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2 NARRATIVAS E O DESTINO TURÍSTICO LISBOA

No documento ÍNDICE DO VOLUME II (páginas 60-65)

TOURISM IM AGINARIES AND NEW TOURISM DYNAM ICS: EXPLORATIONS AROUND THE LISBON CASE

2 NARRATIVAS E O DESTINO TURÍSTICO LISBOA

O “ destino Lisboa” , a exemplo das demais capitais europeias, encerra a celebração do passado, através da consagração, para fins turísticos, de bens culturais materiais e imateriais, mas também pela agitada vida noturna e pela possibilidade, durante alguns meses do ano, de oferecer ao visitante o turismo de sol e praia.

Na capital europeia que está na moda, a mercantilização do passado é uma das marcas fundamentais nas mobilidades turísticas, encerrada na espoliação privilegiada da “ intimidade” com as performances imagéticas do passado. Estas mobilidades, em acentuada demanda qualitativa, ordenada pelos chamados imaginários turísticos, resguarda continuidades, provoca rupturas e cria novas lógicas econômicas e socioculturais, afinal, o turismo é inegavelmente um fator de modificação.

Para Peralta (2013), a efetivação dos lugares e bens culturais como elementos potenciais para a atividade turística atende a diversas demandas, ligadas tanto aos organismos promotores e/ ou mantenedores que lhe constitui, mas inegavelmente às relações previstas entre turistas e comunidades receptoras, as quais são direta ou indiretamente responsáveis pelas produções de bens e serviços.

Para evidenciar de modo conceitual o que vem a ser o turismo cultural, assume-se aqui a descrição dada por Tavalera (1997) na qual este pode ser caracterizado pela ida a locais capazes de oferecer ao visitante contat o com outras culturas, numa busca por conhecer aquilo que se costuma chamar de patrimônio histórico, artístico e cultural. No caso, por exemplo, dos

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patrimônios culturais, tangíveis e intangíveis, acabam também por ser investidos junto ao discurso que lhes prevê enquanto produtos a serem consumíveis, o que abre discussões sobre o que é ou não autêntico, ou seja, o que é, de facto, a realidade cultural local e o que vem a ser apresentado como “ espetáculo” ao visitante (Yúdice, 2004).

O turismo cultural moderno tem suas origens na própria contemporaneidade, desde o grand

tour, durante o século XIX, às ideias de construção das nacionalidades. Para Tavalera (1997) a produção e o consumo de bens culturais para servirem de atração turística constituem uma decisão fortemente ligada a interesses econômicos e também agendas políticos - ligados àfirmação de identidades nacionais, em que elementos relacionados à autenticidade dos bens culturais, tangíveis e intangíveis, são postos em pauta como um elemento diferenciador da experiência turística. Assim, a prática turística, implica territórios/ territorialidades, economias, identidades e culturas, “ acortando distancias y haciendo que el mundo se vuelva cada vez más pequeno a los que desean ver con algo más que los ojos” (p. 75).

Em Lisboa, a ênfase no turismo exercida nos dias atuais acompanha predisposições já estabelecidas na década de 80 do século XX, as quais previam investimentos significativos no setor, tendo sido predispostas junto ao Plano Nacional de Turismo, formulado em 1985. Dentre os objetivos ali propostos, eram apontadas enquanto importantes tendências a serem seguidas, a valorização, proteção e o aprimoramento das materialidades e imaterialidades vinculadas ao patrimônio cultural, pois estes constituiriam elementos importantes para fazer fluir e induzir a chegada de turistas.

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A ênfase na comercialização dos patrimônios culturais, deve ser pensada também sob à égide das transformações exercidas na cidade ao longo do final do século XIX, bem como ao longo dos anos 30 e 40 do século XX vinculadas ao discurso de que a modernização e a urbanização deveriam ser fortemente incrementadas. Nessa lógica, monumentos, igrejas, espaços culturais e zonas de preservação passaram a ser tidos não somente como espaços de visitação, mas também como mantenedores de uma memória coletiva. Sobre isso, nos diz Barreira (2013, p.46):

“ Nesse mesmo período teriam sido realizadas importantes concessões monumentalistas, a exemplo do centro cultural de Belém e dos projetos de saneamento do bairro Alfama e M ouraria, estas medidas tinham por finalidade transformar Lisboa em capital cultural da Europa, atendendo a ideologias marcadamente nacionalistas” .

Tem-se, que os patrimônios culturais e naturais são investidos simbolicamente por parte de uma grande variedade de agentes políticos e econômicos, que conjuntamente contribuem para as redefinições identitárias locais. Tal como menciona Elsa Peralta, “ trata-se do uso económico do património por via do seu aproveitamento turístico que, no contexto de uma sociedade “ pós- tradicional” nostálgica e carente de elementos de identificação colectiva, confere ao património uma nova vitalidade” (PERALTA, 2003, p. 87). Portanto, cada vez mais o papel da cultura tem se intensificado nas esferas política e econômica. Isto est á modificando a imagem do patrimônio, que passa a ser verificado não somente por seu valor intrínseco, mas também pela sua capacidade de gerar renda a alguns setores da sociedade em meio a iminente condição sistêmica-processual que encerra os encontros entre os atores envolvidos na prática turística. Pereiro (2009, p. 43) elucida que “ em um sentido genérico, o turismo pode ser entendido como um acto e uma prática cultural, pelo que falar em “ turismo cultural” parece ser uma reiteração. Porém, sob o meu ponto de vista, é pertinente falar de “ turismo cultural” em sentido estrito, porque face ao turismo convencional e de massas, o turismo cultural significa uma reacção contra a banalização social e o excesso de mercantilização” . Contudo, o autor destaca ainda que a mercantilização da cultura nem sempre significa o desfrute da cultura por todos, é só a conversão da mesma em ritual espetacular, passivo, ficcional e superficial. De facto, em Lisboa como nas demais capitais europeias, o turismo cultural realiza-se em meio ao que pode-se pratica-se turismo cultural nos moldes do que Sharon M cDonald (2002), considera com o “ obsessão pelo passado” , fenômeno construído politicamente no velho continente após o término da segunda guerra mundial.

