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estrutura e divisão interna de trabalho

2 Do nascimento à consolidação – 1944-

2.4. Ganhando a confiança de Wall Street

A despeito do controle dos EUA e seus aliados sobre a maioria dos votos no interior do BIRD e da aprovação do seu convênio constitutivo pelo Congresso norte-americano, o fato era que o BIRD parecia destinado, nos seus primeiros anos, a um fracasso retumbante. Quando houve a primeira reunião do Conselho de Governadores em março de 1946, por exemplo, o BIRD ainda não tinha sequer um presidente. Nenhum banqueiro queria arriscar o seu prestígio frente a uma instituição pública internacional vista pela banca como demasiadamente marcada pelo ideário do New Deal e por demais suscetível a se orientar por pressões ou critérios “políticos”, em detrimento da segurança e da estabilidade de seus títulos, num período de instabilidade monetária, debacle econômica e incerteza política (Caufield, 1996: 49-50). No início de 1947, a reputação do Banco era bastante baixa. Depois de um ano de funcionamento, a instituição não havia efetuado um desembolso sequer e os problemas se avolumavam (Kapur et al., 1997: 59). Como dispunha de recursos limitados para efetuar empréstimos diretos, o BIRD necessariamente tinha de recorrer aos investidores privados, o que significava, naquele momento, lançar-se no mercado norte-americano. Todavia, em algumas bolsas de valores dos EUA, a venda de seus bônus não estava autorizada19.

Como argumentou Gwin (1997: 202), a expectativa geral era de que a atuação do Banco se concentrasse na garantia de títulos emitidos por outros, e não na emissão de títulos próprios. Porém, em 1946 tornou-se claro que os grandes investidores domésticos preferiam os títulos do Banco àqueles emitidos por Estados e respaldados por garantias do Banco. Contudo, para viabilizar a venda de títulos emitidos pelo Banco era preciso superar alguns obstáculos. O primeiro deles era que a instituição não se enquadrava nas leis de regulação bancária vigentes nos EUA. O segundo era a desconfiança dos investidores, cultivada durante os anos do entreguerras, em relação a títulos estrangeiros e, em particular, ao próprio Banco, uma instituição multilateral e absolutamente nova. O governo estadunidense, então, deslanchou uma campanha para adequar a legislação nacional e ganhar a confiança dos banqueiros de Wall Street (Gardner, 1994: 341-48). A forma como se deu a construção da confiança da banca privada envolveu um conjunto de ações que modelou a singularidade do BIRD entre as demais organizações internacionais nascidas no imediato pós-guerra.

19 Uma ilustração cômica mencionada por Kapur et al. (1997: 59) a esse respeito é emblemática: quando uma

placa foi posta no lado de fora do Mount Washington Hotel em Bretton Woods poucos anos depois para comemorar a realização da conferência de 1944, o texto recordava apenas o aniversário do FMI, sem mencionar o Banco.

Em primeiro lugar, os nomes identificados diretamente com o governo Roosevelt e, em particular, com a defesa de um maior controle público sobre a atividade econômica e a liberdade de circulação do capital, foram substituídos por outros aceitos pela banca. A nomeação de Eugene Meyer — ex-banqueiro e editor do The Washington Post — como presidente do Banco em junho de 1946 veio nessa direção, mas não foi o bastante para resolver a questão, tanto que ficou apenas seis meses no cargo e foi difícil encontrar um substituto. A sua gestão coincidiu com a especulação crescente de que o Banco Mundial seria forçado a ajudar a Europa, o que debilitou a aceitação dos seus títulos no mercado financeiro norte-americano. Havia incerteza acerca do futuro da instituição. A questão em jogo era a preservação ou não da sua natureza como agência financeira internacional (Kapur et al., 1997: 76). A banca só ficou satisfeita com a indicação, no início de 1947, de um triunvirato claramente identificado com os seus interesses: John McCloy para a presidência do BIRD, Robert Garner para a vice-presidência e Eugene Black para a Diretoria Executiva (Mason & Asher, 1973: 50-51). McCloy era um advogado renomado em Wall Street envolvidíssimo com a política externa norte-americana, Garner era vice-presidente da General Foods Corporation e Black era vice-presidente do Chase National Bank. O mesmo tipo de depuração política ocorreu, simultaneamente, no FMI (Kapur et al., 1997: 77-79; Gwin, 1997: 199). Essa troca de comando sinalizou que o Banco se dedicaria, predominantemente, ao financiamento de projetos justificáveis sobre bases comerciais, o que o impediria de ser a fonte primária de recursos para a reconstrução dos aliados europeus (Gardner, 1994: 348).

