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Endividamento acelerado, fugas para frente e início do ajustamento estrutural

estrutura e divisão interna de trabalho

3 Crescimento acelerado, diversificação de ações e ampliação do raio de influência – 196-

4.3. Endividamento acelerado, fugas para frente e início do ajustamento estrutural

McNamara foi indicado pelos EUA para um segundo mandato, que começou em 1974. Todavia, de acordo com Gwin (1997: 213), ele não era a primeira opção do presidente Nixon, devido à resistência do Tesouro. O apoio do governo norte-americano, segundo a autora, veio de maneira recalcitrante e tardia, em resposta à pressão do mainstream internacional da ajuda ao desenvolvimento e de Estados europeus, que chegaram a ameaçar com uma indicação própria ao cargo, caso McNamara não fosse mantido. De todo modo, o dado importante a reter é que a relação entre McNamara e o Tesouro continuou a sofrer tensões nos anos seguintes.

Quando as negociações para a quarta reposição da AID se iniciaram em 1973, a movimentação no Congresso norte-americano ganhou algum fôlego, tendo como pano de fundo o quadro macroeconômico doméstico de estagflação e a derrota no Vietnã. Contudo, naquele momento o foco da política norte-americana para a instituição era o BIRD, e não a AID, e quem estava à frente dela era o Executivo, e não o Congresso. Segundo Gwin (1997: 216), no começo do primeiro choque do petróleo (1973-74), McNamara tentou angariar parte

da renda dos países exportadores de petróleo propondo a criação de um “fundo para o desenvolvimento”, que seria financiado pela OPEP, operado pelo Banco e regido por votos distribuídos igualmente entre os patrocinadores, os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. O governo dos EUA, porém, não apoiou a iniciativa, que ruiu de modo fulminante. Ao mesmo tempo, como explicou Gowan (2003: 48), os EUA impuseram que o aumento das receitas em dólar dos países da OPEP, impossível de ser absorvido pelos seus próprios sistemas produtivos, seria reciclado pelos grandes bancos privados do Atlântico, liderados, na época, pelos norte-americanos. A proposta dos governos europeus e do Japão para que a reciclagem dos petrodólares ficasse a cargo do FMI foi rejeitada pelos EUA.

O Departamento de Estado apoiava o aumento continuado dos empréstimos do Banco Mundial, o que o colocava, nesse ponto, em contradição com o Tesouro. De acordo com Gwin (1997: 216), em setembro de 1975, p.ex., Henry Kissinger — então Secretário de Estado — propôs, numa sessão especial da Assembléia Geral da ONU, diversas medidas que resultariam na expansão da atividade financeira da CFI e do BIRD. Naquele momento, alguns países da periferia intensificavam as exigências por uma nova “ordem econômica internacional”. Como parte de um processo mais amplo de afirmação política que vinha desde meados dos anos sessenta, tais países exigiam uma distribuição mais equilibrada dos benefícios das relações econômicas e mais poder em fóruns e organizações internacionais. Em oposição a essa plataforma, os EUA insistiam na necessidade dos países periféricos equilibrarem os seus balanços de pagamentos e confiarem na assistência financeira concedida pelas gêmeas de Bretton Woods. Em particular, o Departamento de Estado estava preocupado com a possibilidade de que os países da periferia formassem cartéis em outras commodities estratégicas, além do petróleo, cujo preço quadruplicara. As propostas de Kissinger não vingaram, mas os empréstimos do Banco continuaram em aumentar, apesar da oposição do Tesouro norte-americano.

No ano seguinte, no encontro anual do Banco Mundial celebrado em Manila, McNamara bateu de frente com William Simon, Secretário do Tesouro do governo Ford (agosto de 1974 a janeiro de 1977). A campanha de McNamara pelo aumento do capital geral do BIRD (que demanda o aumento das subscrições dos Estados-membros) e do seu programa de empréstimos enfrentou a oposição de Simon, contrário ao ritmo de crescimento (tomada e oferta de crédito) do BIRD. Segundo Gwin (1997: 217), enquanto McNamara defendeu a necessidade de aumentar os empréstimos na esteira do aumento dos preços do petróleo, do declínio do crescimento global e do endividamento acelerado dos países da periferia, Simon insistiu no combate à inflação (doméstica e internacional) e na tese de que o aumento do

