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A Lei de Comércio e Desenvolvimento Agrícola, mais conhecida como Public Law 480 ou simplesmente

estrutura e divisão interna de trabalho

26 A Lei de Comércio e Desenvolvimento Agrícola, mais conhecida como Public Law 480 ou simplesmente

“Alimentos para a Paz”, foi aprovada em 1954 com o objetivo de viabilizar a venda dos excedentes agrícolas dos EUA e desenvolver mercados comerciais para as exportações norte-americanas de cereais. A PL 480 autorizou a venda de excedentes agrícolas em troca de moedas locais, e não em dólar, o que permitiu aos países importadores usarem suas divisas para comprar bens de capital norte-americanos. Além disso, autorizou a doação de alimentos a governos estrangeiros, dando continuidade, de maneira mais sistemática, ao uso da ajuda alimentar como arma política. A lei permitiu também a troca de matérias-primas estratégicas à indústria norte- americana por alimentos. Como mostra farta literatura (George, 1978: 181-94; Lappé & Collins, 1982: 316-22; Burbach & Flynn, 1982: 67-78, entre outros), a PL 480 cumpriu um papel decisivo, direta ou indiretamente, na expansão e consolidação internacional da agroindústria estadunidense até o início dos anos setenta.

o SUNFED. Vinculada ao BIRD, a Associação regia-se pelo mesmo sistema desigual de distribuição de voto e passava ao largo dos mecanismos de tomada de decisão da ONU. Ademais, suas atividades seriam financiadas por contribuições periódicas de natureza voluntária e não-progressiva, oriundas das negociações e do jogo de interesses entre os países doadores (Sanahuja, 2001: 67). Já a triangulação proposta apresentada pelo senador Monroney permaneceu letra-morta, o mesmo ocorrendo com a proposta de reembolso dos créditos da AID em moeda local (Mason & Asher, 1973: 393).

Com a criação da AID, o governo norte-americano e seus aliados conseguiram o seu objetivo principal: enterrar de vez o SUNFED (Mason & Asher, 1973: 386; Kapur et al., 1997: 154-55). Em seu lugar, a ONU criou o modesto Fundo Especial das Nações Unidas, o qual, em 1965, fundiu-se com o Programa Ampliado de Assistência Técnica e deu lugar ao atual Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) (Sanahuja, 2001: 67).

Além disso, a criação da AID dotou os EUA e os países capitalistas mais industrializados de mais um instrumento de ajuda externa sob seu controle estrito, num período de avanço do processo de descolonização e de ampliação da guerra fria. Na apresentação da proposta da AID ao Congresso norte-americano, o Secretário do Tesouro Robert Anderson ressaltou que os países ricos mostravam, com aquela ação, o “compromisso” de ajudar a atender às necessidades de desenvolvimento dos países pobres e “melhorar a sua vida econômica mediante instituições livres” (apud Gwin, 1997: 206). Tal como recomendado pelo grupo de assessoramento liderado por Nelson Rockefeller uma década antes, os EUA assumiram uma cota substancial (42 por cento) da contribuição inicial da AID e mobilizaram o apoio de outros países. Ao mesmo tempo, a vinculação da AID ao BIRD foi importante para evitar a sua associação direta com a política externa norte-americana. Na prática, enquanto organização internacional, a AID nunca passou, nas palavras de Mason e Asher (1973: 380- 81), de uma “ficção elaborada”, uma vez que se trata, simplesmente, de “um fundo administrado pelo Banco Mundial”.

Ademais, a criação da AID forneceu, para os EUA, um meio adicional de compartilhamento da carga financeira da ajuda externa com os demais países desenvolvidos. Repetindo o que ocorrera com a CFI, a criação da AID recebeu apoio forte de um arco amplo de grupos nacionais, razão pela qual a legislação que autorizava a participação dos EUA passou no Congresso com margem folgada de votos. Nesse mesmo movimento, Washington também impulsionou junto à OECE a fundação, em 1960, do Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD). Trata-se de um clube de doadores que reúne os países mais ricos do mundo e é responsável por definir as regras da Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (AOD) e as

orientações mais gerais nesse âmbito. Sob firme controle dos EUA, o CAD trabalharia, nas décadas seguintes, em colaboração estreita com o FMI e o Banco Mundial, atrelando, em maior ou menor grau conforme o caso, a concessão da ajuda externa à adoção, pelos países receptores, das pautas de política econômica delineadas pelas instituições gêmeas de Bretton Woods (Sogge, 2002: 80).

Com o lançamento da AID, os EUA orientaram o Banco Mundial, na década seguinte, a expandir os empréstimos aos países pobres e a setores soft, a fomentar o aumento da produtividade agrícola em países da periferia por meio da difusão da Revolução Verde e a assumir a liderança no encaminhamento de questões politicamente estratégicas, como a liberalização comercial e industrial da Índia (Gwin, 1997: 207). Ao mesmo tempo, a criação da AID ajudou a aliviar a pressão sobre o BIRD para que emprestasse a países com baixa solvabilidade (Kapur et al., 1997: 170).

A criação da AID, assim, fez parte de uma virada efetiva da política estadunidense, operada no final dos anos 1950 e início da década seguinte, em cujo centro estava a decisão de aumentar os desembolsos da ajuda externa bilateral e os empréstimos multilaterais como meios para a promoção, na periferia, de uma economia “livre e aberta” (Gwin, 1997: 209).

