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1 INTRODUÇÃO

2.5 A transferência de conhecimento

2.5.2 A transferência enfatizando o conhecimento como um processo de

2.5.2.2 A construção situada do conhecimento

Cook e Brown (1999) apresentam um processo diferenciado de construção de conhecimento na organização, propondo um modelo identificado com o que denominam de “epistemologia da prática”, em oposição àquele proposto pelas contribuições de estudos que focalizam o conhecimento como recurso, ao qual denominam de “epistemologia de posse”. Afirmam que o conhecimento tácito e explícito são formas complementares de conhecimento, que um não se converte em outro e que há conhecimento explícito e tácito individual e de grupo. Essas quatro categorias de conhecimento podem ser mutuamente chamadas a intervir para assegurar que os propósitos da atividade sejam assegurados. Novos conhecimentos surgiriam no curso da ação, por um processo ativo de conhecer.

Cook e Brown (1999, p. 382-383) sinalizam que as categorias de conhecimento descritas como tácito e explícito e de grupo ou individual, sugerem o entendimento de aquisição, manutenção e exercício de competência por indivíduos e grupos.

Os autores propõem que cada uma dessas categorias seja tomada como uma forma distinta de conhecimento, sem relação de subordinação entre elas.

Acrescentam que elas tendem a ser tomadas como “epistemologias de posse” e que ao invés de revelarem “o que é conhecer”, tipicamente nomeiam o que as pessoas possuem como conhecimento. Acreditam que o entendimento da dimensão epistemológica da ação, seja individual ou de grupo, requer explicitar tanto os conhecimentos utilizados na ação como o ato de conhecer como parte da ação. Desta maneira, a epistemologia da prática, do ato de conhecer como parte da ação, da interação entre os conhecedores e o mundo, é somada à epistemologia da sua posse, e tida como complementar.

Explicitando que o conhecimento supõe representar algo de que se tem posse, seja ele conhecimento tácito ou explícito, os autores citam um exemplo. Ao referir-se que: “Miriam tem conhecimento de física”, o conhecimento é algo que Miriam possui (conceitos, regras, procedimentos e outros). Ele é abstrato porque é sobre algo, mas não ancorado no mundo tangível. É estático, e pode não ser requerido quando não está em uso, como por exemplo: ”Miriam pode estar jogando tênis ou dormindo e ela ainda assim tem conhecimento de física”. Ele ainda pode ser usado na ação, mas não ser entendido como ação (COOK e BROWN, 1999, p. 387).

O ato de conhecer, porém, refere-se à ação epistemológica da ação. É algo utilizado ou necessário a ela, sendo parte dela seja pela ação individual ou de grupo. O ato de conhecer vincula o uso do conhecimento como uma ferramenta na interação com o mundo. Caracteriza-se por ser uma construção dinâmica, concreta e relacional. A coordenação entre o conhecimento e o ato de conhecer, essa troca ou dança, como a ela se referem os autores, como apresentado na Figura 6, possibilita a criação de novos conhecimentos e novos caminhos para a utilização deles.

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Figura 6 - Interação entre conhecimento e ato de conhecer Fonte: Cook e Brown (1999)

Indivíduo Grupo Explícito Tácito Indivíduo Grupo Explícito Tácito Ato de

conhecer conhecer Ato de

Em uma mesma atividade, as quatro formas de conhecimento (explícito, tácito, individual e de grupo) podem ser mobilizadas. Para os autores, as passagens epistemológicas de um a outro tornam possível a dança geradora, fonte da inovação, possibilitando gerar e usar novos conhecimentos e novos caminhos.

Orlikowski (2002, p. 251) demonstra que, na prática, conhecimentos tácitos e explícitos coexistem, acompanham a ação, são pré-existentes a ela, e a sustentam. O autor apresenta observações realizadas por Schön (1983, p. 49) sobre a atuação prática de profissionais onde se verificou não ocorrer a determinação a priori de um tipo de conhecimento para atender uma ação ou decisão, mas um conhecimento constituído para os requisitos da ação. Berthon (2004, p. 78) cita que participar de uma prática, colocar-se na ação, minimiza a distinção entre sujeito e objeto, atribuindo relevância ao ato de saber como ser competente na ação ancorada em um ambiente de aplicação. Esse primeiro momento seria pré-reflexivo, fechado em si mesmo, guardando componentes tácitos do conhecimento, muitos dos quais expressos corporalmente.