Em segundo lugar, o BIRD — pilotado pelos EUA — trabalhou para que a instituição não fosse submetida às obrigações decorrentes do seu pertencimento ao sistema da ONU, fundada em outubro de 1945. A mesma ação foi empreendida, ao mesmo tempo, pelo FMI. O resultado, desde então, é que o BIRD e o FMI, a pesar de figurarem como “organizações especializadas” das Nações Unidas, estão autorizados a funcionar de maneira independente, o que implica: a) a desobrigação de pautar as suas ações expressamente pelo cumprimento da Carta das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos Humanos; b) a não- obrigatoriedade de colaborar formalmente com as demais organizações do sistema ONU; c) a liberdade para definir quais informações devem ser repassadas ao Conselho Econômico e Social da ONU (Toussaint, 2006: 50). Esse descolamento era visto pela direção do Banco como condição fundamental para ganhar a confiança dos investidores de Wall Street em relação à credibilidade dos seus bônus (Mason & Asher, 1973: 56-59).

Em terceiro lugar, articulou-se uma campanha de persuasão e convencimento junto à banca. Funcionários graduados do Banco passaram a primavera de 1947 viajando pelos EUA

fazendo discursos em convenções de banqueiros e em várias assembléias legislativas estaduais (Gwin, 1997: 202). Montou-se um departamento de marketing em Wall Street, mantido até 1963, e promoveu-se uma associação, encabeçada pelo First Boston Bank e pelo banco de investimento Morgan Stanley, para vender títulos do Banco (Kapur et al., 1997: 90). Sob a batuta do governo norte-americano, a imbricação da instituição com a alta finança nucleada em Wall Street forjou, gradativamente, laços sólidos de confiança mútua. Até o final dos anos cinqüenta, a subscrição norte-americana foi praticamente a única totalmente utilizável. Naquele período, 85 por cento dos títulos do Banco estavam denominados em dólares e eram vendidos no mercado financeiro dos EUA. Na prática, a subscrição dada pelo Tesouro norte-americano era a única garantia real dos investidores. Com efeito, até meados da década de sessenta, os empréstimos do Banco estavam limitados pelo tamanho da cota estadunidense de reserva de garantia (Gwin, 1997: 202).

Em quarto lugar, os acordos de empréstimo firmados mostraram aos banqueiros de Wall Street que o BIRD seria lucrativo para as empresas norte-americanas e útil à política externa dos EUA. Assim, nos dois meses seguintes ao anúncio do Plano Marshall, o BIRD autorizou quatro empréstimos para a reconstrução européia: US$ 250 milhões para a França, US$ 207 milhões para a Holanda, US$ 40 milhões para a Dinamarca e US$ 12 milhões para Luxemburgo. No biênio 1947-1948, apenas um empréstimo foi concedido para fins de desenvolvimento: módicos US$ 16 milhões ao Chile para a compra de equipamento hidroelétrico e máquinas e implementos agrícolas; mesmo assim, com exigências duríssimas (Mason & Asher, 1973: 52-53; Kapur et al., 1997: 81-82), que já prefiguravam o perfil intervencionista e o tratamento desigual dispensado aos países da periferia20.

O primeiro empréstimo efetuado pelo BIRD — em maio de 1947 à França — é um exemplo de como a subordinação à política externa norte-americana não minou a construção da credibilidade do BIRD junto à banca. Tratava-se de uma operação financeira arriscada, pois comprometia mais de um terço dos recursos do Banco e não definia com precisão o destino dos fundos. Na prática, eram recursos da cota estadunidense, a única que podia de fato ser usada (Mason & Asher, 1973: 105). Para se ter uma idéia da sua magnitude, em termos reais, aquele foi o empréstimo mais volumoso concedido pelo Banco ao longo dos seus primeiros cinqüenta anos de existência (Kapur et al., 1997: 1218). De acordo com Gwin (1997: 253), o Departamento de Estado norte-americano orientou McCloy a direcionar o primeiro empréstimo do Banco para a França. O empréstimo tinha termos duros, que a

20 Para uma análise bem documentada da ação do BIRD no Chile nos anos seguintes, em articulação com o FMI

França, encurralada, aceitou. O Banco desembolsaria apenas a metade dos US$ 500 milhões solicitados, em troca dos quais o governo francês deveria equilibrar o orçamento e aumentar impostos. Além disso, o Departamento de Estado exigiu que a França expelisse os comunistas do governo de coalizão, para evitar que sua influência aumentasse na eleição seguinte. No início de maio de 1947 o PCF foi ejetado da coalizão e, horas depois, McCloy anunciou a liberação do empréstimo21. Dois meses se passaram e o BIRD lançou, então, a sua primeira oferta de títulos na bolsa de valores de Nova Iorque, no total de US$ 250 milhões. O fato de os títulos terem sido vendidos rápida e integralmente, inclusive com um prêmio sobre o preço inicial, foi interpretado na época como uma demonstração importante de confiança da banca na instituição (Mason & Asher, 1973: 53-54).

