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estrutura e divisão interna de trabalho

2 Do nascimento à consolidação – 1944-

2.2. Nascimento e primeiras definições estratégicas

A missão primordial do Banco consistiria em prover garantias e empréstimos para a reconstrução dos países-membros afetados pela guerra. O desenvolvimento figurava

14 A literatura sobre a atuação do FMI é vasta. Para uma visão mais geral, consulte-se, em especial, Payer (1974),

Block (1989), Lichtensztejn & Baer (1987), Helleiner (1994), Pauly (1997), Eichengreen (2000), Aglietta & Moatti (2002) e Peet et al. (2004). Sobre a atuação do FMI em países específicos, ver Kofas (1995, 1999 e 2002), Minsburg (2003) e Wade & Veneroso (1998). Sobre a atuação conjunta do FMI e do Banco Mundial, cf. Bond (2003) e Woods (2006).

lateralmente, malgrado o protesto de alguns poucos países periféricos (como México e Venezuela) para que constituísse o objetivo principal (Mason & Asher, 1973: 22-23) ou, pelo menos, para que figurasse no mesmo patamar, como defendeu a delegação mexicana (Kapur et al., 1997: 60).

De acordo com o convênio constitutivo do BIRD, não caberia a ele competir com os bancos comerciais privados, muito menos fortalecer o setor público e quaisquer formas mistas de economia, mas sim, fundamentalmente, financiar projetos para fins produtivos relacionados a obras públicas de fácil definição, supervisão e aferição de resultados que não fossem de interesse direto da banca privada15. Ademais, caberia ao Banco promover o investimento de capitais estrangeiros, por meio de garantias ou participação em empréstimos e outros investimentos realizados por particulares, desde que relacionados a planos específicos de reconstrução ou desenvolvimento16.

A ênfase no “capital produtivo” inscrita nos estatutos do Banco respondia a uma dupla injunção. Primeira, a própria dinâmica da acumulação capitalista, que naquele momento — e no quarto de século que se seguiu — tinha a esfera produtiva como centro e, ao mesmo tempo, a ponta mais avançada, articulada sob a forma da exportação de capitais (Magdoff, 1978; Hobsbawm, 1995). Segunda, o pensamento convencional da época, segundo o qual o crescimento econômico demandaria a eliminação de obstáculos e/ou a constituição de condições para o aumento da produtividade média, sob a forma de grandes inversões em capital físico (Peet et al., 2004: 147).

O Banco Mundial que emergiu do esforço de planejamento consagrou, em seus estatutos e nas suas políticas operacionais, as visões norte-americanas sobre como a economia mundial deveria ser organizada, como os recursos deveriam ser alocados e como decisões de investimento deveriam ser alcançadas (Gwin, 1997: 198). Isto incluía a decisão de que a instituição não emprestaria diretamente a empresas privadas. Incluía, também, a supervisão do Banco por representantes nacionais, o que passava pela escolha de um assento permanente na Diretoria Executiva do Banco e pela definição do papel dos diretores executivos.

As decisões sobre a localização do Banco e o papel dos diretores executivos provocaram efeitos duradouros sobre as suas operações, facilitando a interação cotidiana entre

15 Já em 1949, como assinalaram Stern e Ferreira (1997: 533), o Banco criticou um relatório da Comissão

Econômica e de Emprego da ONU por haver advogado a realização de projetos industriais pelo setor público. O Banco sugeriu que governos de países menos desenvolvidos tinham muito o que fazer no provimento de infra- estrutura, de modo que o financiamento da atividade produtiva (agricultura, indústria, comércio e serviços) deveria ficar a cargo do investimento privado, doméstico e estrangeiro.

16 Cláusula I e Cláusula III, Artigo 4º do estatuto de fundação do Banco Mundial (Nações Unidas, 1944: 71 e 76-

o Banco e o governo norte-americano (Gwin, 1997: 198-200). A Grã-Bretanha e muitos outros membros queriam que o Banco fosse localizado fora dos EUA para assegurar o seu distanciamento em relação à política norte-americana (Block, 1989: 116). Quando ficou claro que os EUA não aceitariam, eles propuseram instalá-lo em Nova Iorque, o coração financeiro, e não em Washington, o centro político do país. Mas o governo Roosevelt não abria mão de Washington. O objetivo era, nas palavras de Morgenthau, “trasladar o centro financeiro do mundo de Londres e Wall Street para o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, e criar uma nova mentalidade entre as nações a respeito das finanças internacionais”, por meio de instituições concebidas como “instrumentos de governos soberanos e não de interesses financeiros privados” (apud Gardner, 1994: 172).

Essa mesma perspectiva moldou a posição estadunidense sobre o papel dos diretores- executivos do Banco (Gwin, 1997: 198; Block, 1989: 116). No debate sobre as funções dos mesmos, a Grã-Bretanha (apoiada por vários países da Commonwealth e da Europa) procurou minimizar a influência dos governos nacionais. Ela argumentava que os diretores deveriam residir em seus países natais e visitar o Banco em intervalos regulares para tratar de assuntos de alta política, deixando os assuntos do dia-a-dia para a gerência e o staff, de perfil técnico e internacional. Em contraste, os EUA, que estavam subscrevendo a maior parte do capital do Banco, insistiam que os diretores servissem em tempo integral e exercessem mais iniciativa e controle sobre operações e política. A visão dos EUA prevaleceu.

