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CAPÍTULO II – ILUMINANDO O MAR DAS POSSIBILIDADES

2.3 Contexto Acadêmico – A Pesquisa em Ensino de Física

Por um lado, fica claro que a pesquisa em Ensino de Física avançou bastante na identificação de muitos dos problemas que assolam o ensino de Física e na apresentação de propostas de intervenção e subsídios para a ação pedagógica do professor em sala de aula com vista à formulação de tentativa de superação desses problemas (Megid e Pacheco [4]). Por outro lado, pouco avançou na questão da aplicação dos resultados de pesquisa em sala de aula.

Fábio L. A. Pena – Carta ao Editor – RBEF - v. 26, n. 4, p. 294

Muito se critica o distanciamento entre o discurso e a prática. De forma análoga, a pesquisa preconiza encaminhamentos que nem sempre alcançam seus supostos objetivos e isso não deveria causar estranheza. Há de se ressaltar que muito tem se buscado para mudar essa situação. Desta busca se destacam resultados expressivos, especialmente no que tange a abordagem de conteúdos relacionados com FMC para o nível médio de ensino, mesmo que ainda tenhamos que conviver com muitas ambigüidades e contradições. Ora, isto não deveria ser surpresa, afinal estamos falando de uma linha de pesquisa em Ensino que vem se estruturando há menos de duas décadas!

Por que demoram chegar às salas de aula os resultados dos trabalhos acadêmicos? Se os resultados chegam, por que a maioria dos professores não os aplica? Existem muitas respostas para questionamentos como estes. Segundo Pena (2004), essas respostas divergem dentro da própria comunidade de pesquisadores. Enquanto Moreira (2000) acredita que boa parte da pesquisa é básica e deve demorar até apresentar resultados em sala de aula, Marandino (2003) sugere que muitos professores conhecem os resultados da pesquisa mais ainda se pautam em práticas tradicionais. Studart (2001) propõe critérios para que os docentes passem

emitir juízos de valor sobre os impactos da pesquisa dentro do processo ensino/aprendizagem, afirmando ainda que muitos pesquisadores da Física Aplicada defendem um ensino mais tradicional, gerando controvérsias dentro da própria comunidade acadêmica. Delizoicov (2004) realça que embora a pesquisa em Ensino de Física seja feita por físicos, os referenciais teórico-metodológicos têm origem nas Ciências Humanas, defendendo qualificar esse tipo de pesquisa como pertencente ao grupo das Ciências Sociais Aplicadas, que implica em considerar seus resultados no âmbito da educação escolar. Em outro artigo, Delizoicov (2005) rediscute a questão das possibilidades e limitações inerentes à disseminação das pesquisas em Ensino de Ciências (EC) nas três esferas de atuação acadêmico-universitárias (ensino, pesquisa e extensão). Argumenta que, muito embora se deva potencializar o retorno das pesquisas em EC para as práticas educativas, tendo em vista a inquietação quanto ao impacto destas pesquisas nas salas de aula do ciclo básico, é necessário parcimônia nas críticas.

Contudo, isso não significa [...] que devemos balizar pesquisas em EC simplesmente a partir das demandas de professores, mas sim planejar um processo dialógico que possibilite identificar e problematizar os obstáculos a serem vencidos por professores para a implantação de práticas pedagógicas que estejam em sintonia com as pesquisas que realizamos (DELIZOICOV, 2005, p.375).

Ao observar o panorama das contribuições mais recentes da pesquisa em Ensino de Física são identificados fatores que permitem aferir como tem evoluído a forma de repensar metodologias e práticas dentro dessa área restrita do conhecimento. Em um momento no qual a pesquisa vem sendo alavancada, quantitativa e qualitativamente, não se percebe objetivos comuns quanto aos resultados esperados em sala de aula.

Parece ser necessário o desenvolvimento de pesquisas que nos indiquem que conhecimentos a pesquisa em ensino de Ciências conseguiu gerar até o momento, e que podem ser traduzidos na forma de instruções para o ensino das diversas Ciências (ROSA, 1999, p. 206).

Parte considerável do distanciamento que persiste entre pesquisa em EC e EC pode ser sanada através da estruturação de cursos de formação continuada que considerem o contexto de aplicação das inovações para o ensino. Algumas barreiras precisam ser derrubadas. Em nosso entendimento, o estabelecimento de uma política pública de gerência da formação docente continuada, abrangente e

motivadora, pode contribuir significativamente no desafio de tornar de aproximar das salas de aula os suportes teóricos didático-metodológicos desenvolvidos pela pesquisa nos centros universitários. Há, porém, outras questões anteriores que ainda merecem análise.