déficit forçaria tais países a desacelerarem o endividamento externo e a ajustarem as suas políticas econômicas segundo uma agenda liberalizante. O Secretário do Tesouro — sempre de acordo com Gwin — enfatizou a centralidade das políticas econômicas domésticas vis-à- vis a ajuda externa, o papel decisivo e insubstituível do setor privado na atividade econômica, a superioridade de um sistema “orientado ao mercado” diante de qualquer outro sistema alternativo e a necessidade de melhoramentos institucionais para que os mercados financeiros privados canalizassem as poupanças para atividades econômicas mais eficientes. Segundo a crítica do Secretário, o aumento dos empréstimos do Banco resultaria no endividamento de alguns países muito além da sua capacidade de pagamento, o que enfraqueceria o prestígio do Banco nos mercados de capital, razão pela qual tais empréstimos deveriam ser temporariamente congelados nos níveis correntes. O discurso do Secretário não impediu que a instituição continuasse a “mover o dinheiro” agressivamente, mas explicitou os desacordos dentro do governo norte-americano acerca do papel do Banco Mundial e prenunciou vários pontos que figurariam com destaque na política do governo Reagan para o Banco.

O Congresso, por sua vez, relutava cada vez mais em destinar fundos à AID, levando a atrasos na votação dos recursos solicitados pelo Executivo e no fracasso repetido dos EUA em entregarem as contribuições de reposição negociadas com os demais países doadores. Em 1974, na esteira do Watergate, do choque de preço do petróleo e da estagflação, o Congresso negou pela primeira vez a quantia solicitada pelo Executivo. A ação foi depois revertida graças ao lobby do governo, mas revelou a vulnerabilidade dos pedidos de financiamento à AID em relação às vicissitudes do Congresso (Gwin, 1997: 219). Nos anos seguintes, o Congresso não apenas atrasou a liberação dos fundos, como também algumas vezes destinou menos do que as quantias solicitadas pelo Executivo e menos do que havia sido acordo pelos negociadores norte-americanos com os demais doadores. Desse modo, os EUA, principal doador da AID, tornaram-se também o único doador a cair em atrasos recorrentes com o Banco (ibid: 219-20). Não poderia haver pior exemplo para os demais países da Parte I.

Com o início do governo Carter (janeiro de 1977 a janeiro de 1981), as relações da gestão McNamara com o Executivo norte-americano melhoraram sensivelmente. A nova administração anunciou o compromisso de expandir a assistência externa ao desenvolvimento, em particular a multilateral, eliminar os atrasos nos pagamentos aos BMDs e apoiar junto ao Congresso a aprovação do aumento geral do capital do Banco e do financiamento à quinta reposição da AID (Gwin, 1997: 224). Entretanto, o contencioso entre o Executivo e o Legislativo atravessou todo o período, ancorado na deterioração do quadro econômico doméstico e em questões externas, influenciando sobremaneira as provisões dos EUA para o

Banco Mundial. Na tentativa de contornar em algum grau a oposição ao Banco estabelecida no Congresso, o governo Carter passou a apelar à diplomacia dos países do G-7, expediente que acabou se rotinizando nos anos seguintes (ibid: 248).

Os negociadores do governo conseguiram convencer o Congresso a distribuir, em 1977, um pacote único de fundos para o último pagamento da quarta reposição e o primeiro da quinta, o que pôs os EUA de volta ao mesmo calendário de pagamento dos demais doadores. Isto, porém, fez com que a contribuição do país à AID ultrapassasse a marca inédita de um bilhão de dólares. Em troca da aprovação, segundo Gwin (1997: 225), o governo teve de ceder ao Congresso e enfrentar a questão dos altos salários pagos pelo Banco Mundial, muito acima do patamar pago pelo serviço público nos EUA e atacada pelos críticos como uma das causas principais do orçamento operacional elevado da instituição, já superior a um bilhão de dólares por ano. O tema foi encaminhado em 1978 e se arrastou nos anos seguintes como um ponto de fricção crescente entre o Congresso e o Banco.

A questão da falta de transparência e de prestação de contas do Banco Mundial também foi um tema por meio do qual se travou a disputa política. O Congresso acusava o Executivo de usar o apoio financeiro aos BMDs como meio para driblar as restrições legislativas à ajuda bilateral e, em particular, criticava o Banco pela sua contumácia em negar, ao longo dos últimos anos, os pedidos de informação e transparência relativos às suas operações (Gwin, 1997: 220-21). O Congresso impôs medidas que ampliaram um pouco o acesso a esse tipo de informação no final dos anos setenta, mas isso não foi suficiente para amenizar as críticas.

