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3 O VALOR ECOLÓGICO E PAISAGÍSTICO DOS ESPAÇOS ABANDONADOS NÃO EDIFICADOS NA CIDADE

No documento ÍNDICE DO VOLUME II (páginas 41-44)

ALTERNATIVES TO THE CONVENTIONAL MODELS OF RECOVERY OF THE URBAN LANDSCAPE

3 O VALOR ECOLÓGICO E PAISAGÍSTICO DOS ESPAÇOS ABANDONADOS NÃO EDIFICADOS NA CIDADE

Os espaços abandonados não edificados podem trazer uma mais-valia ecológica para a cidade. São espaços com potencial para desempenharem um importante papel funcional, paisagístico e estético, e para contribuírem para a promoção e conservação da biodiversidade, da resiliência urbana e da mitigação de riscos. A maioria destes espaços abriga formações ecológicas, alguns sendo vestígios de jardins ou estruturas verdes abandonadas que vão sobrevivendo no tempo, e muitas vezes desempenham também um papel social, nomeadamente como espaços de recreação ao ar livre e de produção alimentar, apesar de mal aproveitado (Foster 2014). Os espaços abandonados não edificados podem constituir, nesse sentido, um reforço para a estrutura ecológica urbana, em complemento aos espaços verdes.

Na cidade as estruturas verdes minimizam os impactes ambientais decorrentes do crescimento urbano: melhoram o ambiente químico e físico, em particular a qualidade do ar; regulam a hidrologia urbana e moderam a ilha de calor; atenuam o ruído; controlam a erosão; aumentam a biodiversidade; e reduzem as necessidades energéticas da cidade. Para além destes efeitos, podem proporcionar numerosos outros benefícios, como os estéticos, psicológicos e socioeconómicos, com reflexos positivos no bem-estar dos cidadãos (Schoeder e Cannon 1983; Ulrich 1985; Kaplan e Kaplan 1989; Huang et al. 1992; Kaplan 1992; M cPherson et al. 1994; Sullivan e Kuo 1996; Wolf 1999). Contudo, também existem potenciais custos e, tal como com todos os ecossistemas, numerosas interações devem ser entendidas (Soares et al. 2011). Criar e manter os espaços verdes de uma cidade é oneroso; a produção de um novo jardim tem custos nunca inferiores a 10€/ m2 e anda geralmente pela ordem dos 50€/ m2, e a manutenção varia entre os 2 a 3€/ m2/ ano em jardins de regadio (M at a 2017). Numa cidade como Lisboa, as despesas anuais com espaços verdes ascendem a 5,5 milhões de euros(M ata 2017), valor que

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não é despiciendo e que, sobretudo em context o de encolhimento urbano, pode criar dificuldades de enquadramento orçamental.

Tem havido em diversas cidades um movimento no sentido da conversão de alguns desses espaços abandonados em parques. Essa tendência não, é de resto, uma novidade. Experiências pioneiras deste tipo remontam à reforma urbana de Paris de 1852-1870, conduzida pelo Barão Haussmann (1809-1891). O engenheiro Jean-Charles Alphand (1817-1891) foi o principal responsável pela criação nessa altura do Parc des Butt es Chaumont, tendo liderado uma equipa constituída pelo horticultor Jean-Pierre Barillet-Deschamps (1824-1873), pelo arquiteto paisagista Edouard François André (1840-1911) e pelo arquiteto Gabriel Davioud (1824-1881) (Tate 2015). Parc des Buttes Chaumont é um parque parisiense de quase 25 hectares elaborado ao estilo paisagista inglês, com traçado orgânico. O lugar escolhido para a sua implantação foi uma antiga pedreira de extração de calcário usado na construção e reforma urbana da cidade, e depois utilizada como lixeira. É um dos primeiros exemplos bem sucedidos da recuperação de uma paisagem urbana degradada num parque paisagista, ou, como também já foi referido, um dos “ mais dramáticos exemplos precoces da arte da paisagem utilizada na recriação da forma e da matéria dos espaços abandonados” (Jellicoe e Jellicoe 1995, 257).

Apesar de exemplos históricos como este, a maioria das experiências de recuperação de espaços abandonados para parques urbanos é relativamente recente e aparece associada ao pós- industrial e à arquitetura high-tech. Esta corrente da arquitetura surge nos anos 70 do século XX, entre o M odernismo tardio e o início do Pós-M odernismo, e caracteriza-se pelo elogio das tecnologias, a exibição das redes e a utilização à vista das infraestruturas, e por valorizar a estética industrial, numa época em que precisamente se começa a olhar para as antigas fábricas desativadas como património industrial. A criação do Gas Works Park, em Seattle, pelo arquiteto paisagista Richard Haag (n. 1923), aberto ao público em 1975, inscreve-se nesta estética, ao tirar partido da preexistência da antiga fábrica de gás abandonada na composição paisagística, mantendo as estruturas fabris como celebração da memória histórica do lugar, do seu valor estético e do seu potencial para novos usos. Os solos contaminados da área de intervenção do Gas Works Park foram removidos, criando uma colina artificial denominada Great M ound, um dos pont os com vista panorâmica sobre o lago (Lake Union) e a cidade de Seatle2. O projet o Gas Works Park serviu de inspiração para o surgimento na Alemanha, nos anos 90 do século XX, do Landschaftspark Duisburg-Nord (Parque Paisagista de Duisburg Norte), um parque pós- industrial de 230 hectares projetado pela equipa do arquiteto paisagista Peter Latz, e

