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CAPÍTULO II – ILUMINANDO O MAR DAS POSSIBILIDADES

2.5 Processos de construção do pensar pedagógico do professor

2.5.2 Investigando a docência

As linhas de pesquisa que discorrem sobre a racionalidade docente e os mecanismos do pensamento do professor tomam corpo no momento em que as teorias cognitivas, especialmente aquelas sobre o processamento da informação, ganham espaço diante das duras críticas que são lançadas às teorias da psicologia, até aquele momento consideradas as maiores embasadoras da pedagogia (PERAFÁN, p. 45, 2004) .

Ao consultar a literatura31, Schoenfeld (1998) percebe que não há uma teoria da aprendizagem profissional docente, apesar do grande número de trabalhos que descrevem conhecimentos, comportamentos, crenças, valores, processos de atribuição de significados e de tomadas de decisão por parte dos professores. A falta de um detalhamento sobre as relações existentes entre os fatores que influenciam a tomada de decisão docente levou o autor a desenvolver uma teoria de ‘ensino-em- contexto’32, motivada por um entendimento processual do que ocorre dentro da sala de aula.

Nossa meta não é criar pequenos robôs ensinantes, ou programas de computador que atuem como professores particulares. Ao invés disso, o objetivo é entender o que os professores fazem em sala de aula – como e por que eles fazem e de que maneira implementam suas decisões em suas práticas (SCHOENFELD, 1998, p.13). (tradução nossa)

31 Entre as publicações citadas estão o Handbook of Research on Teaching (Wittrock, 1986), que

inclui um capítulo sobre o processo de pensamento dos professores (Clark & Peterson, 1986). Há também o volume 20 do Review of Research in Education (Darling-Hammond, 1994), onde há uma coleção de artigos relacionados com conhecimento de professores e suas práticas. O Handbook of Research on the Teaching and Learning of Mathematics (Grouws, 1992), incluindo estudos sobre a cultura em sala de aula, efeitos da prática docente, pensamentos dos professores e conhecimento docente, especialmente os trabalhos de Fennema e Franke (1992) e Thompson (1992). Ainda há referência aos trabalhos no Handbook of Educational Psychology - (Berliner & Calfee,1996), (Calderhead, 1996) e (Borko & Putnam, 1996).

A escolha pelo autor se justifica por sua proximidade com a área de Ensino de Ciências, mas especificamente o ensino da Matemática33, e pela estrutura de sua proposta, baseada em um modelo elaborado para entendimento dos fatores que se implicam na formação de um saber docente, que pode explicitar o ensino tradicional ou progressista, menos ou mais estruturado. O modelo serve para predições, similar ao que ocorre nas Ciências físicas, mesmo sendo estas predições restritas a um contexto muito específico. A proposta de Schoenfeld está focada em quatro pontos, possíveis de serem entendidos também pelas referências de Gauthier e Shulman, que segundo o autor não são prioritários um em relação ao outro, já que se afetam mutuamente:

- As crenças (Beliefs): definir quais os objetivos e planos de ação possuem mais prioridade (em algum momento particular, num contexto particular) é função reservada da opinião e da epistemologia do professor (SCHOENFELD, 1998, p.16) (Tradução nossa)

- As metas ou objetivos (Goals): o que o professor faz em um dado momento para dar forma aos seus objetivos de ensino.( SCHOENFELD, p.17)

- O conhecimento do professor (The knowledge base): o que o professor pretende fazer em uma determinada situação é, naturalmente, fundamentado na alocação de recursos intelectuais que o docente pode trazer para essa situação – isto é, a sua base de conhecimento. É uma categoria extensa, que inclui os conhecimentos dos alunos, do contexto e do próprio conteúdo (SCHOENFELD, p.15).

- O mecanismo (Mechanism): como e por que os professores fazem o que fazem e o fazem a qualquer momento? Schoenfeld percebe e indica, através de seus estudos em sala de aula, que a estrutura do modelo de interação é similar e os mesmos mecanismos básicos funcionam em múltiplos níveis de detalhamento: em um ano, em uma unidade particular, em uma lição ou segmento de lição, sobre um problema particular ou sobre um pequeno desafio em sala de aula (SCHOENFELD, p.15). Os três fatores anteriores são conectados como um mecanismo, influenciando-se mutuamente no contexto de análise.

33 Alan H. Schoenfeld atua como presidente da American Educational Research Association. Sua

principal linha de pesquisa é sobre ensino e aprendizagem de Matemática. Atua como professor associado junto ao departamento de Matemática na Universidade de Berkeley – USA.

Ilustração 1 - Modelo de Schoenfeld (1998, p.14)

Dentro deste modelo de entendimento se percebe a sensibilidade ao contexto e à história, ou seja, as decisões e as escolhas das ações, por parte dos professores, dependem do contexto mais imediato, da história pessoal do professor, de sua história com seus alunos e de suas crenças, metas, planos de ações ativados em função das necessidades urgentes que demandam seu processo de ensino. As decisões tomadas pelo professor surgem de metas altamente prioritárias, ajustadas às crenças e recursos disponíveis em dado momento e compatíveis com os mecanismos disponíveis para viabilizar o processo, relacionados com os conhecimentos do professor, que incluem uma gama variada de planos potenciais de ação (MIZUKAMI et. al. , 2002, p. 64).