Outro conflito importante entre o Congresso e o governo Carter envolvendo o Banco Mundial ocorreu por conta de um empréstimo da instituição para o Vietnã. O tema dos “direitos humanos” foi usado como arma pela oposição parlamentar, que reunia tanto liberais como conservadores que se opunham tradicionalmente à ajuda externa. Articulado à détente, o tema havia sido anunciado por Carter como o centro da sua política externa, em reação ao apoio dado a ditaduras aliadas no mundo inteiro pelos EUA desde a segunda metade dos anos sessenta. No entanto, o governo procurou limitar o tratamento do tema ao mero requerimento para que os representantes dos EUA propusessem, no interior do Banco, a preocupação com direitos humanos em países clientes. Contudo, a oposição conseguiu passar uma provisão que determinava ao diretor-executivo norte-americano no Banco votar contra qualquer empréstimo para países definidos pelos EUA como violadores de direitos humanos e, após diversas manobras parlamentares que poderiam implicar um rebaixamento dos fundos, o governo prometeu que os diretores norte-americanos votariam contra todos os empréstimos

dos BMDs destinados a países socialistas (Gwin, 1997: 225-26). O embate em torno da ajuda financeira ao Vietnã ocorreu no biênio 1978-79 e reduziu o apoio do Congresso ao Banco Mundial a um nível sem precedentes.

Por outro lado, ao mesmo tempo em que esse embate ocorria, McNamara empenhava- se em viabilizar a entrada da China no Banco Mundial, consumada finalmente em 1980. As indicações sobre o tema são esparsas e pouco significativas na literatura especializada, mas parece certo afirmar que a movimentação de McNamara contou com o respaldo efetivo da área diplomática dos EUA, por três razões: a) não há registro na literatura de que o diretor- executivo norte-americano tenha feito qualquer objeção formal ou informal nas instâncias superiores do Banco, como também não consta qualquer objeção por parte do Congresso; b) um dos eixos da détente consistia, precisamente, na normalização das relações entre EUA e China; c) a facção mais dura da área de política externa do governo Carter — encabeçada pelo conselheiro de Segurança Nacional, Zbignew Brzezinski —, que passou a dar as cartas no final do mandato, defendia o estreitamento das relações com a China como mais um recurso contra a URSS, prefigurando o que viria a ser a “segunda guerra fria” nos anos seguintes38.

Seja como for, em 1980, último ano da administração Carter, começou a negociação para a sexta reposição da AID e também para um aumento do capital geral do BIRD. O objetivo do governo era alavancar significativamente a capacidade de empréstimo do BIRD, em particular para os países de renda média importadores de petróleo. Como em 1977, o Executivo foi obrigado a fazer concessões ao Congresso. Mesmo assim, o mandato de Carter chegou ao fim sem conseguir aprovar o pacote de contribuição financeira aos BMDs, contra o qual se opunham encarniçadamente os republicanos. A campanha eleitoral já estava nas ruas e o Partido Republicano atacava os apoiadores democratas do Banco Mundial e do FMI por “ajudarem” o Vietnã. Por contraste, a plataforma republicana à presidência enfatizava fortemente a ajuda bilateral, em detrimento da multilateral (Gwin, 1997: 227). As divisões partidárias nas deliberações congressuais sobre a política norte-americana em relação ao Banco haviam se tornado publicamente agudas. Depois da derrota eleitoral, os democratas chegaram a um acordo com os recém eleitos republicanos sobre um nome aceitável, mas não forte, para suceder McNamara (ibid: 228).

Àquela altura, sob os efeitos do segundo choque do preço do petróleo e do aumento brusco da taxa de juro norte-americana, ambos em 1979, o Banco concentrava a sua atuação político-intelectual em um objetivo bem definido: firmar a proposta de “ajustamento

estrutural” como meio necessário para adaptar e enquadrar os países endividados às novas condições da economia internacional. No biênio 1980-81, o tema esteve no centro da movimentação do Banco, seguindo de perto a evolução do quadro político e econômico internacional e a mudança mais geral na correlação de forças entre capital e trabalho. Cabe recuperar as linhas centrais desse processo.

