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1 CONSTRUÇÕES INDIVIDUAIS E COM UNITÁRIAS DA PAISAGEM : PROBLEM ÁTICA LINGUÍSTICA

No documento ÍNDICE DO VOLUME II (páginas 162-164)

TOURISM LANDSCAPES OF M ADEIRA ISLAND AS LINGUISTIC CONSTRUCTIONS: COM M UNITY ASSETS?

1 CONSTRUÇÕES INDIVIDUAIS E COM UNITÁRIAS DA PAISAGEM : PROBLEM ÁTICA LINGUÍSTICA

Relacionar a Linguística com os Estudos de Paisagem, tema sobretudo do domínio das Artes, leva, sobremaneira, para o domínio da Análise do Discurso. Os estudos teóricos da linguagem revelam-se profícuos, quando aplicados a outras áreas do saber, já que todas usam a linguagem como meio de transmissão do conhecimento (cf. Caraça, 1993 e 1997). Apesar de este ponto de vista ser importante, no entant o, importa à Linguística, mais do que estudar a linguagem científica de cada domínio, através da terminologia, compreender a importância fulcral da linguagem na formalização metodológica, na própria elaboração do saber. Assim, se é certo que as paisagens se observam e dão a ver, elas também se descrevem, operando-se este processo através da linguagem. Portanto, as “ paisagens escritas” - as descrições paisagísticas merecem ser, linguisticamente, analisadas. Os Estudos de Paisagem são, então, uma matéria de interesse para os linguistas, que, em grupos interdisciplinares43, podem contribuir para a investigação neste domínio (e noutros).

Em princípio, uma paisagem, seja ela qual for - natural ou urbana, agreste ou cultivada, desert a ou habitada, etc. - se vista, observada, contemplada, por diversos indivíduos, que tenham de dar conta dela, não aparecerá representada da mesma maneira. As representações individuais não serão coincidentes, embora se possa reconhecer o motivo pintado ou desenhado. Como é

43 É o caso do Grupo Paisagem da Universidade da M adeira (UM a) - Cent ro de Invest igação em Est udos Regionais e Locais (CIERL), coordenado por Duart e Sant o.

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suposto, se forem escritas, o vocabulário variará e os tópicos que os descritores enunciarão, destacando-os do conjunt o, também serão diferentes. M esmo se o ponto onde se situam é comum, o modo como vão verbalizar a experiência será diferente. O resultado textual poderá ser tão diverso que existirá a possibilidade de não se reconhecer o quadro descrito, inviabilizando a identificação da paisagem que motivou a verbalização, se não se nomear. É sabido que a finalidade da descrição e os destinatários, entre outras circunstâncias, também influenciarão a linguagem verbal a empregar. O vocabulário usado dará a ver (re)construções paisagísticas singulares, criando diversas representações. A paisagem torna-se, então, pertença da experiência individual.

Este exercício é fácil de testar e, em princípio, o efeito de divergência produzido terá vários graus, indo de moderado a acentuado. Crê-se, portanto, que a linguagem verbal é um instrumento bastante diferenciador da representação do meio visionado. A paisagem é filtrada pelo indivíduo que a contempla, tornando-a singular porque individualizada através da linguagem que conhece. Sucedeu assim, por exemplo, com Raul Brandão, reproduzindo a paisagem madeirense que o impressionou enquanto t urista em Ilhas Desconhecidas44. As suas

descrições comportam um forte cunho pessoal e conferem à paisagem contornos particulares marcados pelas qualidades que atribuiu aos elementos naturais e humanos que enumerou. Foi como se se apropriasse da paisagem que viu, não coincidindo esta forçosamente com a contemplada por outros. Dificilmente se reconhecem as localizações de algumas das descrições que apresenta sem as identificar: “ Esta paisagem não se contenta com duas ou três árvores, o ar fino e pouco azul derretido: é exigente e pesada. É materialista e devassa. Ao mesmo tempo é bela. (...) As palavras pouco exprimem nestes casos.” (Brandão, 2013, 184). Não sucede de igual modo com aquelas que identifica com uma palavra, como “ anfiteatro” para o Funchal (Brandão, 2013, 183): “ vão aparecendo casinhas isoladas entre jardins, e as largas folhas das bananeiras ainda em botão roxo ou onde pende já todo o regime amadurecido. Lá do alto descobre-se enfim o majestoso anfiteatro” .

Em sentido oposto às descrições individualizantes e opinativas das paisagens, como estas do escritor-turista da década de 20 do século XX, nas descrições paisagísticas turísticas, concebidas para promover o destino M adeira, a ilha e/ ou o arquipélago, há paisagens que são descritas para serem facilmente reconhecidas. São idealizadas para que qualquer leitor reconheça as “ paisagens textuais pré-fabricadas” , uma vez no local. As palavras lidas, antes da visita, “ colam- se” à paisagem que se vê e, a posteriori, dificilmente se conseguirá obter uma visão

44 Os adject ivos empregues por est e escrit or na part e da obra relacionada com a ilha da M adeira foram est udados para a comunicação “ A Linguagem

de Raul Brandão para a Descrição da M adeira, Uma Visão M ult ifacet ada da Paisagem, do Turismo e da Cult ura Insulares” , para II Jornada CIERL. Turism o e Cult uras Insulares, CIERL-UM a.

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personalizada, por se sobreporem as características previamente destacadas, a que se teve acesso ao imaginar, antes de ver. Nas descrições turísticas, a linguagem usada apresenta uma visão comunitária da paisagem, interligando pontos com determinados elementos, ou melhor, restringindo-os a estes. Por exemplo, à Camacha, associa-se a palavra “ vimes” , apesar de não haver vimes no centro da localidade, onde apenas existe um comércio de produtos em vime, visitado pelos turistas. O Ribeiro Frio e as “ trutas” são indissociáveis. Câmara de Lobos, como ponto turístico e paisagístico, surge relacionado com a “ poncha” (alargada a outros locais, como a Serra de Água) e Winston Churchill, quando pintou a baía. De todas as visões paisagísticas padronizadas dos recantos turísticos da ilha, as “ casas de colmo” são, porventura, a maior construção em vias de extinção. As “ casinhas” de Santana, como são conhecidas, quase desapareceram da paisagem nortenha, mas os roteiros turísticos teimam em querer mostrá-las, conduzindo os turistas a dois exemplares reconstruídos no centro da localidade. A repetição da linguagem caracteriza, então, determinado local. Sem olhar para mais nada, é como se se pretendesse que o meio envolvente paisagístico se tornasse familiar e o cenário passasse a ser um bem patrimonial de todos, através da linguagem. Esta temática obriga a reflexão e análise. Até que ponto a linguagem turística condiciona o(s) olhar(es) sobre a paisagem? Será a linguagem verbal dos roteiros turísticos madeirenses limitada? É o que se quer estudar, partindo das noções de “ paisagem” e “ turismo” .

No documento ÍNDICE DO VOLUME II (páginas 162-164)