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CAPÍTULO II – ILUMINANDO O MAR DAS POSSIBILIDADES

2.6 Elementos de uma proposta didática em favor da autonomia

2.6.3 Construindo modelos de uma realidade “invisível”

O conhecimento físico é baseado em modelos explicativos elaborados (do universo, da estrutura da matéria, modelos matemáticos, etc.). O ensino de Física, por sua vez, utiliza os modelos criados pela Ciência e os transforma em elementos no processo ensino-aprendizagem.

Isso porque a compreensão e a reflexão sobre os papéis e as funções dos modelos podem contribuir para a compreensão de que aprender Física oportuniza a apreensão de uma forma de representação e interpretação da realidade (PIETROCOLA, 2001, p. 33).

Concordamos que, de maneira geral, os modelos da Ciência são apresentados no ensino de forma reduzida e, por vezes, até contraditória. Ocorrem casos em que um “insight” genial o cientista cria um modelo ou representação de alguma coisa que nasce distante do mundo real. Em outras situações, o modelo é apresentado como síntese e descritor da realidade. Em ambos os casos, a matematização é o foco principal do modelo, ou seja, é traduzida pela linguagem matemática a possibilidade de quantificar as grandezas físicas envolvidas (PIETROCOLA, 2001, p. 34). Mas existem outros tipos de modelos, que também são utilizados nos contextos escolares, complementando ou sendo complementados

pelos modelos matemáticos. Kneller (1980, apud PIETROCOLA, 2001, p. 37) cita três – modelo representacional (maquete); modelo imaginário (identificação com o real) e modelo teórico (explicitam um objeto ou sistema).

Para Bunge, proponente da tese materialista da Filosofia do conceitual, ou conceptologia, é necessário e suficiente que um objeto seja pensável por algum ser racional de carne e osso para existir conceitualmente45. Conceber um objeto conceitual e atribuir-lhe uma existência conceitual (por decreto) são dois aspectos de um mesmo processo que se dá no cérebro de algum ser racional46. Um caráter aplicado à situação analisada diz respeito ao tratamento modelístico incorporado às teorias físicas. Bunge pergunta se seriam os modelos meros auxiliares heurísticos que deveriam ser abandonados depois da concretização das teorias47 ou se a polimorfia do significado da palavra modelo poderia suscitar um papel maior dentro das teorias. Nesse sentido, o autor destaca pelo menos dois pontos para considerar a condição de ingredientes de teorias e outros dois contrários a essa posição, a saber:

• Modelo enquanto representação visual: fazendo referência a experiência familiar (HUTTEN, 1956 apud BUNGE, 1980) nem toda a teoria faria referência à modelos, como por exemplo os não observáveis da teoria de campo (fótons virtuais).

• Modelo com significação mecanicista: diante da dicotomia do sentido mecânico (restrito, da forma tradicional, ou amplo, tal qual a interação mediada por partículas da teoria quântica de campos) as teorias podem ou não conterem modelos mecânicos. Ainda, as primeiras poderiam ser chamadas de teorias representacionais enquanto as últimas seriam fenomenológicas ou de caixa preta.

• Modelo no sentido teórico-modélico: somente aplicável a teorias físicas axiomatizadas48, suscitando a dependência do formalismo matemático

45 Objetos conceituais são, segundo Bunge, proposições e teorias independentemente de suas

apresentações lingüísticas (objetos concretos, seja escritos ou falados), sobre os quais existem teses bem conhecidas: platonismo, nominalismo e empirismo.

46 Bunge 1980:40 47 Bunge, 1973. pág 131

48 Bunge sugere que uma teoria pode ser exposta de três modos: historicamente, heuristicamente e

axiomaticamente. Para ele, as duas primeiras calam a maior parte dos pressupostos da teoria, não manifestam todas as suas premissas básicas, deixam obscura a estrutura lógica da teoria, sendo assim inconsistentes em seu significado físico. A formulação mais cuidada, completa e profunda de uma teoria deve ser a axiomática, afirma Bunge, pois somente ela atinge o âmago da teoria. (segue na próxima página)

subjacente. Bunge assume que toda a teoria física axiomatizada é um modelo diante da possibilidade de encontrar um signo particular dentro da Matemática e, ao mesmo tempo, poder enxergar uma interpretação física. Cita o exemplo da massa dentro da mecânica newtoniana, a qual se atribui um número e um significado físico.

• Modelo enquanto conjunto de enunciados: diante da fragilidade das fórmulas gerais, há necessidade de fornecer um crescente número de suposições específicas e dados subsidiários, acrescidos aos axiomas genéricos da teoria, formando o que Bunge chama de modelo conceitual do sistema concreto.

Esses apontamentos sobre a natureza das teorias científicas, especialmente as da Física, revelam o que Bunge pensa a respeito da inclusão de elementos mecânicos e sua funcionalidade dentro do escopo do trabalho do cientista e as devidas implicações para a construção do saber. Para ele, a traduzibilidade gráfica é uma ocorrência psicológica afortunada, não é uma necessidade científica49. O modelo pode ser e usualmente é constituído por itens imperceptíveis, como partículas inextensíveis e campos invisíveis. Sugere mais, a manutenção do afastamento entre modelos teóricos em relação aos seus análogos visuais. A validade da aproximação se restringe ao campo psicológico, extensível a educação.

Na Ciência factual, a analogia e a inferência analógica são benvindas como instrumentos de construção da teoria. Elas são também sinais de crescimento, sintomas de que a teoria ainda está em génese e não está madura. Uma electrodinâmica clássica amadurecida não tem necessidade de tubos elásticos de força: o campo – uma substância não mecânica – é suficiente para todos os propósitos, sendo os análogos mecânicos considerados como apêndices removíveis. Do mesmo modo, uma electrodinâmica quântica amadurecida não necessitará de fotões virtuais saltando para fora e para dentro dos electrões: usará os diagramas de Feynman como dispositivos mnemónicos ligados a um método de computação em vez de os utilizar como descrições literais. (BUNGE, 1973:133 apud BUNGE, 1955).

Em outras passagens Bunge chama a atenção para o fato de que todo o modelo é parcial, já que a observação, a intuição e a razão, componentes do Ressalta, porém, que as três são complementares e deveriam compor a uma educação científica bem torneada, explorando o formato heurístico, os extremos do caos histórico e a regularidade axiomática.

trabalho científico, não permitem o conhecimento do real por si próprias. Contudo, o próprio autor indica que a modelização das situações é recurso bem-sucedido na apreensão da suposta realidade (BUNGE, 1974).

Conforme Rezende Jr. (2006, p.100), quando se trata do ensino de Física devemos estar atentos à elaboração de estratégias que possibilitem construção de modelos, por parte dos estudantes, mais consistentes com os modelos conceituais, e isto requer a necessidade de aproximação entre o ensino de Física e a Física como Ciência estabelecida e socialmente construída. Por outro lado, também é preciso estar vigilante para não recorrer aos reducionismos sem situar os alunos das limitações que cada modelo apresenta, quer sejam estes limites de ordem matemática, representativa ou teórica.