Em 1978 saiu o primeiro Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial (RDM), desde então a publicação anual mais importante do Banco. Centrado na idéia de “interdependência”, o relatório dava destaque ao processo de endividamento externo através do qual grande parte dos países da periferia vinha financiando seu crescimento econômico, limitando-se a recomendar mudanças no perfil das dívidas (prazos maiores de vencimento) e nas estruturas de crédito (acesso a mercados de títulos de longo prazo e maior equilíbrio entre o financiamento de fontes privadas e públicas) (Banco Mundial, 1978: 27). Por outro lado, embora ressaltasse a necessidade de políticas industrial e comercial ativas, o relatório distinguia duas estratégias de desenvolvimento: a “orientada para dentro” (inward-oriented), baseada na industrialização por substituição de importações, e a “orientada para fora” (outward-oriented), baseada na promoção das exportações. Enquanto a primeira era vista como sinônimo de fracasso, a segunda despontava como altamente promissora. Esse tipo de crítica já prefigurava uma virada político-intelectual de fundo na agenda do Banco, consubstanciada no ataque neoclássico às estratégias econômicas de estilo nacional- desenvolvimentista.

No RDM 1979, que veio a público em agosto, o Banco reproduziu a mesma mensagem fundamental do ano anterior, qual seja, a de que o endividamento externo da periferia era parte do processo de ajustamento global necessário para responder aos desequilíbrios crescentes nos balanços de pagamentos, em particular dos países importadores de petróleo.

Estava-se no início do segundo choque internacional do petróleo de 1979-80. Em janeiro de 1979, a revolução islâmica liderada pelo aiatolá Khomeini derrubara o regime monárquico do xá Reva Pahlevi, apoiado ostensivamente pelos EUA, e obrigara as companhias petrolíferas estrangeiras estabelecidas no país a aceitarem uma renegociação ampla dos contratos (Hobsbawm, 1995: 440-41). No ano seguinte, o Iraque, sob o comando de Saddam Hussein e com suporte político-militar dos EUA, atacou o novo regime xiita iraniano, iniciando uma guerra sangrenta que duraria oito anos. A produção de petróleo do Irã, então segundo maior exportador, ficou paralisada, elevando o preço do barril a um patamar sem precedentes.

Ao mesmo tempo, em outubro de 1979, o Federal Reserve, sob o comando de Paul Volcker, aumentou bruscamente a taxa de juro dos EUA, com o fim de conter a inflação doméstica e impulsionar a retomada da supremacia do dólar no sistema monetário internacional. Combinada à liberalização do fluxo de capitais, o “golpe de 1979” (Duménil & Lévy, 2007) forçou a sobrevalorização do dólar e redirecionou a liquidez internacional para os EUA, submetendo a política econômica de todos os demais países capitalistas, concorrentes e aliados, a um ajuste recessivo sincronizado com a política estadunidense. Em pouco tempo, a flutuação das taxas de juro e câmbio voltou a estar atrelada ao dólar e, por meio dela, o movimento da liquidez internacional foi subordinado à política fiscal norte-americana. Os títulos da dívida pública dos EUA se tornaram o ativo líquido por excelência da economia internacional, obrigando os detentores de excedentes financeiros a adquiri-los. Alemanha e Japão — os dois países que, depois dos Estados Unidos, tinham importância estratégica na ordem capitalista — tiveram as suas políticas econômicas enquadradas. Estava em marcha a “diplomacia do dólar forte” (Tavares, 1997).

Em maio de 1979, McNamara anunciou a criação de um novo instrumento financeiro, o empréstimo de ajustamento estrutural (Kapur et al., 1997: 1227). De desembolso rápido e orientado para políticas, e não para projetos, tinha o objetivo de financiar o déficit no balanço de pagamentos, sobretudo de países importadores de petróleo. A autorização desse tipo de empréstimo estava condicionada à realização, pelo prestatário, de um programa de estabilização acordado previamente com o FMI e de um pacote de reformas na política macroeconômica, ambos voltados para adequar a economia doméstica ao novo ambiente externo e manter o pagamento do serviço da dívida.