Durante o V ENPEC17, um dos maiores eventos da pesquisa em Ensino de Ciências, realizado em novembro de 2005 na cidade de Bauru, São Paulo, o pesquisador da Unicamp, Jorge Megid Neto, coordenou os trabalhos de uma mesa redonda que expôs problemas enfrentados por todos que buscam dados sobre dissertações e teses publicadas no Brasil, como a indisponibilidade de informações básicas e especialmente, textos completos. O pesquisador apurou que desde o início da década de 70 até o ano de 2004 foram produzidas cerca de 1100 teses e dissertações voltadas para a área de Educação em Ciências, produção que sofreu incremento quantitativo graças à disseminação de centros de pesquisa, diversificação de temáticas e metodologias. Delizoicov (2004) apresenta um resgate que permite dimensionar a pesquisa em ensino (de Ciências e/ou de Física), servindo de referência para um entendimento maior sobre o papel que esse campo de conhecimento desempenha em num país continental como é o Brasil.

Descompassado com os avanços tecnológicos experimentados nos últimos anos, em especial à tecnologia da informação, muitos trabalhos relevantes permanecem inacessíveis a uma parcela considerável de investigadores e outros interessados, enquanto não são disponibilizados em formato digital via rede. Em uma tentativa de reverter esse quadro, a CAPES18, através de seu portal na Internet, está buscando otimizar o processo de disponibilização das produções acadêmicas, tornando mais abrangente a divulgação dos resultados das investigações em todas as áreas. Ou seja, existem esforços para tornar mais acessíveis as produções acadêmicas, mas ainda enfrentamos dificuldades para ter acesso aos materiais. Boa parte da pesquisa acadêmica, que remete para resultados importantes sobre práticas docentes, permanece imóvel sobre as estantes das bibliotecas. Esse problema poderia ser sanado a partir do momento que as comunidades de pesquisa

17 Encontro Nacional de Pesquisa em Educação de Ciências, sob coordenação da Associação

Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências – ABRAPEC.

18 A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é órgão do governo

federal empenhado na expansão e consolidação da pós-graduação Stricto Sensu (mestrado e doutorado) no Brasil. Suas atividades podem ser agrupadas em quatro grandes linhas de ação: a) avaliação da pós-graduação Stricto Sensu; b) acesso e divulgação da produção científica; c) investimentos na formação de recursos de alto nível no país e exterior; d) promoção da cooperação científica internacional.

implementassem uma base de dados comum, com acesso direto via rede. Desta forma, entende-se que muitos trabalhos poderiam ser difundidos para as redes de pesquisadores, atingindo direta e indiretamente públicos diversos, incluindo aí os professores das Ciências, seja pela possibilidade da leitura ou por resultados aplicados aos cursos de formação aos quais têm acesso.

Fazendo o devido recorte para os objetivos deste trabalho, analisamos a disponibilidade de informação através do portal da Capes. Foi possível verificar uma modesta presença de trabalhos acadêmicos (teses e dissertações) que investigam a temática “Inserção de Física Moderna e Contemporânea no nível médio de ensino” e suas correlações. Por se tratar de uma área explorada com mais ênfase somente a partir da década de 9019, acredita-se que os trabalhos disponíveis representam a parte mais significativa de tudo o que foi produzido sobre o tema. Dessa forma, utilizando o mecanismo de buscas do portal foram aplicados alguns filtros - “FÍSICA MODERNA”, “FÍSICA CONTEMPORÂNEA”, “ENSINO FÍSICA”, entre outros – sendo localizadas mais de trezentas dissertações. Apenas a minoria delas estava relacionada efetivamente com questões que envolvem educação em Ciências, mais precisamente apenas trinta e quatro dissertações se encaixam nas discussões sobre Física Moderna e Contemporânea para o nível Médio. Apesar de pequeno, o número é significativo e mostra que a linha de pesquisa está sendo fomentada20.

Outra forma de observar o que acontece em uma área de pesquisa é voltar os olhos para as publicações no formato de periódicos, impressos ou on-line. O que se percebe hoje são avanços significativos em qualidade, quantidade e abrangência. Em nossa área de interesse, o Ensino de Física, algumas publicações se destacam. Conforme Carta ao Editor publicada no ano de 2004 (v. 26, n° 4) na Revista Brasileira de Ensino de Física – RBEF – esse periódico se tornou um dos grandes veículos de divulgação e de publicação de trabalhos científicos e didáticos relativos ao Ensino de Física, recebendo o mérito de ser a primeira revista especializada na área, tendo seu primeiro número publicado pela Sociedade Brasileira de Física (SBF) no ano de 1979. Cinco anos mais tarde, em 1984, surge o Caderno Catarinense de Ensino de Física – CCEF – hoje (desde 2002) Caderno Brasileiro de Ensino de Física – CBEF – que se tornou um dos grandes

19 O banco de teses e dissertações possui dados a partir do ano de 1987.

20 O Apêndice Digital que integra o CD de apoio deste trabalho traz uma síntese desta produção,

desaguadores de artigos de pesquisa em Ensino de Física no Brasil, publicação de responsabilidade do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Outras duas publicações de importância nacional surgem na década de 90, a Revista Ciência & Educação (UNESP - 1995) e a Revista Investigações em Ensino de Ciências (RIEC) (IF-UFRGS - 1996), configurando-se entre os principais disseminadores da pesquisa em Ensino de Física no Brasil.

