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estrutura e divisão interna de trabalho

3 Crescimento acelerado, diversificação de ações e ampliação do raio de influência – 196-

4.1. Expansão: setores e regiões

McNamara estudou e lecionou na Harvard Business School, presidiu a Ford Motor Company e integrou o conselho consultivo da Fundação Ford. Indicado para o cargo de Secretário de Defesa dos EUA por Kennedy em 1961 e mantido por Johnson, ele foi o primeiro presidente do Banco Mundial não oriundo diretamente das hostes de Wall Street, embora tivesse trânsito junto à burguesia estadunidense. Se, antes da sua chegada, o Banco era “quase um apêndice do Tesouro dos EUA” (Ayres, 1983: 7), com ele a instituição se aproximou mais da área política do que da área econômica do Estado norte-americano.

Não por acaso, a marca mais forte de sua gestão era a conexão estreita e explícita entre segurança e desenvolvimento. Formulada ainda quando era Secretário de Defesa, tal relação remetia, de maneira direta, à irrupção de guerrilhas urbanas e, sobretudo, rurais, na periferia do capitalismo. Eis o cerne da questão, apresentada num livro publicado no mesmo ano em que assumiu a presidência do Banco:

Nestes últimos oito anos, até fins de 1966, houve nada menos que 164 conflitos violentos, internacionalmente importantes, especificamente planejados como sério desafio à autoridade ou à própria existência de governos existentes (...). Somente quinze desses 164 significativos recursos à violência foram conflitos militares entre dois Estados; e nenhum dos 164 conflitos foi uma guerra formalmente declarada (...). Não resta a menor dúvida de que existe relação direta entre a violência e o atraso econômico; e a tendência dos conflitos é no sentido de aumentarem (McNamara, 1968: 169-70).

A abordagem de McNamara tinha como premissa o reconhecimento do fracasso da via predominantemente militar seguida pelos EUA no Vietnã (Kapur et al., 1997: 220). A rigor, porém, tal abordagem já compunha o mix variável de enfoques regionais postos em prática pela política externa norte-americana desde o governo Truman. Uma de suas traduções operacionais era, por exemplo, a Aliança para o Progresso.

Tanto quanto a superioridade no campo militar, a segurança dos EUA dependia, agora, também da preservação da ordem política, o que implicava crescimento econômico, melhoria dos indicadores sociais básicos e redução da desigualdade socioeconômica. Segundo McNamara (1968: 143), “a pobreza e a injustiça social podem pôr em perigo a segurança do país tanto quanto qualquer ameaça militar”. A relação direta estabelecida entre pobreza e instabilidade era válida, para McNamara, para qualquer sociedade marcada por desigualdades profundas. Literalmente:

As convulsões internas em quase toda a metade sul de nosso planeta, nesta última década, têm estado ligadas diretamente às tensões explosivas engendradas pela pobreza (...). A pobreza no exterior conduz à intranqüilidade, a convulsões internas, a violências e à expansão do extremismo, e provoca o mesmo dentro de nossas fronteiras (McNamara, 1968: 150-51).

McNamara tinha em mente não apenas a situação sociopolítica dos países da periferia, mas também dos EUA. Seu livro relata, por exemplo, que, em 1966, um terço dos alistados para o serviço militar tinham sido rejeitados por “problemas de ordem física e, sobretudo, educacional”, e que, em algumas áreas, o “índice de rejeição de negros” havia passado de

oitenta por cento (McNamara, 1968: 149). Sua conclusão mais geral era taxativa: “a pobreza nos EUA é um câncer social (...). Em seis americanos, um se encontra colhido em suas malhas (...). Esses americanos — 32 milhões — vivem em todos os estados” (ibid: 150-51). Em resposta à degradação dos indicadores sociais e à escalada das lutas por direitos civis, emprego e melhores condições de vida em mais de cem cidades norte-americanas, os governos Kennedy e Johnson lançaram uma gama de programas sociais, entre os quais o “Grande Sociedade”, o “Guerra à Pobreza” e o apoio federal aos ensinos secundário e superior.