A confluência do segundo choque do petróleo e da reviravolta da política monetária norte-americana com a queda dos preços das matérias-primas aumentou sensivelmente o custo da dívida externa dos países da periferia que vinham financiando o seu crescimento econômico mediante poupança externa. Em setembro de 1980, no seu último discurso anual perante o Conselho de Governadores do Banco Mundial, McNamara (1980: 9-10) insistiu que as mudanças em curso na economia mundial eram “permanentes”, razão pela qual o ajustamento dos países endividados às novas condições deveria ser de “larga duração”. O financiamento externo, a seu ver, deveria ser utilizado, a partir de então, como instrumento de apoio ao ajuste, e não como seu substituto — ou seja, como financiador de novas fugas para frente. Nesse sentido, caberia ao Banco concentrar sua atuação mais no ambiente de políticas econômicas e menos em projetos.

O primeiro empréstimo de ajustamento estrutural, de US$ 200 milhões, foi aprovado pelo Banco em março de 1980 para a Turquia e representou, na visão do Banco, um “protótipo” para os seguintes (Kapur et al., 1997: 548). O Banco mantinha relações estreitas com políticos e altos quadros do Estado turco, em particular após o início da gestão McNamara, e viu no golpe militar de janeiro de 1980 a oportunidade para a execução de um programa duro de ajustamento (Toussaint, 2006: 103-04). O novo governo pôs em prática uma agenda afinada com as prescrições do Banco, orientada, entre outros objetivos, para a redução do déficit fiscal, a redução do investimento público, o aumento de incentivos às exportações e a gestão da dívida externa, segundo as prescrições do Banco Mundial. A Turquia já ocupava um lugar especial no tabuleiro geopolítico internacional pela sua localização estratégica. Diante da invasão soviética no Afeganistão e da revolução iraniana, tornou-se ainda mais importante para os EUA assegurar a estabilidade do país dentro do seu campo de influência, mediante o apoio ostensivo ao golpe e ao novo regime39. O Banco Mundial integrou-se a essa estratégia, fornecendo uma seqüência de empréstimos para ajustamento estrutural nos anos seguintes40. De uma tacada, pois, a ação do Banco serviu aos objetivos geopolíticos do hegemon e ao início do enquadramento dos países da periferia.

No ano seguinte, o ajustamento estrutural foi o tema principal do RDM 1981. O relatório identificou diversos fatores responsáveis estrangulamento dos países endividados, como a alta das taxas de juros reais, a queda da receita comercial dos países exportadores de commodities agrícolas, a recessão mundial, o aumento da proporção de empréstimos contratados a taxas de juros variáveis e o aumento do débito pendente com bancos comerciais (de 49,6 por cento em 1975 para 61,5 por cento em 1978). Apesar disso, o Banco afirmou que não havia um problema de endividamento generalizado e continuou a dar previsões otimistas — e erradas — sobre o fluxo de capital privado para a periferia nos anos seguintes41. A instituição voltou a encorajar o uso da poupança externa para que os países endividados se ajustassem interna e externamente às novas condições da economia mundial, descritas como “permanentes”.

39 Posteriormente, com o início do governo Reagan, a assistência militar à Turquia foi bastante incrementada. 40 De 1980 a 1984, o Banco autorizou 32 empréstimos de ajustamento estrutural que totalizaram US$ 4,390

bilhões, dos quais US$ 1,555 bilhão, nada menos que 35 por cento, foram para a Turquia (Mosley, 1991: 39).

41 Com acerto, Stern & Ferreira (1997: 541-42) notaram que o RDM 1981 previu que as transferências líquidas

agregadas para todos os países em desenvolvimento em 1985 estariam entre US$ 36,3 bilhões e US$ 54,3 bilhões, quando na verdade foram de US$ 700 milhões no sentido inverso. Para o ano de 1990, o mesmo relatório estimava transferências entre US$ 56,7 bilhões e US$ 96 bilhões, quando de fato foram de US$ 9.8 bilhões no sentido inverso em 1988.

Entre 1980 e 1981, pois, o Banco assumiu um papel de liderança político-intelectual ao introduzir, com sucesso, o tema do ajustamento estrutural no topo da agenda política internacional e no centro do debate econômico (Stern & Ferreira, 1997: 541).

O programa de ajustamento estrutural do Banco Mundial consistia, em linhas gerais, na mesma agenda monetarista aplicada pelo FMI desde os anos sessenta (Lichtensztejn & Baer 1987: 196-99; Brown, 1995: 68-69). As medidas de ajuste macroeconômico, em particular, tradicionalmente faziam parte das condições de recebimento de fundos do FMI.