Duas suposições são compreendidas dentro dessa proposição inicial: a primeira faz referência aos níveis de ativação dos componentes do modelo, para a qual fatores definidos como sendo de prioridade alta se apresentam consistentes e se apóiam mutuamente; a segunda proposição diz respeito às ações que o professor empreende, que devem por sua vez condizer com as crenças, metas e conhecimentos ativados para aquela situação.

Apesar de restringir seu modelo à sala de aula, Schoenfeld apresenta esse espaço do ponto de vista docente, explicando assim uma parcela significativa do que ocorre em seu interior, especialmente em função do papel que o professor

desempenha. Se por um lado o autor desconsidera fatores importantes para um entendimento mais profundo do contexto de ensino (social, econômico, organizacional, curriculares,...), por outro lado fornece elementos para entender como a subjetividade do professor, através de suas crenças, conhecimentos e objetivos educacionais interpenetram a configuração do ensino desenvolvido por esse profissional (MIZUKAMI et al., 2002, p.63).

A teoria proposta por Schoenfeld se oferece como referencial para entender os processos de desenvolvimento e interpretação de experiências de ensino e aprendizagem, sendo esse um dos motivos de utilizá-la neste trabalho.

O modelo proposto permite descrições apuradas de uma ampla variedade de tipos de ensino [...] Focaliza não apenas a razão de o professor fazer o que faz (crenças e metas individuais), mas o que possibilita que ele o faça, ou seja, os vários tipos de conhecimentos envolvidos (MIZUKAMI et al., 2002, p.64)

Quando se considera o ambiente de sala de aula, entendido como ambiente social complexo, Schoenfeld se oferece como referencial para uma descrição teórica do comportamento humano nesses ambientes cujas reações são intensas e fortemente influenciadas por todo um contexto externo. Na defesa de seu modelo de entendimento, o autor destaca que:

a) É necessário entender como interagem crenças, metas e bases de conhecimento. Como exemplo cita o caso de dois professores com crenças educacionais similares mas que podem tornar seus objetivos de ensino totalmente diferentes, o que indica que outros fatores adjacentes compõem vetores de influência na tomada de decisão por parte do docente;

b) Mudanças significativas em um dos parâmetros (crenças, metas ou base de conhecimento) afetam e provocam o realinhamento dos outros;

c) O modelo explicativo é baseado no formato de mecanismo34, visando entender a dinâmica do ensino;

d) Ao permitir a criação de “cenas” de pessoas ensinando, o modelo oferece um quadro detalhado para entender o que os professores fazem e por que o fazem.

Explicitar um modelo de entendimento das ações docentes e aplicá-lo em situações diferenciadas, como é o caso desta pesquisa, confirma um esforço teórico

34 Termo convenientemente adotado no sentido de que os fatores se inter-relacionam, formando um

em favor de melhorias sobre a compreensão da ação pedagógica. Por este motivo, se oferece a partir deste trabalho mais um referencial teórico que embasa experiências de ensino (que não desconsideram a aprendizagem!) enquanto estratégia de desenvolvimento profissional (estratégia formativa) e de compreensão do processo de desenvolvimento profissional (estratégia investigativa), apesar das limitações que o modelo proposto por Schoenfeld apresenta. Pensamos que a convergência entre alguns referenciais teóricos que versam sobre o saber docente possa suprimir, em grande parte, as fraquezas individuais de cada modelo. Esse esforço é válido a partir do momento que visualizamos o professor como agente transformador do ensino. Ao mesmo tempo buscamos explicitar um entendimento das ações docentes em favor de melhorias em relação à formação de professores de Física para atender ao novo contexto, o ensino de FMC.

Para esse contexto de pesquisa devemos fazer recortes no modelo para atender as especificidades de nosso foco, ou seja, investigar como uma ampla base de conhecimentos, entre os quais se situam conceitos de FMC, é acionada diante de uma situação de ensino originada em um tema. Neste caso, conceitos da Didática das Ciências são de fundamental importância, principalmente o da Transposição Didática.

Na busca pela ampliação do entendimento sobre as estratégias de ensino que os professores (de Física) adotam quando o assunto é um tópico relacionado com FMC, assume-se foco no setor de elaboração de conteúdos, cuja dimensão epistemológica abarca os processos de Transposição Didática. Esse processo de transformação do saber é entendido como sendo o mecanismo utilizado pelo professor para acessar sua base de conhecimentos particular, transformando-a em um saber escolar aplicado com seus alunos em sala de aula. Por outro lado, conhecimentos sobre os enfoques CTS e ACT são de grande relevância, pois o cotidiano esta repleto de aplicações advindas de conhecimentos de FMC e suas tecnologias. Metodologias que trabalham a relação de Ciência, Tecnologia e Sociedade podem ser a opção dos professores. Também devemos considerar estratégias de ensino que possibilitem tratar os processos de modelização que a Ciência promove, especialmente aqueles que remetem para a superação dos eminentes análogos clássicos, outra barreira a ser superada através da abordagem de temas de C&T contemporâneas. Entender completamente como esse acesso se dá sugere outros esforços que nos fogem do alcance neste momento. O que

fazemos, então, é reunir elementos para compor um retrato de um desafio docente: a abordagem de temas relacionados com FMC na educação básica.