No mês seguinte (agosto de 1947), o BIRD autorizou a concessão do seu segundo empréstimo, desta vez à Holanda, que poucos dias antes iniciara um ataque militar em grande escala contra grupos nacionalistas que lutavam pela independência da Indonésia. O BIRD foi duramente criticado na ONU, em particular pela URSS, por sua implicação, dada a chance — em função da natureza fungível do dinheiro — de que o governo holandês usasse o empréstimo para financiar a sua cruzada bélica (Rich, 1994: 69; Mason & Asher, 1973: 38). Não há indicações de que a construção da credibilidade do BIRD junto à Wall Street tenha sido prejudicada por isso.

Por outro lado, desde o início das operações do BIRD, os EUA agiram no sentido de bloquear empréstimos para certos países. Nos casos em que os empréstimos foram reduzidos ou negados, o Banco sempre usou argumentos econômicos para justificar a sua decisão (Gwin, 1997: 253). Já em 1947, o Banco deixou claro que levaria em conta fatores de ordem política ao decidir sobre solicitações de empréstimo procedentes de países do bloco soviético. No seu segundo relatório anual consta que:

Embora o Banco não possa conceder créditos para fins políticos ou negá-los pela mesma razão, existem uma inter-relação e uma interação óbvia e necessária entre os acontecimentos políticos e a situação de qualquer país. A solvência e a lisura de um empréstimo dependem de modo primordial das perspectivas financeiras e econômicas do prestatário. Na medida em que aquelas perspectivas se vejam prejudicadas pela situação de instabilidade ou incerteza política do país solicitante, essa situação terá que ser levada em consideração (Banco Mundial, 1947: 17).

21 No ano anterior, os EUA já haviam emprestado para a França cerca de US$ 650 milhões por meio do Export- Import Bank, criado em 1934 e fortalecido em 1945. Em troca do empréstimo, o governo francês se

comprometeu a participar de uma ordem econômica multilateral e a fazer concessões tarifárias. Um dos objetivos de Washington, já naquele momento, era fortalecer politicamente os elementos não-comunistas da coalizão de governo (Block, 1989: 115).

A esse respeito dois casos foram emblemáticos: o da Polônia e o da Tchecoslováquia. De acordo com Gwin (1997: 253-54), na primavera de 1947 o Banco iniciou negociações com a Polônia para um empréstimo de US$ 128,5 milhões destinado à compra de equipamentos para produção de carvão mineral, muito abaixo dos US$ 600 milhões solicitados. Embora o empréstimo fosse considerado um investimento sólido pelo staff do Banco, o Departamento de Estado norte-americano era contra a operação, temendo que o crédito de algum modo favorecesse o governo liderado pelo Partido Comunista. Não obstante, o Banco enviou uma equipe ao país em meados de 1947 para avaliar o projeto. Após o relatório favorável do staff McCloy foi a Varsóvia para dar início às negociações formais. O Banco se dispunha a emprestar apenas US$ 50 milhões (depois ofereceu a metade disso) e exigia condições inaceitáveis, como a estabilização da moeda segundo as prescrições do FMI. Ao mesmo tempo, o Banco manifestava dúvidas sobre a “reputação financeira” e a “independência” do país em relação à URSS (Gardner, 1994: 345). Enquanto isso, Washington decidiu que qualquer injeção externa de financiamento à Europa oriental acabaria fortalecendo politicamente os comunistas. Após muito procrastinar e fazer exigências cada vez mais pesadas, McCloy suspendeu as negociações em meados de 1948. Logo depois, pelas mesmas razões o BIRD negou um empréstimo à Tchecoslováquia (Mason & Asher, 1973: 53 e 170- 71). Ambos os países se retiraram do BIRD (e do FMI) em 1950 e 1954, respectivamente. Nos dois casos, o BIRD forneceu justificativas econômicas para o veto, como sempre fez desde então (Brown, 1992: 129).