Quanto ao front externo, o então Secretário de Defesa norte-americano considerou, dentro do marco mais amplo de alargamento da distância entre nações ricas e pobres (ibid: 170), o “atraso” econômico de alguns países e regiões e o processo de modernização capitalista em outros como elementos geradores de tensões sociais suscetíveis à influência comunista. Segundo ele:

Dada a relação existente entre a estagnação econômica e a incidência da violência, os anos que aguardam as nações situadas na parte meridional do globo afiguram-se lúgubres. Isso seria verdadeiro mesmo que não existisse qualquer ameaça de subversão de ordem comunista, como, evidentemente, existe. Tanto Moscou como Pequim (...) consideram o processo de modernização um ambiente ideal para a expansão do comunismo (McNamara, 1968: 171).

A partir desse diagnóstico, McNamara sintetizou o que, no entender do Pentágono, consistiria na condição básica da manutenção da hegemonia norte-americana no mundo:

A segurança dos Estados Unidos deve continuar a apoiar-se numa observância da política de segurança coletiva e não recuar (...) para a fútil ilusão do isolacionismo (...). Permanece o fato incontestável de nossa segurança estar diretamente ligada à segurança desse novo mundo em desenvolvimento (...). Numa sociedade que está se modernizando, segurança significa desenvolvimento (...). Sem desenvolvimento interno, pelo menos em grau mínimo, ordem e estabilidade são impossíveis (McNamara, 1968: 12 e 173).

Os impactos da guerra do Vietnã sobre a política externa estadunidense influenciaram fortemente a gestão McNamara desde o seu início. À medida que crescia o dissenso doméstico em relação à política externa, a política de contenção que havia moldado as ações norte-americanas desde 1947 foi progressivamente abandonada no final dos anos sessenta e início da década seguinte. As convenções que orientavam a política externa foram abaladas de tal maneira que o consenso bipartidário sobre o qual ela se apoiava se esboroou (Gwin, 1997:

210). A mesma onda erodiu as bases de apoio da assistência externa ao desenvolvimento no âmbito doméstico e encerrou a aquiescência congressual sobre assuntos externos. O corolário disso foi a ingerência cada vez maior do Legislativo sobre decisões relativas à política externa bilateral e multilateral, o que incluía uma fiscalização mais detalhada acerca da participação dos EUA no Banco Mundial (ibid: 211).

A gestão McNamara operou nesse contexto e, em larga medida, o objetivo de consolidar o Banco como uma “agência de desenvolvimento” foi, em grande parte, uma resposta àquela situação. Os EUA apoiaram ativamente esse movimento. No final da década de sessenta e início da seguinte, cresceu a convicção em Washington de que era necessário aumentar a assistência multilateral frente à ajuda bilateral. Afinal, ainda que a assistência multilateral tivesse aumentado quatro vezes durante o governo Kennedy, ela totalizava menos de dez por cento do total da ajuda externa norte-americana no final da década de sessenta (Gwin, 1997: 212). Para Washington, os bancos multilaterais de desenvolvimento (BMDs) poderiam alavancar fundos para os países da periferia importantes do ponto de vista geopolítico, sem desgastar ainda mais o apoio doméstico à assistência internacional. Ademais, a roupagem multilateral permitiria aos EUA despolitizar a assistência externa e evitar tensões diretas com governos, como poderia ocorrer pela via bilateral. Outrossim, os BMDs poderiam ser úteis na coordenação da ajuda econômica internacional e, assim, minimizar sobreposições entre os países doadores. A ênfase na assistência multilateral também aliviaria os custos da política externa norte-americana, num contexto de declínio relativo da posição dos EUA na economia internacional, deterioração da situação macroeconômica do país — recorde-se que, em 1968, houve o primeiro déficit na balança comercial estadunidense em quase noventa anos —, aumento da pobreza, do desemprego e das desigualdades raciais (Gwin, 1997: 210). Por fim, a roupagem multilateral dos BMDs permitiria a Washington contornar as críticas internas à guerra do Vietnam e ao apoio dos EUA a golpes militares e regimes ditatoriais que se espalhavam por toda a periferia (Burbach & Flynn, 1982: 72-73). Assim, numa mensagem enviada ao Congresso em setembro de 1970, o governo Nixon propôs uma reorganização ampla do programa de ajuda bilateral e um reforço à ajuda multilateral (Gwin, 1997: 213).