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reconhecido como um sucesso quer pelo seu milhão de visitantes por ano, quer pelo cust o de manutenção considerado baixo, orçado em 4 milhões de euros por ano3

Outra referencia inevitável é o The High Line, construído entre 2009 e 2014 em Nova Iorque. Trata-se de um parque linear com a extensão de 2,4 Km, e uma área de 2,7 hectares, plantado numa antiga linha ferroviária desativada que atravessa três bairros da cidade (M eatpacking, West Chelsea e Hell's Kitchen/ Clinton) sobre um viaduto elevado a 8 m de altura. O projeto The High Line alcançou fama internacional devido ao facto de resultar de um movimento de resistência cívico que se opôs ao desmantelamento da antiga linha ferroviária pretendido pelas autoridades locais, reclamando a criação de um jardim suspenso inspirado na vegetação espontânea que ao longo dos anos fora colonizando o viaduto abandonado. O projeto foi desenvolvido sob um plano de plantação de Piet Oudolf (n. 1944), sob coordenação do arquitet o paisagista James Corner (n. 1961). Este parque de pequenas dimensões recebe cerca de 4,5 milhões de visitantes, mas tem um custo anual de manutenção muito elevado, que chega aos 4,6 milhões de euros, suportados em 90% pelos Friends of the High Line e em 10% pelo New York City Department of Parks4.

Embora as soluções anteriormente referidas sejam ambientalmente mais adequadas do que seria a conversão dos espaços abandonados iniciais em novos produtos imobiliários ou espaços de consumo, qualquer delas não deixa de envolver custos vultuosos. Estratégias como as descritas consistem em substituir os terrenos vacantes por espaços verdes de lazer que configuram soluções permanentes. Németh e Laghorst (2014) questionam essa opção; na verdade, iniciativas para promover soluções de longo termo devem ser ponderadas, desde logo porque não são as mais adequadas ao context o de incerteza em que cada vez mais se faz a gestão urbana, mas também porque implicam inevitavelmente investimentos mais vultuosos do que soluções temporárias. Com um adequado planeamento, desenho e gestão, é possível que os espaços abandonados não edificados cumpram missões semelhantes e proporcionem serviços assimiláveis aos dos espaços verdes, nomeadamente nas vertentes ecológica, estética e social, sem serem transformados em parques e objeto de planos integrais de replantação. Assim, em alternativa, aqueles autores propõem um modelo de utilização flexível que envolva usos temporários dos espaços vacantes como infraestruturas verdes, assumindo a sua natureza liminar e vocação indefinida. Os espaços abandonados não edificados das cidades podem ser valorizados como espaços para usufruto coletivo de lazer e infraestruturas verdes espontâneas, suscetíveis de diversas utilizações apenas com intervenções mínimas no sentido de abrir o seu

3 “ Duisburg Nord Landscape Park, DE” , Lat z + Part ner, acedido em janeiro de 2017, ht t p:/ / www.lat zundpart ner.de/ en/ projekt e/ post indust rielle-

landschaft en/ landschaft spark-duisburg-nord-de/

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acesso e qualificar a sua fruição, ou corrigir eventuais situações de risco que possam estar neles presentes. Um caso que pode vir a ser um modelo paradigmático nesta lógica de reutilização de espaços urbanos abandonados por novos usos temporários ou intermédios é o antigo aeroporto de Berlim, desativado em 2008, e que deu origem ao Tempelhofer Feld, um parque público de 387 hectares onde pistas de ciclismo, de skate e de pat ins em linha usam agora as antigas pistas de aterragem (Colomb 2012). Em t odo o caso, convém ter presente que a maioria dos espaços urbanos abandonados não edificados são parcelas pequenas, com formas irregulares e de localização dispersa, o que releva o desafio de os integrar na estrutura ecológica urbana. Da perspetiva da arquitetura paisagista, para a qual as intervenções podem ser de caráter temporário ou permanente consoante o local e o futuro planeamento urbano, esta forma alternativa de abordagem aos espaços urbanos abandonados é aceitável, viável e pode até constituir um desafio particularmente interessante. De facto, está em sintonia com uma tendência naturalista no design de espaços verdes que, não sendo de agora, tem vindo a ganhar peso nos últimos tempos, privilegiando o espontâneo, o orgânico e o autêntico, no que também pode ser visto como um elogio ao ecológico e ao selvagem. No que diz respeito à vegetação, muitas vezes os planos de plantação têm sido inspirados pela estética das associações espontâneas das plantas na paisagem. Esta visão naturalista tanto engloba planos de plantação exclusivamente compostos com plantas autóctones, como com a incorporação de plantas introduzidas (exóticas). Numa perspetiva histórica, a edição em 1870 do livro The Wild Garden por William Robinson (1838-1935), conjugado com o trabalho prolífico de Gertrude Jekyll (1843- 1932), marcam o início dessa abordagem naturalista dos jardins. Contemporaneamente, Piet Oudolf (n. 1944) é um dos projetistas que mais tem contribuído para a difusão desta estética naturalista através de obras como Planting the Natural Garden (Oudolf e Gerritsen 2003) e de projetos como o The High Line, mencionado antes, mas onde, todavia, o ‘selvagem’ não é espontâneo e sim produto de um minucioso (e dispendioso) plano de plantação.

No documento ÍNDICE DO VOLUME II (páginas 41-44)