Após a conferência, os delegados tiveram de explicar os acordos firmados em Bretton Woods aos seus governos para que os ratificassem. Pairavam dúvidas sérias sobre os estatutos das novas instituições gêmeas e, em muitos casos, nem os delegados nem os seus governos tinham consciência plena do que haviam acordado. Em sua maioria, os parlamentos tiveram participação escassa ou inexistente nas negociações e a ratificação não passou de mera formalidade (van Dormael, 1978: 274-86; Block, 1989: 85-86; Peet et al., 2004: 71-72). O parlamento britânico, por sua vez, só ratificou os acordos porque o país dependia desesperadamente do mega-empréstimo negociado com os EUA desde antes da conferência. De fato, a ratificação dos acordos de Bretton Woods figurava como condição para a aprovação do crédito no valor de US$ 3.750 bilhões, assinado, finalmente, em 6 de dezembro de 1945. Entre outras disposições, os EUA exigiram que a Grã-Bretanha eliminasse, em menos de um ano, todas as restrições à conversibilidade da libra para transações correntes (Gardner, 1994: 357; Block, 1989: 112-13).

A resultante global da conferência não deve, todavia, obscurecer o fato de que a política externa do novo hegemon, ela própria, foi modelada também a partir da correlação de

forças dentro da sociedade norte-americana. Quando Roosevelt enviou ao Congresso os acordos de Bretton Woods para a aprovação em janeiro de 1945, teve que promover uma campanha ampla para ganhar apoio às duas novas organizações, em resposta à oposição organizada por parte da banca privada, nucleada em Wall Street, e do Partido Republicano. Nas palavras de Gardner (1994: 246), “uma estranha aliança entre isolacionistas do Meio Oeste e banqueiros do Leste”. Em comum, tais forças repudiavam a aceitação de qualquer compromisso multilateral que implicasse cessão de parcelas da soberania ou restringisse a projeção global do poder político e econômico norte-americano (Sanahuja, 2001: 53). Além disso, repeliam a criação de organizações públicas internacionais fortes, capazes de regular os capitais privados e, de algum modo, com eles competir, associando-as imediatamente a Roosevelt, ao New Deal e ao keynesianismo (Toussaint, 2006: 31). Por essa razão, opunham- se ao projeto, enunciado por Morgenthau, de deslocar o centro financeiro do mundo para o Tesouro norte-americano.

O governo defendeu a participação norte-americana nas duas instituições como condição para assegurar a estabilidade da economia internacional no pós-guerra. Morgenthau disse ao Congresso que o plano de Bretton Woods era “o primeiro teste prático da nossa vontade de cooperar no trabalho de reconstrução mundial [e] um passo muito importante para a expansão ordenada do comércio exterior, do qual nossa agricultura e nossa indústria dependem” (apud Gwin, 1997: 200-01). White acrescentou que o plano era necessário à paz econômica mundial, à prosperidade econômica e à revitalização dos mercados para os bens norte-americanos. Ao cabo, a depuração das propostas originais de White antes mesmo da conferência, a natureza multilateral do Banco proposto e o seu papel de garantidor, mais do que de financiador, e a primazia incontestável dos EUA nas novas instituições, combinadas à ofensiva publicitária do governo de que a manutenção da paz dependia da ratificação dos acordos pelos EUA — exatamente no momento em que a guerra havia terminado —, garantiram a aprovação dos acordos de Bretton Woods pelo Congresso norte-americano em 1945 por maioria folgada: 345 votos contra 18 na Câmara e 61 contra 16 no Senado.

Após a assinatura de vinte e oito Estados-membros, o acordo constitutivo do Banco foi efetivado em dezembro de 1945 e a instituição iniciou suas operações em junho de 1946. Assim que abriu, o Banco começou a ser pressionado por governos europeus e alguns membros do Executivo norte-americano para que atuasse no socorro imediato às necessidades da Europa em matéria de divisas, matérias-primas e alimentos (Kapur et al., 1997: 75). Em parte, a pressão decorria de pronunciamentos feitos por membros do governo estadunidense, quando estava em jogo a aprovação, pelo Congresso, dos acordos de Bretton Woods e, depois,

do empréstimo à Grã-Bretanha. Quando a oposição questionou o empréstimo afirmando que os EUA poderiam enfrentar pedidos adicionais de assistência à reconstrução, o Executivo respondeu que aquele seria o último ato de ajuda financeira a uma nação estrangeira e que as instituições de Bretton Woods estavam aptas a disponibilizar cerca de US$ 15 bilhões para tal finalidade. A própria Assembléia Geral das Nações Unidas também foi encorajada a acreditar que assistência financeira abundante logo seria disponibilizada pelo Banco Mundial e pelo FMI (Gardner, 1994: 339-41). Por outro lado, pressões por empréstimos rápidos também vieram de representantes de países da periferia no BIRD e na ONU, as quais, decerto, tinham muito menos força política, mas não eram desconsideráveis. O diretor-executivo chileno no Banco, por exemplo, sustentou que empréstimos em larga escala à Europa ameaçavam a capacidade futura do Banco de fazer empréstimos para fins de desenvolvimento (Kapur et al., 1997: 75-76).