Em seu primeiro discurso como presidente, McNamara fez um balanço socioeconômico dos anos sessenta — a “década do desenvolvimento”, segundo a ONU. A imagem final, a seu ver, era “nitidamente desapontadora” (McNamara, 1974a: 5). Por duas razões: primeira, a desigualdade de renda no plano internacional, ao contrário de diminuir, havia aumentado; segunda, apesar do aumento das taxas de crescimento econômico de grande parte dos países da periferia, a maior parte da população permanecia presa a uma “pobreza

imemoriável” (ibid: 4). Tudo isso implicava o reconhecimento de que o modelo econômico, então dominante, havia falhado; que o famigerado “efeito derrame” não tinha ocorrido. Com efeito, para McNamara, já não era mais válido tomar o crescimento econômico como sinônimo de redução da pobreza, como se o primeiro necessariamente levasse, de modo indireto, à segunda. Era preciso distingui-los analiticamente, o que abria espaço para a conclusão de que ambos podiam ser abordados de maneira individualizada e direta. Tal distinção constituir-se-ia no princípio orientador das operações do Banco Mundial durante os anos setenta. Por outro lado, McNamara se recusou a admitir que a redução da pobreza pudesse vir a expensas da promoção do crescimento, como afirmava a imensa maioria dos economistas do Banco naquela época, e durante toda a sua gestão insistiu na centralidade do crescimento econômico (Kapur et al., 1997: 217). Isto ficou bem claro logo em 1968, quando laconicamente afirmou que não havia sentido em redistribuir o mesmo pedaço de bolo a todos (Kapur et al., 1997: 248).

A proposta de redução “direta” da pobreza, lançada para o qüinqüênio 1968-73, dava seqüência a mudanças na composição setorial da carteira do Banco introduzidas por Woods, porém numa escala bastante maior. McNamara anunciou a agricultura — na verdade, a agropecuária — como o setor que teria a maior expansão dentro do programa creditício, com a justificativa de que constituía “o fator-chave para o crescimento econômico na maioria dos países em desenvolvimento” (Banco Mundial, 1968: 11), da qual viveriam dois terços da população daqueles países (McNamara, 1974a: 11). Também passariam a ter mais importância na carteira do Banco os projetos da área “social”, como educação (tanto no meio urbano como no rural), fornecimento de água potável, saneamento básico, nutrição, saúde primária, habitação urbana e planejamento familiar.

Além de câmbios na alocação setorial, McNamara determinou também mudanças na destinação geográfica dos empréstimos. Embora ressaltasse que os desembolsos para a Ásia seriam intensificados — em particular, para dar conta do retorno da Indonésia como cliente do Banco após o golpe militar, apoiado pelos EUA, que levou Suharto ao poder (Toussaint, 2006: 110-11) —, indicou que os “alvos” prioritários seriam a África e a América Latina e o Caribe, onde as operações deveriam duplicar e triplicar, respectivamente (McNamara, 1974a: 8-9).

Para realizar o anunciado “assalto à pobreza”, McNamara estabeleceu como meta dobrar os empréstimos e créditos em cinco anos para chegar a pouco mais de US$ 11 bilhões, mais do que havia sido desembolsado nos primeiros vinte anos de operações do Banco. Todavia, se antes, como Secretário de Defesa, McNamara contara com um orçamento anual

de mais de US$ 70 bilhões, como presidente do Banco Mundial ele se viu, repentinamente, diante de uma carteira que totalizava pouco mais de US$ 1 bilhão ao ano (Caufield, 1996: 97- 98; Goldman, 2005: 74).

