o país. (...) Se os camponeses aceitam e se identificam com o sistema existente, isso proporciona uma base estável ao sistema. Se os camponeses se opõem ativamente ao sistema, passam a ser os portadores da revolução (...). O camponês pode, assim, desempenhar um papel altamente conservador ou altamente revolucionário (Huntington, 1975: 302).

Em segundo lugar, a construção do enfoque “orientado à pobreza” seria inconcebível sem o adensamento da crítica ao “efeito derrame” que nunca veio por dentro do próprio paradigma dominante (Finnemore, 1997: 208-09). Era o que estava ocorrendo no final dos anos sessenta. As iniciativas que mais visivelmente mais impactaram o Banco Mundial nesse sentido vieram da OCDE e da OIT. Segundo Kapur et al. (1997: 227-28), naquele momento uma grande pesquisa sobre as políticas industriais e comerciais praticadas em países em desenvolvimento começou a tratar a “pobreza” como “desemprego”, segundo uma abordagem aparentemente asséptica do ponto de vista ideológico ancorada na teoria neoclássica. Patrocinada pela OCDE, a pesquisa identificou o baixo nível de criação de empregos como óbice principal à redução da pobreza e das desigualdades, o que, por sua vez, teria como causa o rol de políticas protecionistas. A solução proposta consistia na eliminação das “distorções de preço” mediante políticas liberalizantes, as quais, supostamente, provocariam o aumento da geração de empregos. Nada de medidas redistributivas e nenhuma palavra sobre questões politicamente sensíveis, como o exercício do poder político e a concentração de riqueza e

renda. Tal como colocada, a “questão do emprego” admitia soluções palatáveis, na medida em que, em tese, a criação de emprego aumentaria a produção e beneficiaria os segmentos “mais pobres”. Todos, portanto, ganhariam. O máximo da concessão consistia em admitir que um pouco do crescimento econômico poderia ser sacrificado em nome da geração de emprego. A pesquisa foi publicada em 1970.

Mas o enfoque emergente do “problema do emprego”, como ficou conhecido, foi mesmo plenamente desenvolvido, liderado e difundido pela OIT, em parceria com o Institute

for Development Studies da Universidade de Sussex. Seu marco constitutivo foi o lançamento

do Programa Mundial de Emprego em 1969, a partir do qual a OIT e o IDS conduziram sete estudos de caso (Colômbia, Sri Lanka, Quênia, Irã, Filipinas, Sudão e República Dominicana) durante o período de 1970 a 1975. Tendo à frente economistas de renome como Dudley Seers (então diretor do IDS) e H.W. Singer, os relatórios mostraram, entre outras coisas, que mesmo com taxas maiores ou menores de crescimento econômico, a desigualdade não estava diminuindo naqueles países, o que trazia para o primeiro plano a questão da “eqüidade” e da “distribuição”. O programa constituiu-se na influência externa mais visível sobre o Banco Mundial (Kapur et al., 1997: 251). À medida que os estudos de caso eram publicados, a tão pretendida liderança intelectual e moral do Banco no âmbito do desenvolvimento parecia, no mínimo, algo bastante contestável.

As críticas, de fato, avolumavam-se. Em 1970, por exemplo, durante a Sétima Conferência sobre Desenvolvimento de Cambridge, David Morse, diretor geral da OIT entre 1958 e 1970, denominou a perda de confiança no crescimento econômico nacional como meio suficiente para reduzir a pobreza como a “derrocada do PIB”, expressão que rapidamente fez fortuna (Bustelo, 1999: 144). A pesquisa de Albert Fishlow sobre crescimento e distribuição de renda no Brasil, publicada em 1972 — e contestada aberta e duramente pelo então ministro Delfim Netto —, também teve grande destaque (Kapur et al., 1997: 277). Por outro lado, em clave ambiental, surgiram críticas adicionais. Os relatórios do Clube de Roma The limits to

growth (1972) e Making at a turning point (1974), em particular, destacavam-se pelo tom

catastrofista.

No mesmo período, como mostraram Kapur et al. (1997: 228-29), sugiram diversas obras que questionavam as políticas de desenvolvimento em curso. Uma das mais badaladas foi a de Edgar Owens e Robert Shaw, Development reconsidered: bridging the gap between

government and the people, publicada em 1972, que criticava não apenas o modelo centrado

no investimento em capital intensivo em grandes cidades e grandes fazendas, mas também a ausência da “participação dos pobres”. Seguindo uma linha parecida, outros dois livros

influentes foram publicados no ano seguinte: o best-seller de Ernst Schumacher Small is

beautiful: economics as if people mattered e a obra de James Grant Growth from below: a people-oriented development strategy. O diferencial desses livros estava menos no seu

conteúdo e mais no fato de que seus autores eram envolvidos, direta ou indiretamente, com o topo da cadeia de comando da assistência internacional. Tais obras, por isso, falavam diretamente às hostes de políticos e policy-makers dedicados ao negócio do desenvolvimento a partir do seu próprio espaço institucional.