O inverso também é ilustrativo. Em 1949, por exemplo, o BIRD concedeu o seu primeiro empréstimo à Iugoslávia, um ano após o governo Tito haver rompido relações com a URSS e, por isso, estar “desesperado para desenvolver seu comércio com o Ocidente” (Mason & Asher, 1973: 168). O Banco, a partir de então, acelerou os empréstimos, oferecendo um apoio “discreto e não-ostensivo” (Kapur et al., 1997: 103). O financiamento do Banco à Nicarágua durante anos cinqüenta também fez parte da mesma política. O Banco apoiou o regime de Somoza com um número desproporcional de empréstimos enquanto o país oferecia aos EUA uma base conveniente a partir da qual podia lançar suas operações militares, como a derrubada do governo de Jacobo Arbenz na Guatemala em 1954 e a invasão da Baía dos Porcos em Cuba em 1961 (ibid: 103).

O preposto dos EUA na presidência do Banco, John McCloy, fazia parte da cadeia de comando da política externa norte-americana (Dezalay & Garth, 2005: 105-06). Durante a sua breve gestão, ele participou intensamente das atividades de planejamento que deram origem ao Plano Marshall e à criação da Agência Central de Inteligência (CIA) (Kapur et al., 1997:

76-77, nota 67). Não surpreende que o seu discurso multilateralista nem de longe significasse uma concessão a autoridades não-estadunidenses. Ao reafirmar que o Banco não faria “empréstimos políticos”, McCloy os definiu como “empréstimos inconsistentes com a política externa americana” (apud Kapur et al., 1997: 76). Ao deixar o Banco para ocupar nada menos que o cargo de alto comissário dos EUA na Alemanha — país vital para os interesses geopolíticos e geoeconômicos norte-americanos na Europa —, McCloy indicou Eugene Black, seu colega do Chase National Bank, para a presidência do BIRD (Woods, 1995: 39).

Embora a assistência financeira massiva e politicamente orientada concedida pelo Plano Marshall tenha, imediatamente, apequenado o papel do BIRD na reconstrução das economias devastadas pela guerra, até o ano de 1957, somados todos os tipos de empréstimo, 52,7 por cento do financiamento concedido pelo BIRD ainda eram direcionados para os países capitalistas mais industrializados (Stern & Ferreira, 1997: 533). Com efeito, somente no final da década de cinqüenta o volume de operações voltadas para os países em desenvolvimento ultrapassou a metade da quantia desembolsada. Afinal, emprestar dólares para países considerados a priori “pouco solventes” poderia comprometer a construção da sua credibilidade ante Wall Street. Por essa razão, o BIRD adotou, durante a gestão de Eugene Black (1949-62), uma política creditícia bastante conservadora, pautada pela rentabilidade comercial de suas operações e pelo tratamento desigual dos prestatários. Estabeleceu-se uma distinção: empréstimos para programas (program loans) — de maior volume e voltados, em geral, para enfrentar desequilíbrios no balanço de pagamentos — eram autorizados para clientes considerados mais solventes, como os países europeus e o Japão22; já empréstimos para projetos (project loans) eram autorizados aos clientes considerados menos solventes — na maioria dos casos, países de renda média(Kapur et al., 1997: 129).

Inscrita nos artigos de fundação do BIRD, a obrigatoriedade de financiar apenas projetos produtivos específicos — salvo “circunstâncias especiais”23 — simbolizava, antes de tudo, o veto preventivo de Wall Street à concorrência financeira que o BIRD pudesse lhe fazer (Mason & Asher, 1973: 24; Kapur et al., 1997: 121). Se os empréstimos do BIRD

22 Nos anos cinqüenta, o BIRD fez diversos empréstimos de programas, mas apenas dois foram para áreas

“subdesenvolvidas”: Congo Belga e Irã (Kapur et al., 1997: 129).

23 Houve um debate sobre se o Banco emprestaria para “programas e projetos”, como queriam os EUA, ou se

apenas para “projetos específicos”, como queriam os britânicos. White insistiu para que o Banco pudesse fornecer empréstimos mais gerais sob “condições especiais”. No fim, o resultado foi que os empréstimos e garantias da instituição deveriam, exceto sob condições especiais, focalizar projetos específicos de reconstrução e desenvolvimento (Woods, 2006: 24-25). Em função do início da guerra fria, o BIRD emprestou “sob circunstâncias especiais” para Itália, Bélgica e Austrália em 1947 (Kapur et al., 1997: 121). As operações tiveram o objetivo de financiar importações, e não projetos.

tinham que ser, antes de tudo, economicamente rentáveis, a forma considerada mais adequada para assegurar isto era a visibilidade e a verificabilidade dadas (ou supostamente dadas) pelos projetos. De acordo com essa visão, os investimentos concretos (em barragens, hidroelétricas, estradas, portos, etc.) podiam demonstrar para onde ia e como era empregado o dinheiro, o que, por sua vez, era usado como elemento de propaganda pelo Banco junto aos investidores estrangeiros para que comprassem mais bônus do Banco, e assim sucessivamente. Por outro lado, quando questões políticas estavam em jogo, tal obrigatoriedade não impediu que o BIRD logo começasse a camuflar créditos para minimizar crises em balanços de pagamentos como se fossem empréstimos para projetos específicos (Kapur et al., 1997: 123).