Para aumentar o caixa do Banco, McNamara estendeu a diversificação das fontes de financiamento já impulsionada por Woods, mediante a expansão, em escala inédita, da venda de bônus em praças financeiras da Europa, cada vez mais capitalizadas pelo mercado de eurodólares e pelo crescimento econômico de alguns países, em particular a Alemanha e o Japão (Banco, 1969: 28-29; Kapur et al., 1997: 953-54). O êxito da empreitada mostrou que a banca privada internacional “estava menos interessada na qualidade ou quantidade de empréstimos do Banco, do que no fato de que seus bônus eram garantidos pelas nações mais ricas da Terra” (Caufield, 1996: 98). A partir de então, a capacidade do Banco de emprestar passou a estar baseada cada vez mais na sua capacidade de tomar empréstimos, necessitando cada vez menos de novos aportes de capital dos cinco maiores acionistas (Goldman, 2005: 63- 64). Por sua vez, a reposição de fundos da AID para o período 1969-71 aumentou 40,7 por cento em relação ao triênio 1965-68 (Kapur et al., 1997: 1137). Tudo somado estava o Banco em condições extraordinárias para alavancar empréstimos.

A expansão das operações na escala e na velocidade anunciadas requeria a modificação dos critérios de elegibilidade vigentes, baseados na rentabilidade de cada projeto e na solvência dos prestatários. Longe de pôr em risco a credibilidade do Banco, tal mudança permitiu a explosão dos compromissos financeiros, que aumentaram 131 por cento entre 1969 e 1973. A tabela 31 compara o crescimento da atividade financeira da instituição por região durante o primeiro qüinqüênio da gestão McNamara com o desempenho nos anos anteriores. Tabela 31. Compromissos financeiros do Grupo Banco Mundial por região – anos fiscais de 1946 a 1973

Região Número de projetos Compromissos financeiros (a) 1946-68 % 1969-73 % 1946-68 % 1969-73 % África oriental 78 11 104 13.7 834 7.8 1.099 8.2 África ocidental 35 5 102 13.4 522 4.9 891 6.6 Europa, Oriente Médio e

norte da África 113 16 168 22.1 1.785 16.8 3.198 23.8 América Latina e Caribe 281 39.7 176 23.2 3.554 33.4 3.734 27.8

Ásia 201 28.3 210 27.6 3.927 37 4.496 33.5

Total 708 100 760 100 10.622 100 13.418 100

Fonte: McNamara (1973)

(a) Em milhões de dólares de 1973.

A tabela 32, a seguir, compila os dados referentes a esse movimento de expansão e diversificação setorial ao longo de toda a gestão McNamara, desagregando-os por grupos de

países, setores e períodos. A tabela 33, na seqüência, reproduz em termos percentuais os mesmos dados da tabela anterior.

Tabela 32. Empréstimos do Banco Mundial durante a gestão McNamara – 1969-82 (a) Milhões de dólares

Países 1969-73 1974-82 Total

Total 11.215 79.207 90.421

Renda alta (11) Bahamas, Chipre, Finlândia, Grécia, Islândia, Irlanda, Israel, Nova Zelândia, Singapura, Espanha e Taiwan

811 770 1.581

Renda média (55) Argélia, Argentina, Barbados, Bolívia, Bósnia- Herzegovina, Botsuana, Brasil, Camarões, Chile, Colômbia, Congo, Costa Rica, Croácia, Djibuti, Dominica, República Dominicana, Equador, El Salvador, Fiji, Gabão, Guatemala, Indonésia, Irã, Iraque, Jamaica, Jordânia, Coréia do Sul, Líbano, Macedônia, Malásia, Maldivas, Maurício, México, Marrocos, Omã, Panamá, Papua Nova-Guiné, Paraguai, Peru, Filipinas, Portugal, Romênia, Senegal, Eslovênia, Ilhas Salomão, Suazilândia, Síria, Tailândia, Trinidad e Tobago, Tunísia, Turquia, Uruguai, Venezuela, Samoa Oeste e Iugoslávia.