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Destaque-se que na ativação dos imaginários turísticos, a cidade é também composta por outras duas narrativas importantes: o multiculturalismo e a relação simbólica com o mar,

“ Less than ten years after the formal end of the Portuguese colonial empire, UNESCO makes use of the exemplarity of Portuguese art to reaffirm the long-used interpretative framework through which Portuguese imperial history is read both nationally and internationally: Portugal was the count ry of the ‘Discoveries’; not a colonial center. Widely spread through school socialization, public discourses and propaganda since the end of the nineteenth cent ury, this interpretation of Portugal’s imperial history is strongly materially embedded” (Peralta, 2013, p. 5). A fotografia abaixo corresponde às Torres São Rafael e São Gabriel, no complexo do Parque das Nações, numa área planejada para ser a Lisboa M oderna. A arquitetura dos edifícios aí representados evoca a importância das descobertas marítimas. Desse modo, na chamada “ Lisboa moderna” , consagra-se na materialidade dos edifícios as narrativas presentes na “ Lisboa Antiga” , que exaltam a importância das grandes conquistas além-mar, legitimadas na Torre de Belém e no Padrão dos Descobrimentos.

Fig. 3: Torres São Rafael e São Gabriel no complexo do Parque das Nações. Lisboa, 2016. Fonte: CasinodeLisboa.com

A construção narrativa a respeito da cidade enquanto muticultural constitui também uma importante narrativa utilizada na formulação de roteiros turísticos da capital, o que se dá, é facto, de modo mais sutil, contudo, menos enfática. Basta uma caminhada not urna pelas ruas

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do boêmio Bairro Alto, um dos principais destinos de entretenimento da cidade, para se deparar com uma vasta gama de ritmos musicais relacionados a países que foram colônias portuguesas, no que pode-se entrever que estas alianças outrora coloniais, e ainda fortemente vivas no imaginário dos portugueses, são intensamente comercializadas através da prática turística. Sobre estas relações de reciprocidade entre ex-colônias e ex-metrópole, pode-se utilizar como exemplo o caso da prática turística exercida por brasileiros em Portugal. Ao pensarmos o fluxo de turistas entre Brasil e Portugal, tem-se uma substancial demanda. O Brasil “ integra a ‘carteira’ dos principais mercados emissores para Portugal (TOP 10), posicionando-se em sétimo lugar enquanto gerador de receitas, com uma quota de 4,6%. Em 2013, a nível dos indicadores da hotelaria, o Brasil ocupou o quinto lugar quando avaliado pelo número de hóspedes (quota 6,5%) e o sexto lugar quando avaliado pelo número de dormidas realizadas em território português (quota 4,2%)” (Portugal, 2010). Lisboa é a cidade escolhida como destino principal pelos brasileiros, o que pode ser explicado pela ampla oferta de tráfego aéreo, bem como pela “ notoriedade que goza o destino” (Ibidem, p 22).

Em 2015, segundo dados do M inistério do Turismo Português, o Brasil chegou ao top 3 no número de turistas estrangeiros no país: "O Brasil é um país estratégico na política turística portuguesa. A crise no Brasil mantém o mercado portugues em alerta, mas em otimismo. O tom mercadológico prevê Portugal como um competitivo destino europeu, pois constitui-se enquanto um dos países mais baratos do continente, atraindo, assim o turista brasileiro. A escolha por Portugal é motivada por alguns elementos centrais ligados aos profundos laços de reciprocidade linguística, histórica e sociocultural. De modo inconsciente, ou não, estas motivações estão ligadas a satisfação de algumas curiosidades e estereotipias, sobre o passado colonial, constituindo-se enquanto um destino onde é possível entender um pouco mais sobre Brasil.

No Brasil, a página eletrônica de uma revista especializada em viagens ressalta Lisboa como uma das cidades europeias mais visitadas pelos brasileiros e destaca as virtudes e vantagens da capital portuguesa,

“ Os sons vão do melancólico fado ao delicioso (e por vezes ininteligível) sotaque. Os aromas que vêm de confeitarias e restaurantes despertam a gula. Esparramada pelas colinas que ladeiam o lendário Rio Tejo, Lisboa tem telhados vermelhos e azulejos coloridos. Becos e ruelas guardam preciosidades de um rico passado. O nosso próprio passado” . Fonte: viagem.abril.com.br

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Importa fazer aqui uma constatação importante sobre as performances turísticas de brasileiros em Portugal, em que os fluxos turísticos são intermediados por representações relacionadas a fascínio e ressentimento, consequência das relações entre ex-colônia e ex-metrópole. De modo inconsciente, ou não, as motivações relacionadas às visitas estão ligadas a satisfação de algumas curiosidades e estereotipias, sobre o passado colonial, constituindo-se enquanto um destino onde é possível entender um pouco mais sobre o Brasil. Pode-se afirmar que a experiência turística de brasileiros em Portugal, ajuda a superar, em alguns momentos, estereotipias e discursos nacionais, tanto lá, quanto cá, como, por exemplo, o argumento de “ descoberta” ou “ invasão” , sobre a chegada dos portugueses à Terra de Pindorama10, sendo substituídos pelo “ encontro com o passado” .

No documento ÍNDICE DO VOLUME II (páginas 60-65)