Em terceiro lugar, a construção do enfoque “orientado à pobreza” do Banco Mundial esteve diretamente ligada a mudanças na política norte-americana de ajuda externa. Naquele contexto, as críticas acadêmicas e de dentro do mainstream da assistência internacional engrossaram, direta e indiretamente, a pressão sobre o governo dos EUA, cuja implicação na guerra do Vietnã alcançava a cada dia níveis mais altos de desgaste político e ônus econômico. Assim, em 1973, o Congresso aprovou uma nova legislação (Foreign Assistance

Act, PL 93-189), mais conhecida como “Novas Direções”, que reorientou a ajuda externa

bilateral. Pautando-se pela idéia de atendimento direto às “necessidades humanas básicas”, a nova diretriz tinha como foco a redução da “pobreza extrema” mediante o apoio à “participação dos pobres” no desenvolvimento e ao incremento da produtividade de “pequenos agricultores” (Ayres, 1983: 9). A rigor, não se tratava de uma novidade, mas sim da retomada de iniciativas postas em prática pelo governo estadunidense desde os anos 1950 e 1960, como o Desenvolvimento de Comunidade e a Aliança para o Progresso, sob nova roupagem. Com efeito, a ajuda norte-americana bilateral no pós-guerra se caracterizava pela ênfase estratégica em atividades ligadas a pequena e média agricultura, autoconstrução habitacional, saúde primária, educação, infra-estrutura viária e eletrificação. Até então, a principal e, em termos financeiros, pequena exceção àquele padrão de assistência era mesmo o Banco Mundial, uma exceção corrigida em parte e tardiamente pela criação da AID (Kapur et al., 1997: 220)36. A nova legislação foi um dos resultados da participação crescente do Congresso em decisões relativas à assistência ao desenvolvimento, impulsionada pelo fim da quebra do consenso bipartidário sobre a política externa e pelo aumento de pedidos de fundos, especialmente para a AID, necessário para viabilizar a expansão do programa de empréstimos empreendida por McNamara. A nova legislação não foi bem-sucedida em deter a queda do

36 Para se ter uma idéia da desproporção financeira entre a assistência bilateral norte-americana e o Banco

Mundial, basta citar que, entre 1954 e 1961, apenas a Coréia do Sul recebeu a título de “doação” dos Estados Unidos mais de US$ 2,5 bilhões, uma soma superior a todos os empréstimos outorgados pelo Banco Mundial aos países independentes do Terceiro Mundo, incluídos Índia, Paquistão, México, Brasil e Nigéria. O país tinha menos de vinte milhões de habitantes. Taiwan — outra peça importante para os EUA no tabuleiro da guerra fria — recebeu, sob os mesmos termos, cerca de US$ 800 milhões (Toussaint, 2006: 61-62).

apoio público à ajuda externa, tanto que, nos anos seguintes, o Congresso não apenas atrasou a fazer as destinações de fundos, como também, de tempos em tempos, destinou menos do que as quantias solicitadas pelo Executivo e menos do que era prometido pelos EUA em negociações internacionais (Gwin, 1997: 219-20). Ainda sim, a legislação impôs diretrizes gerais ao Executivo quanto ao uso da distribuição dos dólares destinados para a assistência ao desenvolvimento autorizados pelo Congresso. De todo modo, as “Novas Direções” repercutiram diretamente na busca, pela gestão McNamara, de uma maior coerência entre a sua retórica “orientada à pobreza” e a qualidade da carteira de projetos do Banco Mundial voltados a esse fim.