O processo de construção de conhecimento pode ocorrer também entre os membros das comunidades de prática, enfatizando-se nesta modalidade a influência sociocultural estabelecida entre eles. Nessas comunidades, associam-se as aprendizagens efetuadas a construções coletivas, identificando-as com um processo social complexo em que o conjunto estabelecido entre atores, organização e situação continuamente interatua e se interinfluencia. A construção de conhecimentos implica em construir e reconstruir conjuntamente uma identidade social, onde uns atuam como affordances para os outros. Por tal, o conhecimento alcança uma dimensão diferente daquela da soma das partes, refazendo-se continuamente nas interações e tendo conseqüências na prática das organizações (BROWN e DUGUID, 2001, p. 200).

Por criarem conhecimentos, bens e serviços, as organizações necessitam ser inovadoras. Por essa razão, precisam estar atentas tanto ao que possuem como ao que praticam, ampliando o foco de uma para duas epistemologias, incluindo o potencial gerador do interjogo entre elas (COOK e BROWN, 1999, p. 388 e 393).

Enquanto na abordagem cognitivista os conhecimentos são tratados como entidades cognitivas autônomas, estocáveis, indexáveis e recuperáveis, na abordagem situada, observa Jonnaert (2003, p. 7), elementos contextuais e ator interagem em situação e a ação suplanta a representação proposta pelo tratamento

da informação. Os atores utilizam os elementos de seu ambiente para suportar a ação de tal forma que nem parece pertinente que eles representem todos os elementos da situação para agir. O conhecimento, para o enfoque que valoriza a sua construção, mais que existir fisicamente, é construído e reconstruído dinamicamente através dos atores e de suas interações sobre e com seu ambiente. Por esta razão, é necessário considerar o contexto para modelizar a cognição.

Agir em situação supõe constituir um espaço de problematização. Entre o momento da tomada de consciência e da constituição da situação pelo ator e aquele da constatação da viabilidade ou não da construção feita cria-se um potencial de ação. A importância desse potencial é uma função da viabilidade ou não das construções feitas.

Caso a construção seja considerada inviável, o potencial dá lugar a um espaço de problematização, requerendo do ator o desenvolvimento de uma série de ações particulares. Se a construção for considerada viável, fecha-se a situação. A inteligência da situação assegura a gestão das ações nesse espaço. A ação, nessa perspectiva, corresponde a uma criação, inovação ou atribuição de sentido e não uma resposta a uma situação. As ações são possíveis porque um conjunto de recursos distribuídos em um espaço determinado, o espaço da problematização, possibilita agir e interagir convocando o ator em sua globalidade, corpo/mente/situação (JONNAERT, 2003, p. 9).

Como citado por Cook e Brown (1999, p. 382, 383), Jonnaert (2003) e Berthon (2004, p. 78), em situação coexistem o conhecimento e o ato de conhecer estando o primeiro a serviço do último. A taxonomia tácito/explícito, indivíduo/grupo não daria conta de explicar como ocorre o conhecimento em situação, uma vez que neste as duas formas de conhecimento interagem e se constituem mutuamente na interação entre pessoas, artefatos e contexto.

Quando o eixo do entendimento do conhecimento passa a deslocar-se do processamento individual das informações para as interações, o valor do plano, das prescrições começa a ser questionado enquanto elemento central para a execução da tarefa. Neste sentido, se o plano é representado por conhecimentos explicitados, declarativos, e passa a ser visto como “segundo plano”, então, o que é privilegiado é o conhecimento procedural emergente na ação/situação. Interagir com elementos da situação e constituir a atividade no aqui e agora demanda fazer em processo e decidir em situação, coordenando o conhecimento extraído dela para agir.

2.5.2.3 A transferência com ênfase no processo de construção situada