Outras razões contribuíram para robustecer a confiança dos banqueiros do Norte em relação ao BIRD. Os acordos de empréstimo com o Banco estabeleciam que os recursos deveriam ser gastos na compra de bens e serviços de empresas situadas nos países capitalistas mais industrializados. Nos quatorze anos de gestão Black, nunca menos de 92,5 por cento das quantias emprestadas foram gastas anualmente na compra de bens e serviços de empresas situadas nos países capitalistas mais industrializados, concentrando-se, em ordem decrescente, em seis deles: Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França, Itália e Japão. Assim, o Banco cumpria o papel de introduzir ou fortalecer a presença do seu “eleitorado” — os bancos, firmas de investimento e empreiteiras ocidentais — no centro das relações comerciais e de produção entre os EUA, a Europa, o mundo colonial e a periferia (Goldman, 2005: 30). A tabela 21 apresenta a distribuição geográfica dos gastos efetuados com os empréstimos do Banco de 1946 até 1962. A partir de então, essa informação deixou de ser pública.

Tabela 21. Distribuição geográfica dos gastos efetuados com os empréstimos do Banco Mundial – 1946-62 Percentual

País Até 1955 (a) 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962

Alemanha 4.1 14.1 18.6 17.2 16.3 16.9 13.5 10.9 Bélgica 3.7 2.9 2.8 2.9 3.3 2.1 2.5 1.6 Canadá 5.6 7 6 1.1 0 2.3 1.5 1.1 Estados Unidos 63.4 50.5 44.3 38.8 29.7 29.8 29.6 33.2 França 2.7 3.3 3.5 1.2 5.2 6.7 12 12.3 Itália 0.9 1.7 3 5.8 6.3 7.7 6.6 8.3 Japão 0 0.2 2.2 8.3 6.2 3.9 6.1 5 Países Baixos 0 0 0 0 0 0 0 2.5 Suécia 0.7 1.5 2.7 0.9 2.1 2.3 3.1 2.6 Suíça 2.1 2.3 1.9 1.3 2.7 4.3 4.5 3.6 Reino Unido 11.1 13.2 10.9 18.8 20.5 16.5 13.7 13.7 Subtotal 94.2 96.7 95.9 96.3 94.4 92.5 93.1 94.7 Demais países 5.8 3.3 4.1 3.7 5.6 7.5 6.9 5.3 Total 100 100 100 100 100 100 100 100

Fonte: Toussaint (2006: 39), com base nos relatórios anuais do Banco de 1946 a 1962. (a) Média dos nove primeiros anos de atividade.

Além disso, parte desses empréstimos foi destinada ao financiamento de projetos em áreas coloniais de interesse das suas respectivas metrópoles, contribuindo para provê-las de matérias-primas ou, simplesmente, abrir ou expandir frentes de exploração econômica a empresas metropolitanas (Kapur et al., 1997: 687). Nesses casos, o Banco canalizava os seus empréstimos por meio dos mesmos bancos coloniais europeus, usando moedas ocidentais para remunerar empresas norte-americanas e européias contratadas para a construção de barragens, minas e infra-estrutura de transporte (portos e estradas). Nas primeiras décadas, parte considerável do staff era composta por ex-funcionários coloniais de escritórios europeus no ultramar, alçados pelo Banco — junto com os profissionais de origem estadunidense — à condição de especialistas transnacionais em leis, investimento e comércio entre os EUA, a Europa e seus domínios ultramarinos, somando forças com a administração colonial (Goldman, 2005: 31; Tabb, 2004: 193). Desse modo, o Banco contribuiu para que a Bélgica, o Reino Unido e a França prosseguissem com a sua dominação colonial, bem como aplainassem o terreno para a dependência econômica pós-colonial. Em casos assim, os recursos emprestados foram gastos, quase que integralmente, na importação de bens e serviços de empresas metropolitanas, com o agravante de que as dívidas contraídas pelas metrópoles foram, depois, transferidas aos novos Estados independentes (Toussaint, 2006: 40-41).