Internamente, um passo decisivo para a construção do enfoque “orientado à pobreza” foi o abandono da discussão sobre “eqüidade” em prol da definição da “pobreza absoluta” como unidade de análise e critério operacional (Kapur et al., 1997: 239-40). Acompanhando os discursos de McNamara, percebe-se que esse movimento se consolidou no biênio 1972-73, culminando em 1974 com a publicação do livro coordenado por Chenery. O discurso anual de McNamara em 1972, cujo substrato político era despudoradamente explícito, pode ser tomado como um marco dessa guinada:

Quando os privilegiados são poucos e os desesperadamente pobres são muitos, e quando a brecha entre ambos os grupos se aprofunda em vez de diminuir, é apenas uma questão de tempo até que seja preciso escolher entre os custos políticos de uma reforma e os riscos políticos de uma rebelião. Por este motivo, a aplicação de políticas especificamente encaminhadas para reduzir a miséria dos 40 por cento mais pobres da população dos países em desenvolvimento é aconselhável não somente como questão de principio, mas também de prudência. A justiça social não é simplesmente uma obrigação moral, é também um imperativo político (...). Mostrar indiferença ante a frustração social equivale a fomentar seu crescimento (McNamara, 1972: 31).

A menção aos quarenta por cento mais pobres foi reiterada por McNamara em Nairóbi um ano depois, embalada pela advertência programática de que os governos dos países em desenvolvimento deveriam “pesar os riscos da reforma com os da revolução” (McNamara, 1973: 27). Dessa vez, porém, sua mensagem apareceu codificada numa estratificação da pobreza em duas categorias: relativa e absoluta. A novidade dava suporte operacional à identificação de “focos de pobreza” (absoluta) no meio rural, que deveriam, então, ser “atacados” mediante projetos de “desenvolvimento rural” voltados ao aumento da produtividade da terra — e não do trabalho — de “pequenos agricultores”, mediante a aplicação de técnicas de ponta e insumos industriais. Associados a um pacote de medidas de

apoio à atividade agrícola e guiados pelo princípio da recuperação de custos (cost-recovery), os projetos deveriam aumentar a produção dos pequenos agricultores até alcançarem a taxa anual de cinco por cento em 1985. Ou seja, propunha-se nada mais do que uma “pequena Revolução Verde” em parcelas do subsetor camponês, a fim de integrá-lo à atividade agrícola comercial (Feder, 1976: 793-94; George, 1978: 238-39). Adicionalmente, McNamara propôs a realização de programas de obras rurais de pequeno e médio porte (como sistemas de irrigação e drenagem, estradas vicinais, instalações de armazenamento e comercialização, escolas e centros comunitários, etc.) para gerar emprego temporário não-agrícola no campo a baixo custo para o contingente cada vez maior de trabalhadores rurais sem-terra. Propôs, também, a reorientação dos serviços públicos (saúde e educação primárias, energia elétrica e água potável) às zonas rurais. A combinação de tudo isso conformava, segundo McNamara, uma estratégia compacta de desenvolvimento rural. Estas eram as linhas gerais do programa “orientado à pobreza” lançado em 1973.

Os projetos tinham como pressuposto a aceitação das condições existentes em matéria de estrutura agrária. A concentração da propriedade da terra — fator elementar de determinação da pobreza e desigualdade social no meio rural — foi tomada como um dado ao qual os projetos deveriam se acomodar (Ayres, 1983: 104). Por isso, o itinerário proposto por McNamara constituía uma alternativa conservadora à reforma agrária, apesar das proclamações rápidas e evasivas a seu favor.

Publicado no ano seguinte, Redistribuição com crescimento não fez mais do que academizar o discurso proferido por McNamara em Nairóbi. Realizada em conjunto com o

Institute for Development Studies, a pesquisa coordenada por Chenery deu à gestão

McNamara um núcleo teórico que lhe permitiu vender com mais eficácia seu novo produto — o “desenvolvimento rural integrado” — no mercado internacional de idéias (Ayres, 1983: 19), instituindo a “pobreza absoluta” e os “grupos-alvos” como categorias operacionais legítimas para as políticas públicas.

O livro partia da distinção entre pobreza absoluta e relativa, deixando de lado a questão da desigualdade na distribuição de renda e da pobreza relativa e trazendo para o primeiro plano o aumento da renda e a redução da pobreza absoluta. A tese fundamental era de que a redução da pobreza absoluta não era incompatível com o crescimento da economia, i.e., que crescimento e eqüidade não necessariamente estavam em conflito. Como, então, aumentar a renda dos “pobres”? Chenery e seus colaboradores elencaram quatro estratégias distintas: a) a maximização do crescimento do PIB através do aumento das poupanças e de uma melhor alocação dos recursos, o que beneficiaria, acreditavam os autores, todos os

grupos da sociedade; b) a reorientação do investimento para os grupos-alvo em “pobreza absoluta” sob a forma de educação, acesso ao crédito, obras públicas, etc.; c) a redistribuição