6.499 48.248 54.747

Renda baixa (48) Afeganistão, Bangladesh, Benin, Burkina Faso, Burundi, República Central Africana, Chade, China, Comores, Costa do Marfim, Egito, Guié Equatorial, Etiópia, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Guiana, Haiti, Honduras, Índia, Quênia, Laos, Lesoto, Libéria, Madagascar, Maláui, Mali, Mauritânia, Mianmar, Nepal, Nicarágua, Níger, Nigéria, Paquistão, Ruanda, Serra Leoa, Somália, Sri Lanka, Sudão, Tanzânia, Togo, Uganda, Vietnã, Iêmen, Zaire, Zâmbia e Zimbábue

3.905 30.188 34.093

Rendas média e baixa por setor 10.404 78.437 88.840 Transporte, energia e telecomunicações 4.922 27.153 32.075 Agricultura e setores sociais 3.267 31.694 34.961 Agricultura 2.101 22.623 24.724 Educação 531 3.380 3.911 População, saúde e nutrição 71 489 559 Desenvolvimento urbano (b) 25 1.374 1.399 Água e saneamento 540 3.828 4.367

Fonte: Kapur et al. (1997: 234).

(a) O período McNamara inclui os compromissos de 1º de julho de 1968 a 30 de junho de 1982, com base no pressuposto de que os compromissos de empréstimo feitos durante o ano fiscal de 1982 refletem decisões e preparação realizadas sob McNamara.

Tabela 33. Empréstimos do Banco Mundial durante a gestão McNamara – 1969-82 (a) Percentual

Prestatários 1969-73 1974-82 Total

Total 100 100 100

Renda alta 7 1 2

Renda média e baixa 93 99 98

Renda média 58 61 61

Renda baixa 35 38 38

Rendas média e baixa por setor 100 100 100 Transporte, energia e telecomunicações 47 35 36

Agricultura e social 31 40 39

Agricultura 20 29 28

Educação 5 4 4

População, saúde e nutrição 1 1 1

Desenvolvimento urbano (b) menos de 0,5 2 2

Água e saneamento 5 5 5

Fonte: Kapur et al. (1997: 235).

(a) O período McNamara inclui os compromissos de 1º de julho de 1968 a 30 de junho de 1982, com base no pressuposto de que os compromissos de empréstimo feitos durante o ano fiscal de 1982 refletem decisões e preparação realizadas sob McNamara.

(b) Representa setenta por cento do total dos empréstimos sob a rubrica “desenvolvimento urbano”.

Para viabilizar a expansão da atividade financeira do Banco com tal envergadura, McNamara estabeleceu metas anuais de empréstimos para cada país e definiu que a eficiência profissional de cada funcionário seria avaliada segundo o volume de recursos envolvido nos projetos sob sua responsabilidade. O que importava não era propriamente a qualidade técnica, muito menos a utilidade socioeconômica e o impacto potencial dos projetos nos países receptores, mas sim que o objetivo de “mover o dinheiro” ocorresse da maneira mais rápida possível.

O desembolso do crédito dependia da criação de projetos financiáveis. O Banco já tinha experiência nisso, mas num patamar inferior ao que precisava alcançar agora. Era preciso mais, muito mais. O discurso, porém, continuava a ser — como é até hoje — o de que suas operações tão-somente atendiam à demanda dos clientes. O que ocorria, de fato, era que “o Banco enviava suas próprias esquadrilhas de vôo em busca de projetos financiáveis. O governo — informado da possibilidade de um projeto identificado e desenhado pelo Banco — solicitava, então, que tivesse a amabilidade de estudar seu financiamento” (George & Sabelli, 1996: 57-58). Por outro lado, do ponto de vista governamental, o acesso ao dinheiro do Banco Mundial funcionava como um catalisador de empréstimos e créditos externos. Assim, para os governos, fechar acordos com o Banco propiciava ou facilitava o acesso a outras fontes de recursos, privadas e públicas, fomentando ainda mais a espiral de endividamento.