Procurando evidenciar nesses periódicos as tendências atuais da pesquisa em Ensino de Física e admitindo que estas publicações compartilham a parte mais significativa do pensamento da comunidade de pesquisadores da área, foi elaborada uma revisão bibliográfica visando identificar os artigos ligados às questões de ensino-aprendizagem. Vemos nesta revisão a possibilidade de criar um reservatório de possibilidades, selecionando informações específicas. Aplicando um filtro com objetivo de identificar aqueles artigos que apresentam vínculo com ensino de Física Moderna e Contemporânea, foram revistos 316 artigos na RBEF21, 545 artigos no CBEF e 113 artigos disponibilizados no endereço eletrônico <http://www.if.ufrgs.br/public/ensino> da RIEC. Desses, quarenta e sete (27 da RBEF, 14 do CBEF e 6 da RIEC) mostraram identificação com os objetivos da pesquisa22.

A análise da temática central dos artigos mostra distinção entre os artigos publicados, particularmente ao público que se destina. Esta distinção se percebe em textos que tem aplicação exclusiva no Ensino Superior, trazendo aprofundamentos teóricos, enquanto outros têm como público-alvo os professores do Ensino Médio e trazem contribuições didático-metodológicas interessantes para os profissionais que atuam com os jovens no ciclo final da Educação Básica. Segundo nosso entendimento, também é possível estabelecer algumas categorias nas quais é possível enquadrar a grande maioria dos textos, a saber:

Categoria Detalhamento

Currículo Discussões ou propostas para atualização curricular visando à incorporação de novos conteúdos Formação de

Professores Discussões sobre a formação de professores e a processos de formação continuada. Livros Didáticos Análise de livros didáticos e/ou comparação entre diferentes publicações

21 A pesquisa foi feita em todos os artigos até a edição número 1 do volume 8, onde surge a seção

Pesquisa em Ensino de Física. A partir deste ponto a revisão foi feita somente nos artigos relacionados dessa seção e das seções Epistemologia e História da Física (v. 15, nº 1 - 1993) e Física e Assuntos de Interesse para o Segundo Grau (v. 17, nº 1 - 1995).

Categoria Detalhamento

Material Didático Propostas de produção e/ou utilização de material didático voltado para o Ensino de Tópicos de Física Moderna e Contemporânea Proposta Didática Sugestão de roteiros, seqüências didáticas, temáticas ou experimentos visando à inserção de tópicos de Física Moderna e Contemporânea no

nível de ensino correspondente.

Revisão Bibliográfica Resgate de propostas e justificativas sobre o tema Física Moderna e Contemporânea Relato Relato ou descrição de atividades desenvolvidas em nível Médio ou Superior, acompanhado ou não de análise sobre a validade da proposta

aplicada.

Tabela 1 – Classificação dos artigos publicados em periódicos

Ao fazer uma leitura dessas publicações se percebe a qualidade das propostas e discussões levantadas, indicando que existe um leque de opções que permeia questões acadêmicas de pesquisa e se estende até assuntos relacionados com formação inicial e continuada de professores. Acusamos, também, a presença de alternativas para inserção de assuntos relacionados com FMC em nível médio, especialmente os artigos publicados pelo atual Caderno Brasileiro de Ensino de Física. Entretanto, é fato que o número destes artigos ainda é reduzido. Percebe-se uma tendência de crescimento da pesquisa nessa área, ao passo que essas publicações resultam, em sua maioria, de trabalhos oriundos de dissertações e teses. Caso essa tendência não seja abalada, é possível prever que a base teórico- metodológica para tratamento de temas envolvendo FMC deva receber fortes incrementos nos próximos anos, consolidando um anseio da comunidade acadêmica quanto às mudanças significativas nos conteúdos e práticas pedagógicas da Física que se ensina na Escola. Porém, essas mudanças só devem acontecer a partir do momento que os resultados das pesquisas divulgadas alcancem, efetivamente, o professor.

Junto com a expansão do suporte teórico e didático-metodológico que os periódicos proporcionam, e cumprem papel de socializar, há de se esperar que seja ampliado o número de professores de Física do Ensino Médio entre os leitores destas publicações. Estes periódicos, quando entendidos como agentes difusores de ações pedagógicas inovadoras e teoricamente bem sustentadas, assumem papel importante no processo de transformação da prática docente. Porém, a efetivação de mudanças em sala de aula somente será possível se o professor tiver acesso ao produto final, o impresso (ou documento virtual da rede). Para isso são necessários

esforços em várias frentes, desde a estimulação da leitura até a desoneração dos custos para aqueles professores que demonstrarem interesse em investir em sua própria formação. O poder público, em especial as Secretarias de Educação, tem uma responsabilidade singular neste processo, fornecendo aos profissionais os devidos incentivos. Por sua vez cabe à Universidade, através dos cursos de formação inicial e continuada, promover discussões sobre a produção científica publicada nos principais periódicos, analisando e aplicando as propostas apresentadas nos artigos. É necessário (re)pensar que professor queremos em nossas salas de aula.