Com a posse de John F. Kennedy em janeiro de 1961, a virada na política externa norte-americana ganhou mais consistência e ingredientes adicionais. O anúncio de que os anos sessenta seriam a “década do desenvolvimento” encarnou o chamamento agressivo e missionário de Kennedy em prol da “liderança americana” e da preservação de seu “modo de vida” (Kapur et al., 1997: 150). A URSS havia, então, desenvolvido armas nucleares, lançado o primeiro satélite na órbita terrestre (o Sputnik, em outubro de 1957) e estendia rapidamente a sua diplomacia à África, à Ásia e a Cuba, cuja revolução, de acordo com o anúncio de Fidel Castro também em 1961, assumiria dali em diante um “caráter socialista”27.

Para conter o que era visto como um movimento de ampliação da influência soviética, o governo Kennedy tomou medidas para fortalecer todas as áreas da assistência externa. No âmbito da ajuda ao desenvolvimento, o novo governo consolidou os programas existentes dentro da USAID, criou os Corpos de Paz28 e a Aliança para o Progresso e defendeu junto ao Congresso a necessidade imediata de transferir recursos financeiros consideráveis por meios bilaterais e multilaterais. Na visão da Casa Branca, a política externa não podia mais se

27 Não é demais recordar, porém, que “em março de 1960, muito antes de Fidel descobrir que Cuba ia ser

socialista e que ele próprio era comunista, embora muitíssimo à sua maneira, os EUA já haviam decidido tratá-lo como tal, e a CIA foi autorizada a providenciar sua derrubada” (Hobsbawm, 1995: 427).

28 Os Corpos de Paz foram criados por Kennedy em 1961 com o objetivo de arregimentar cidadãos norte-

americanos como voluntários em missões estrangeiras na cruzada contra a “ameaça comunista”. Funcionavam como braço de mobilização cívica da Aliança para o Progresso.

pautar, preferencialmente, pela dissuasão militar. Segundo o novo enfoque, era preciso modernizar os países da periferia, estimulando o crescimento econômico, a realização de reformas sociais e a constituição de regimes liberal-democráticos, a fim de impedir a gravitação soviética e evitar a emergência de regimes políticos que, mesmo não-alinhados à URSS, pudessem de algum modo descambar para uma posição hostil aos EUA (Gwin, 1997: 207-08; Dezalay & Garth, 2005: 101-10).

Um dos estrategistas mais conhecidos do stablishment estadunidense, Walt W. Rostow (1913-2003) — assessor principal de segurança nacional dos governos Kennedy (1961-63) e Johnson (1963-69) —, ilustrou com clareza as orientações da política externa dos EUA naquele período. Segundo ele, o objetivo não era apenas combater militarmente as guerrilhas existentes, mas sim impedir que elas surgissem, a fim de prevenir a repetição de crises — do ponto de vista norte-americano — como as que haviam ocorrido em Cuba, no Congo, no Laos e no Vietnã. De que maneira? Minimizando os efeitos disruptivos da modernização em curso na periferia, vistos como criadouros de oportunidades para a influência comunista na cidade e, sobretudo, no campo. Nas suas palavras:

Não é difícil perceber por que os comunistas vêem nas áreas subdesenvolvidas uma arena de oportunidades. O processo de modernização provoca modificações radicais não apenas na economia dessas nações, mas também em sua estrutura social e em sua vida política. Vivemos, literalmente, numa época revolucionária. Devemos esperar que na próxima década as agitações se repitam nessas áreas (Rostow, 1964: 36).

A estratégia norte-americana em curso, segundo Rostow, consistia na combinação de três dimensões. Primeira, a ampliação e o aprofundamento das relações econômicas entre os países “mais desenvolvidos” e os “menos desenvolvidos” para forjar um “moderno sistema de iniciativa privada” na periferia — dimensão que fazia parte dos consórcios promovidos pelo BIRD (Rostow, 1964: 41). Segunda, o impulso à modernização tecnológica da atividade agropecuária, considerada vital para o desenvolvimento socioeconômico do campo, a industrialização dos países periféricos e as exportações agrícolas (cereais, sobretudo) dos EUA (ibid: 157-64). Terceira, um trabalho amplo, intenso e sistemático de doutrinamento, inclusive mediante a manipulação do “orgulho nacional” (ibid: 132 e 150-51). De acordo com Rostow, as três dimensões integravam a ação da Aliança para o Progresso (1961-70), programa de ajuda externa lançado para impedir a “metástase” comunista que a revolução cubana poderia provocar no território latino-americano e caribenho. O uso desse instrumento foi justificado em termos inequívocos: “A ajuda externa não é, absolutamente, nosso único

instrumento nessa luta (...), mas cada dólar colocado (...) é útil e tem influência (...). Uma redução da ajuda externa simplesmente reduz o poder e a influência efetivos dos EUA no cenário mundial” (ibid: 204).

A interação entre a política externa dos EUA e a atuação do Banco, que já havia sido estreita durante os anos cinqüenta, tornou-se ainda mais intensa, em particular em duas regiões: no sul da Ásia, onde os EUA passaram a desembolsar grandes somas de ajuda financeira ao Paquistão e à Índia, e na América Latina, durante a Aliança para o Progresso29. Numa considerável extensão, a política norte-americana para a instituição era mediada por ações coordenadas dentro dos países entre o Banco Mundial e a USAID (Gwin, 1997: 218- 19).

29 Para fazer frente ao “perigo castrista”, o Banco Mundial autorizou diversos empréstimos “emergenciais” para

finalidades variadas no início dos anos sessenta a países da América Latina e do Caribe No dizer de um membro graduado do Banco, era conveniente, naquele momento, dar uma “mostra de simpatia” (show of sympathy) (Kapur et al., 1997: 163-64).

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Crescimento acelerado, diversificação de ações