O imperativo de “mover o dinheiro” a qualquer custo tornou-se, desse modo, um dos traços mais marcantes da cultura organizativa do Banco Mundial. Embora seu elemento detonador fosse de ordem política, tal imperativo encontrava lastro e condições de fácil

disseminação na própria formação intelectual requerida para se ingressar no Banco e nos procedimentos administrativos enraizados no dia-a-dia de trabalho. Em outras palavras, o terreno era fértil ao seu cumprimento. Quais traços eram mais característicos da mentalidade coletiva do staff, antes de McNamara e sob o seu comando? A crença na primazia do quantitativo sobre o qualitativo, o etnocentrismo subjacente aos modelos de crescimento adotados e, cada vez mais, a crença no poder da “engenharia social”, i.e., na existência de métodos científicos válidos universalmente que permitissem um tratamento de tipo administrativo a qualquer fenômeno social. Segundo essa visão, os resultados da intervenção científica — sob a forma de projetos, por exemplo — sempre seriam passíveis de matematização e de verificação estatística (Rich: 1994: 82-83; George & Sabelli, 1996: 52-62; Kapur et al., 1997: 220).

As mudanças na estrutura de incentivos do staff, com o objetivo de “mover o dinheiro” — sempre, evidentemente, numa certa direção política —, requereram a realização de uma reforma administrativa, que foi feita entre 1968 e 1972. Uma das suas inovações foi a criação, ainda em 1968, do Country Program Paper (CPP). O documento orientava a carteira de empréstimos para cada cliente, fixando metas para um período de cinco anos. Altamente confidencial, não era acessível aos prestatários nem à Diretoria Executiva do Banco (Rich, 1994: 85; Kapur et al., 1997: 244).

Outra seqüência de câmbios organizacionais procurava, de um lado, reforçar o controle da presidência sobre o conjunto da máquina burocrática e, de outro lado, aumentar a autoridade de unidades regionais e de países (Kapur et al., 1997: 246). Na primeira direção, por meio da criação, em 1968, dos departamentos de Programação e Orçamento, Programação Econômica, Política e Planejamento e, dois anos depois, da Unidade de Avaliação de Operações (depois renomeada de Departamento de Avaliação de Operações). Além disso, criaram-se dois departamentos de projetos que desempenhariam um papel importante durante a gestão de McNamara: o de Desenvolvimento Rural em 1972 e o de Projetos Urbanos no ano seguinte. Na segunda direção, a criação, em 1972, de cinco vice-presidências regionais responsáveis por realizar empréstimos e elaborar projetos, o que aumentou a importância da focalização de desembolsos por país, em detrimento do foco em setores e projetos. Ao final dos cinco anos de reforma administrativa, o Banco havia se transformado numa organização muito mais centralizada e mais bem aparelhada, tanto para monitorar o conjunto da atividade econômica dos seus principais clientes, como para elaborar projetos “orientados à pobreza” replicáveis — segundo a ótica da instituição — no meio rural e nas grandes cidades da periferia mundial.

Seguindo a mesma lógica expansiva e de diversificação, o Banco Mundial passou a autorizar, a partir de 1968, empréstimos para empresas públicas e bancos nacionais e regionais de desenvolvimento (Mason & Asher, 1973: 744). Até então o Banco havia se negado a efetuar esse tipo de operação, alegando que eram ineptas para serem administradas com eficiência (ibid: 27). Esse giro, embora suscitasse resistências internas, respondia a uma série de fatores. Em primeiro lugar, ao crescimento real do setor público nos países da periferia, alguns dos quais com grau considerável de industrialização e todos, sem exceção, clientes do Banco. Em segundo lugar, à capacidade do setor público de absorver e contrair empréstimos em grande escala, bastante superior ao que seria possível fazê-lo por meio de empresas privadas singulares. Em terceiro lugar, à própria dinâmica política internacional, que impunha certa tolerância das grandes potências, em especial dos EUA, em relação a alguns governos que implementavam políticas econômicas ou estratégias nacional- desenvolvimentistas, desde que o seu alinhamento político mais amplo fosse inequívoco e não ameaçassem ativos e investimentos estrangeiros, ou com os quais fosse indispensável manter ou ampliar relações políticas, devido à sua posição estratégica no tabuleiro geopolítico da guerra fria. Em quarto lugar, à possibilidade de utilizar recursos do BIRD e da AID para